O entendimento da sexualidade humana está intimamente ligado à concepção de homem que cada um de nós possui. Se consideramos a pessoa humana como um mônada, isto é, um ser fechado em si mesmo, ela estará fundamentalmente dirigida ao eu. Nesta concepção, o saudável seria buscar o que é bom para si, o que daria prazer a ela mesma. Assim, a pessoa humana é vista como alguém em busca de sua própria felicidade.
Uma outra concepção acerca do homem é aquela que afirma que a pessoa humana é alguém aberto para o mundo, um ser para além de si mesmo. Sua característica principal é a autotranscendência, ou seja, a capacidade de transcender a si mesmo, sair de si mesmo. Nela, a busca de prazer e de felicidade por parte do homem não são negadas, mas superadas pela busca de sentido. Quando o homem aponta para fora de si, em direção a uma causa que serve ou a uma pessoa que ama, ele realiza sentido e, como efeito colateral, encontra a felicidade, o prazer.
Somos seres tridimensionais: corpo, mente e espírito (noos – espírito em grego). Essas dimensões formam uma unidade que é a pessoa humana. A dimensão física (corpo) abrange todos os fenômenos corporais, a dimensão psíquica (mente) compreende as emoções, estado de ânimo, impulso, instintos, anseios, afetos, aptidões intelectuais, condicionamentos sociais etc. A dimensão espiritual também chamada de dimensão noética, constitui a dimensão humana propriamente dita. Fazem parte dessa dimensão: as decisões da vontade, senso ético e estético, criatividade, consciência, liberdade, responsabilidade, senso religioso. Essa dimensão é especificamente humana e é através dela que o homem pode posicionar-se livremente diante de sua corporalidade e de seu estado emocional.
Dada essa explicação preliminar acerca de qual concepção de homem devemos partir para chegarmos ao entendimento da tridimensionalidade da sexualidade humana, podemos refletir sobre suas implicações na vivência de nossa sexualidade.
Podemos nos relacionar com outra pessoa humana em sua totalidade biológica, psicológica e espiritual (noética). E, dessa forma realizarmos um autêntico encontro existencial, onde nos é dado a possibilidade de sermos cada vez mais nós mesmos. Aqui podemos dizer que nos relacionamos de uma existência para outra existência.
Também podemos nos relacionar com duas ou somente com uma dimensão do outro. No primeiro caso, tocamos o físico e o psíquico mas não realizamos um verdadeiro encontro, pois não conseguimos acessar a dimensão especificamente humana que é a espiritual (noética). No segundo caso, teremos uma relação unidimensional que é constituída por um interesse meramente sexual no outro despertado por seus atrativos corporais.
Somente o amor verdadeiro penetra até o âmago da estrutura da outra pessoa e toma consciência de seu núcleo essencial, o espírito humano. Por isso a sexualidade integrada é vivida nas três dimensões, embora nem sempre inclua a genitalidade. Pois pode haver uma renúncia livre e responsável da mesma como no caso dos celibatários pelo reino dos céus.
Podemos afirmar sim que a sexualidade perpassa todas as dimensões da pessoa, mas é na dimensão espiritual (noética) que encontra a sua origem e sua meta, encontra ainda o seu sentido na autotranscendência.
A abertura ao mundo, ao outro e ao grande Outro (que é Deus), é constitutiva da existência humana. Se negarmos essa abertura, estaremos desumanizando a pessoa humana e desumanizando a sexualidade humana.
Por Daniele Cajaseiras Matos
Psicóloga, Consagrada na Comunidade de Aliança Shalom
Referências
Frankl, V.E. Sede de sentido. São Paulo: Quadrante. 2003
Freitas, M.L. Educação integradora da sexualidade humana: resgate do sentido do amor. Ribeirão Preto: IECVF. 2016
Lukas, E. Prevenção psicológica. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes. 1992b
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