Essa pergunta já foi feita por centenas de milhares de pessoas antes de você, inclusive na Sagrada Escritura. Em Jo 9, 1 temos o episódio de Jesus que vê um cego de nascença e em seguida os seus discípulos lhe perguntam: “Rabi, quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego?” E Jesus responde: “Nem ele pecou nem seus pais, mas é necessário que nele sejam manifestadas as obras de Deus.” Ok? Mesmo assim, vamos tentar explicitar um pouco mais.
A mentalidade do homem semita era a de que todos os tipos de males e desgraças que aconteciam a uma pessoa, numa família ou na cidade, seriam castigos enviados pelos deuses por causa dos erros humanos. Contudo, ao escolher um povo para se revelar, Deus conduziu paciente e pedagogicamente esse povo e o fez crescer na compreensão de certas verdades antes incompreensíveis a eles. A releitura da própria história sagrada já revela sementes da única verdade que foi sendo desvelada gradativamente dentro da cultura do povo hebreu. Por exemplo, o livro de Jó, que faz parte dos livros sapienciais da Bíblia, apresenta um personagem considerado, justo, integro e temente a Deus, portanto todos os bens que Jó possuíam eram interpretados como sendo recompensa divina por causa da sua conduta; porém ele vem a perder tudo e é acometido de uma profunda lepra e, para piorar um pouquinho, é visitado por três amigos que defendem a teoria da prosperidade e, portanto, se esforçam para provar e comprovar que a desgraça vivida agora por Jó é o sinal de que ele pecou e Deus lhe castigou. Após vários longos e profundos discursos, os amigos de Jó ficam em apuros, porque Jó é inocente, nesse caso, como poderiam explicar a bondade divina diante do sofrimento e do mal?
Comentando esse livro da Bíblia, S. João Paulo II explica que Jó, por ser inocente e ter consciência de não merecer semelhante castigo, contesta o pensamento que identifica o sofrimento com o castigo e o pecado, portanto o seu sofrimento é o sofrimento de um inocente e entra na lógica do mistério, que o homem não está em condições de entender totalmente com a sua inteligência (cf. Salvifici Doloris, 11).
As últimas palavras de Jó são de grande ensinamento para nós, porque tendo acolhido a fé da sua tradição religiosa e tendo se esforçado durante toda a sua vida para fazer aquilo que é justo aos olhos de Deus e dos homens, quando se vê duramente provado por um terrível e inesperado sofrimento, é a Deus que ele lança o seu grito, além disso, é no sofrimento que Jó passa a conhecer mais de Deus, por isso suspira: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora meus olhos te veem” (Jo 42,5). E de que forma Jó viu a Deus? Se lemos com atenção o texto bíblico compreendemos que Jó entrou em diálogo com Deus, ou seja, no meio da sua dor, mesmo sem compreender o motivo pelo qual estava sofrendo, Jó voltou-se para Deus, não com acusações, não como uma vítima da fúria divina, não com chantagens de quem faz promessas vazias para receber gratificações, mas Jó lançou-se com confiança em Deus, olhou para si e para o mundo ao seu redor com os olhos de Deus, e fez a experiência fundamental da sua vida
No capítulo 38, Deus responde a Jó. O seu não é um discurso de defesa nem de acusação, mas Deus faz Jó contemplar o mistério da sua providência e sabedoria presente nas suas obras. A forma como Ele responde ao questionamento acerca do sentido do sofrimento é revelando que está sempre perto de quem sofre, aliás, está dentro! Quando alguém sofre, Deus está ali, porque Ele nunca abandona os seus filhos. Portanto, ninguém sofre sozinho! O Seu amor torna-se a força dos fracos e a Sua presença é a luz que os guia nos tempos de escuridão.
A nossa condição criatural traz em si limites e somando-se a isso as nossas concupiscências, frutos do pecado, nos causam sofrimentos; às vezes sofremos pelas consequências diretas ou indiretas do pecado do outro, às vezes somos nós que, no mal uso da nossa liberdade, fazemos os outros sofrerem; outras vezes não encontramos explicações para os sofrimentos que padecemos ou vemos outros enfrentarem, mas sempre queremos entender por quê.
Voltemos para o primeiro parágrafo desse artigo: será que de fato entendemos a resposta de Jesus? De que forma a glória de Deus pode se manifestar numa situação de dor? Não é simples falar sobre isso em poucas linhas, mas vou pular alguns capítulos e passarei para a cena final. Contemplando a crucifixão de Jesus podemos compreender melhor, porque quando Ele grita “Eloi, Eloi, lemá sabachtáni” (Mc 15,34), não estava comprovando que o Pai o tinha abandonado, ao contrário, como membro do povo hebreu, ao pronunciar os versículos iniciais de um Salmo, o orante está expressando o sentido do Salmo inteiro, e nesse caso, o Salmo 22 (21) trata-se de um Salmo de esperança e confiança em Deus. Outra palavra pronunciada por Jesus na Cruz foi: “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu espírito” (Lc 23,46), expressando sua confiança e abandono nas mãos do Pai. Ou seja, na hora da sua Paixão Jesus fala ao Pai, porque o Pai não está distante mas participa misteriosamente, amorosamente e intimamente daquela oferta redentora.
Deus não é a causa do mal, nem se alegra com a dor dos filhos, mas no Filho nos ensina e revela que mesmo no momento mais angustiante, podemos e devemos nos lançar com confiança em Seus braços, e ao fazermos somos introduzidos na lógica do Amor, que manifestará em nós a Sua glória, como aconteceu com Jó, com Jesus, com os santos, como tantos homens e mulheres que conhecemos e que, com seu testemunho de fé, esperança e caridade também se tornaram instrumentos da glória de Deus para outras pessoas que passam pela prova da dor.
Josefa Alves