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Um desejo pode ser considerado pecado?

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Não cobiçarás a casa de teu próximo, não desejarás sua mulher, nem seu servo, nem sua serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próximo (Ex 20,17). Todo aquele que olha para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração (Mt 5,28).

O nono mandamento apresenta uma característica particular, porque não proíbe apenas o ato pecaminoso em si, mas o desejo de cometê-lo, resguardando assim a pureza interior de todo homem.

Jesus esclarece que não é necessário que duas pessoas unam-se em adultério para cometê-lo, quando diz: “Ouvistes o que foi dito: não cometerás adultério. Pois eu vos digo: qualquer um que olha para uma mulher cobiçando-a, já cometeu adultério com ela, em seu coração”. Estas palavras são bem atuais, mas é importante compreendermos que neste mandamento a mulher não figura apenas como objeto da cobiça do homem, mas também como sujeito, ou seja, “toda mulher que olha para um homem cobiçando-o, já cometeu adultério com ele no seu coração”.

Mas por que um desejo pode ser considerado pecado?

Na sua primeira carta (2,16), o Apóstolo João distingue três tipos de cobiça ou concupiscência: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. E é sobre a concupiscência da carne que fala o nono mandamento, sobre esse desejo desordenado que transtorna as faculdades morais do homem e que mesmo não sendo pecado em si, tendo o assentimento do homem, inclina-o a cometê-lo.

A pureza de coração é necessária para ver a Deus (Mt 5,8), e o Catecismo nos ensina que os ‘puros de coração são aqueles que entregaram o coração e a inteligência às exigências da santidade de Deus, principalmente em três campos: a caridade, a castidade ou a retidão sexual, o amor à verdade e à ortodoxia da fé’ (Cf. Cat. 2518).

Por ser uma unidade de corpo e alma, o simples querer ver a Deus não será suficiente para introduzir o homem na beatitude eterna, é fundamental a ação conjunta de todas as suas potências unidas à graça divina para purificar o seu coração. Por coração entendemos, precisamente, o conjunto de relações das capacidades de percepção do homem, onde ocorre a correta interligação entre corpo e alma. Por isso podemos afirmar que a pureza interior é necessária para alcançar a visão beatífica.

Os capítulos 11-16 do livro do Levítico tratam da pureza como condição para obter o favor divino. Mas esta lei da puridade enfatiza uma pureza exterior. O povo do Deus Santo deve ter: alimentos puros, lares puros, hábitos puros e constante contato com o “sangue” que purifica o homem.

Existe uma concepção do impuro, do puro e do sacro que exige uma série de normas e rituais de purificação a serem observadas para que o homem impuro possa chegar ao estado de pureza.

Para o Levítico, não se trata de uma questão moral, porque uma pessoa virtuosa pode ser impura, enquanto um pecador pode ser legalmente puro. Existe porém um ponto de contato entre a lei da puridade e o aspecto moral do pecado: é quando o homem, após entrar em contato com a esfera do impuro, conscientemente entra em contato com a esfera do sagrado sem submeter-se aos rituais de purificação.

Mas Jesus veio mostrar-nos que o que torna o homem impuro não são as coisas externas, mas o que sai do seu coração. É necessário, portanto, permanecermos firmes na luta contra toda má inclinação, porque é exatamente do “coração do homem que procedem más intenções, assassínios, adultérios, prostituições, roubos, falsos testemunhos e difamações” (Mt 15,19).

Através do Sacramento do Batismo somos purificados de todos os pecados, mas precisamos lutar continuamente contra a concupiscência da carne e a cobiça desordenada, para alcançar a pureza de coração, pela virtude e pelo dom da castidade; pela pureza de intenção; pela pureza do olhar e pela oração (Cf. Cat. 2520).

Além da pureza de coração, o Catecismo nos apresenta a virtude da temperança como remédio contra o pecado da impureza.

O pudor é parte integrante da temperança. Ao contrário do que muitos pensam, pudor não é um sentimento de vergonha, constrangimento ou embaraço; ele é ordenado à castidade e preserva a intimidade da pessoa. O pudor é modéstia, inspira o modo de vestir, de falar, de agir e pensar. Não é questão de comportamentalismo, mas de castidade! É também paciência e descrição.

É fundamental que nos tempos atuais se fale do pudor de forma positiva, para que o amor humano seja autêntico, feito de doação, generosidade, serviço, respeito ao outro.

Josefa Alves
Missionária da Comunidade Católica Shalom

*artigo originalmente publicado na Revista Shalom Maná

 

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Comentários

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    1. Olá, meu irmão, Shalom!
      Olhar para uma mulher no sentido de admirar não há pecado nenhum, porém quando o olhar demora mais e acaba se focando em partes que te levam ao desejo sexual, e fazem a sua imaginação se aflorar, sim.

  1. Sei que de fato é ruim qualquer tipo de fantasia que incite sobre a sexualidade e tenha risco de possibilitar um pecado, mas por exemplo, estava estudando sobre a sexualidade dentro do matrimônio (ainda não sou casado), então acaba que pode vir certas imagens na cabeça, já que se está estudando sobre uma matéria de sexualidade que fala do corpo, dos órgãos, de situações dentro do ato sexual de matérias mais particulares, etc.. E no decorrer do tempo, sem querer imaginei-me em uma situação do tipo com uma “outra” que também não é casada (mas se Deus me permitir queria ter uma família abençoada), minha intenção não foi simplesmente “deseja-la” sexualmente como um objeto descartável, mas eu estava analisando certas situações dentro do sexo e do nada veio tal pensamento, mas se realmente houve o meu consentimento a minha intenção estava dentro do verdadeiro sentido do matrimônio conjugal, era uma situação de análise.. Gostaria de saber se realmente houve pecado nessa situação, estou verdadeiramente tendo um combate com escrúpulos.

    1. Olá, meu irmão. Não é pecado buscar estudar sobre a sexualidade dentro do matrimônio, porém se você percebe que esse estudo está te levando a outros pensamentos, é bom que você evite. É melhor, de qualquer forma, buscar a confissão e buscar a orientação de um sacerdote.

      Shalom!

    1. É pecado se olhar para ele com desejo sexual, agora se olhar e só achar o homem bonito não é pecado, pois se olhar e desejar sexualmente e estiver a apreciá-lo com o olhar estará a pecar com os olhos (cobiça). Acho que é isso. Espero ter ajudado.

  2. Olá, tudo bem? Gostaria de tirar uma dúvida diante de uma situação particular. Ter lançado um olhar sem desejo já seria pecado? A respeito da impureza somente desejar no coração seria o pecado grave ou qualquer outra situação em que por exemplo olhar pro corpo de uma pessoa, no caso uma parte íntima, mesmo sem ter desejado? Desde já obrigado!

    1. Boa tarde, Rafael! Muitas vezes olhamos, mas não porque realmente queremos, se você olhou sem “pousar o olhar”, logo desviou e não desejou, isso não é pecado. Você não consentiu o estímulo exterior. Agora se você alimenta o seu olhar, alimenta o desejo em seu coração, isso pode sim se tornar pecado. Shalom!