Ainda podemos ouvir os suspiros e as batidas dos corações apaixonados, ver as sorridentes entregas dos namorados, que dão algo de si simbolizado nos presentes ao outro. O pólen das rosas ainda entra pelas nossas narinas e vai ao centro das nossas emoções, nos trazendo tantas memórias afetivas… o colorido das flores, o brilho do olhar, os sonhos dos solteiros, ah, o amor está no ar!
“A Eucaristia é o Sacramento do Esposo e da Esposa” (Mulieris Dignitatem, 26)
É nessa atmosfera que celebramos no dia 16 de junho a grande festa, a Solenidade do Corpo de Cristo! E o que tem a ver uma coisa com a outra? Tudo! É sobre isso que vamos conversar hoje, fazendo uma leitura esponsal do Sacramento da Eucaristia, a partir da Teologia do Corpo… a Teologia do Corpo de Cristo!
Meu objetivo aqui não é fazer um tratado sobre Teologia Eucarística, longe disso, mas apenas nos dar uma perspectiva diferente – e apaixonada! – desse louco amor ardente de Cristo por nós (Cf. Lc 22,14) e despertar nosso desejo de responder a esse amor!
O Amor Esponsal na Bíblia
Talvez essa analogia com o amor entre homem e a mulher soe estranho para alguns. Mas o Amor Esponsal entre Deus e a humanidade está presente em toda a Bíblia! A começar, ela foi escrita entre dois casamentos, o do Gênesis nas primeiríssimas páginas (Adão e Eva) e o do Apocalipse no final (Cristo e a Igreja).
No meio das Sagradas Escrituras, temos o Cântico dos Cânticos, que trata a partir do amor erótico da nossa relação com Deus e que, diga-se de passagem, foi o texto mais usado pelos grandes místicos, como São João da Cruz, Santa Teresa D’Ávila, Santa Teresinha, dentre outros. Fora diversas outras histórias e salmos que nos mostram um Deus apaixonado e que poderíamos escrever livros e livros só sobre isso!
Por que a Bíblia fala tanto do Amor Esponsal e o que isso tem a ver com a festa da Solenidade do Corpo de Cristo? São Paulo nos explica em Efésios (Ef 5,33) que os maridos devem amar suas esposas como o próprio Cristo amou sua Igreja e se entregou por elas. Uau! E como Cristo amou sua Esposa, a Igreja, e se entregou por ela?
Entregando seu Corpo por ela na Cruz! E as esposas devem ser submissas aos seus maridos como a Igreja o é a Cristo. Submissão: palavra que incomoda nossa mentalidade contaminada pelo feminismo, que coloca homens e mulheres como concorrentes e não “auxiliares que se amam e se complementam” (Cf. Gn 2,18.23-24).
A submissão
Submissão significa estar debaixo da missão, ou seja, a Igreja acolhe o sacrifício de Cristo na Cruz por ela, acolhe seu amor e o dom de si que lhe faz o Divino Esposo. Assim também, a mulher acolhe o dom do esposo a ela, ambos na mútua submissão (Ef 5,21), pois os dois caminham juntos para o Céu. Um sinal do Céu, é a entrega do corpo do homem à sua esposa que o acolhe, em um amor livre, total, fiel, para sempre e fecundo, aberto aos filhos!
Assim, São Paulo fala de um grande mistério escondido em Deus desde toda a Eternidade: Deus é uma comunhão de pessoas, uma comunhão de Amor entre as Pessoas da Trindade: o Amante (Pai), o Amado (Filho), que se dão eternamente em amor um ao outro em um Amor recíproco que gera uma Terceira Pessoa, que é o próprio Amor entre eles (o Espírito Santo). Homem e mulher que se unem no ato conjugal no Matrimônio expressam esse grande mistério.
Expressam também o mistério da participação nessa ‘dança’ de Amor da Trindade ao nos unir a Cristo, o Divino Esposo! Deus quer nos fazer extremamente felizes, e mesmo o maior prazer que experimentamos na terra, mesmo o prazer do ato sexual é infinitamente menor do que o que viveremos eternamente no Céu, no Banquete do Cordeiro, na Festa das Núpcias!
Sacramento: sinal visível da graça
É isso que significa Sacramento. É um sinal visível e eficaz de uma graça invisível. A união entre o homem e a mulher fala do nosso Matrimônio Espiritual com Cristo. Mas o Matrimônio não somente é um Sacramento como é o protótipo e todos os outros sacramentos! Podemos fazer essa leitura de toda a economia sacramental a partir da Teologia do Corpo. Inclusive da Santíssima Eucaristia, o Santíssimo Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Vejamos, o que acontece sobre o altar na Santa Missa? Apresentamos ao Senhor o pão e o vinho. O que significa isso? Isso nos recorda Jesus na Última Ceia, repartindo-os entre seus apóstolos. É algo tão fundamental que encontramos isso em todos os Evangelhos sinóticos (Mt 26,26-29, Mc 14,22-26 e Lc 22,14-20), no relato de São Paulo (1Cor 11,23-27).
Exatamente antes dele falar dos dons do Espírito dados à Igreja que é Corpo de Cristo (1Cor 12,1-31) e daquele lindo hino sobre o Amor Caridade (1Cor 13); também lemos sobre a Eucaristia com o olhar de águia do Evangelista São João, com sua capacidade de enxergar realidades teológicas profundas, no discurso de Jesus sobre o Pão da Vida após a multiplicação os pães (Jo 6,1-66), bem como vemos Jesus, que tendo amado os seus, amou-os até o fim, nos presenteando com o Mandamento da Caridade, “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,1-17) na Santa Ceia.
Convido você também a ler o surpreendente relato de Melquisedec, no Antigo Testamento (Gn 4,17-20). No Antigo Testamento, costumamos ver os sacerdotes oferecerem touros, carneiros e bodes sobre o altar, para que aqueles animais morressem pelos pecados de quem os oferecia, ou seja, no lugar deles. Mas quando Abraão, nosso pai na fé, a partir de quem todas as nações seriam abençoadas, encontra Melquisedec, é este quem abençoa Abraão! Só isso deveria nos causar espanto. E Melquisedec oferece a Deus um sacrifício por Abraão: pão e vinho! Abraão o oferece o dízimo de tudo. A oferta sempre está ligada ao sacrifício na Bíblia.
O ofertório da Missa
No ofertório da Missa, junto aos nossos bens materiais, que devolvemos ao Senhor como sinal de tudo o que temos e somos e da entrega da nossa vida, oferecemos também os dons do pão e do vinho. Mas o que é o pão? É o fruto o trigo. Mas que parte específica do trigo? O endosperma do trigo. E o que é o vinho? É o fruto da videira. Vem da uva, que carrega em si a semente que dará a vida! Esses sinais da fertilidade da terra, do masculino e do feminino, triturados e pisados pela oferta diária e pelos sacrifícios, são colocados sobre o altar.
E ali o sacerdote invoca o Espírito Santo que venha como um orvalho sobre as oferendas e, então, a fertilidade da terra se torna a fertilidade do Ventre a Virgem Maria que dá à luz o Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, que se fazem realmente presentes no altar pela transubstanciação. Era pão e vinho, mas agora, sob sua aparência, é Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Ainda no ofertório, o sacerdote, que é um padre (“pai”) e que foi formado em um seminário (“semente”, “sêmen”) in persona Christi, na pessoa de Cristo, diz Suas palavras e o mistério se atualiza. Cristo diz à Igreja em cada Eucaristia, no leito do altar, no leito da Cruz, leito das almas esposas: “Isto é o meu Corpo entregue por vós”. O Esposo Eucarístico se entrega à sua Igreja Esposa. E do Útero da Igreja, que é o Batismo, nascem os novos filhos de Deus, os cristãos. Ele alimenta a sua Esposa com seu Corpo e Sangue, a banha com as águas do Batismo. A unge com óleo para separá-la (Crisma, Ordem) e para manifestar um amor que cura (Unção dos Enfermos).
E, mesmo quando a feiura o pecado corrompe sua beleza, trazendo manchas e rugas, o Esposo não a vê assim, mas a vê sempre encantadora, a aprecia e a ama, coloca sobre ela suas mãos e pronuncia aos seus ouvidos “Eu te absolvo de todos os seus pecados”, recriando-a à sua Imagem e Semelhança; e a Igreja permanece bela e sem rugas apesar dos pecados de seus filhos.
Que essa festa possa nos fazer queimar de Amor pelo Esposo, nos fazendo viver de uma forma nova e apaixonada cada Eucaristia, no leito do altar, acolhendo o dom do esposo, sua semente que gera em nós Vida Eterna, que se dá a nós todo em Amor e que nos transforma dia após dia, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, em um amor livre, total, fiel, fecundo e para sempre, por todos os dias de nossas vidas!
Santa Eucaristia! Feliz Corpus Christi!
Shalom!
Igor Rocha
Missionário da Comunidade de Aliança
Comunidade Católica Shalom