Formação

Teologia e mística da Temperança, a virtude do auto-domínio

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Aspecto teológico-ascético

“A virtude da temperança ocupa especial lugar para a prática da ascese, pois a abstinência, o jejum e outras virtudes são justamente virtudes anexas à temperança. Entender a ascese muito relacionada com a virtude da temperança não foge à regra grega original, em que se estabelecia como exercício, prática habitual, a virtude, como meio de aperfeiçoamento e de purificação da alma. Há, no entanto, uma diferença: para Tomás este habitual exercício se desenvolve mais plenamente a partir do auxílio sobrenatural da graça, algo desconhecido para os representantes da filosofia grega.

 Para os filósofos gregos a virtude natural,  resultado do esforço meramente humano,  é suficiente para levar o homem à perfeição e purificação da alma. Em síntese, segundo o Aquinate requer-se certo auxílio sobrenatural – as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo – para alcançar a purificação sobrenatural da alma, pois só pela prática natural não se alcançaria nem mesma a adequadamente purificação natural, pois a graça, bem para a alma, é necessariamente, bem para o corpo, mas o que resulta num bem para o corpo, não o é necessariamente para a alma." 

“É grande verdade este dito: antes de aprender a correr, deve-se aprender a andar! Se ainda não formos capazes de dominar as nossas potências inferiores, dificilmente poderemos dominar as potências superiores da nossa alma. Falando no sentido estreitamente teológico, a virtude da temperança procura dominar as emoções fundamentais de gozo e de tristeza, enquanto estas se referem ao tato, inclusivamente ao paladar. A temperança refreia a avidez sensual (portanto não racional) do homem, o desejo de comer, beber e usar a sexualidade. Ela tem a tarefa simples, mas importante de regular estas paixões e de as sujeitar ao domínio da razão. Deus na sua sabedoria criou o universo e o homem numa ordem harmoniosa: quanto mais natural for uma ação, tanto mais agradável é.

E entre as ações naturais, as que são mais necessárias, são ao mesmo tempo as que contem maior alegria. Do outro lado, quanto mais uma ação se desvia da natureza, tanto mais tristeza traz consigo. Quanto maior for a temperança, tanto mais o prazer será conduzido pela razão e integrado nos planos de Deus. Sob a orientação da temperança, os prazeres e alegrias tornam-se bens morais, convenientes para o bem-estar das pessoas, e a tristeza também é moderada e virtuosamente integrada na vida. Assim a vida emocional é enobrecida e torna-se verdadeiramente humana. Porque a felicidade eterna é o fim último a que a vida humana aspira, seria estranho que as alegrias, inclusivamente as corporais, devessem ser banidas da nossa vida terrena. Por isso, o uso razoável e moderado dos prazeres é uma virtude, enquanto a sua negação direta faz parte do pecado da insensibilidade.”
 
“Sendo a natureza um sistema hierarquizado de fins, é louvável e até necessário abster-se dos gozos que acompanham as necessidades da vida presente em vista dum fim mais alto, seja temporal ou sobrenatural. Jejuamos para a boa saúde do corpo. Abstemo-nos de bebidas alcoólicas pelo esporte. Restringimos o comer e o beber à guisa de penitência pelos pecados. Os padres, votados às coisas divinas, renunciam ao casamento. Nada disso é insensibilidade, pois tudo isso visa, conforme a resolução mesma da razão reta, a fins cada vez mais altos, muito superiores ao simples trato da vida individual e ao da espécie.

O homem temperante é aquele cujo espírito saudável equilibra,  como o faz a saúde dos órgãos do corpo, as paixões do coração e, mais especificamente, as paixões do concupiscível, da parte da alma pela qual desejamos necessariamente as coisas do mundo indispensáveis à nossa vida e à da espécie. Requer-se uma harmonia entre a inteligência prática, mãe da ação, e as paixões do concupiscível que fazem parte de nossa natureza. Esta harmonia não é, em última instância, repressão, punição, sufocamento. Como bom discípulo de Aristóteles, Santo Tomás sabe que a alma e o corpo são complementares, e sua fé cristã na ressurreição confirma-o em sua filosofia realista. Para ele, não se trata de suprimir as paixões, mas de impregná-las da vida do espírito, que necessariamente as faz integrar-se à sua vida temporal e à sobrenatural.”

Aspecto Místico

A pureza de coração, pela qual o Senhor nos prometeu a visão de Deus requer, antes de tudo, a vivência da virtude da temperança. ““Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”(Mt 5,8). A expressão “puros de coração” designa aqueles que entregaram o coração e a inteligência às exigências da santidade de Deus. Aos “puros de coração” esta prometido ver a Deus face a face e ser semelhantes a Ele. A pureza de coração é a condição prévia da visão. Desde já nos concede ver segundo Deus, receber o outro como um “próximo”; permite-nos perceber o corpo humano, o nosso e o do próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.” “A pureza, a ausência das paixões desregradas e o afastamento de todo o mal á a divindade. Se, portanto, se encontrarem em ti, Deus estará totalmente em ti. Quando, pois, teu estiver puro de todo o vício, liberto de todo mau desejo e longe de toda a nódoa, serás feliz pela agudeza e luminosidade do olhar, porque aquilo que os impuros não podem ver, tu, limpo, o perceberás. Retirada dos olhos da alma a escuridão da matéria, pela serenidade pura contemplarás claramente a beatificante visão. E esta, o quê é? Santidade, pureza, simplicidade, todo o esplendor da luminosa natureza divina, pelos quais Deus se deixa ver.”


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