Neste dia em que festejamos o Batismo do Senhor, Padre Marcos nos leva a refletir sobre a nossa identidade de batizados.
Estamos concluindo o tempo do Natal. Tanta coisa já passou porque simplesmente tudo passa. As águas de um rio, dizia o filósofo grego Heráclito, nunca são as mesmas. Mesmo sendo a mesma pessoa, a história e as escolhas feitas no curso desta história vão deixando suas marcas e definindo um destino, um rumo. Somos o que escolhemos, de certa forma. Acho necessário e essencial não perder de vista o que não passa, os verdadeiros valores. Valores do Céu, valores do Evangelho, mas também valores humanos: a família, a amizade, o companheirismo, a solidariedade, a cordialidade, viver intensamente cada momento, sem deixar de extrair a parcela ou a porção de felicidade que está por detrás de tudo que se vive. Tudo isso é muito importante. Lembro-te aquilo que o grande doutor e mestre João da Cruz escreveu: “No ocaso desta vida, serás julgado pelo amor”.
Batismo do Senhor
Festa preciosa. Fico a pensar naquele evento em que o Batista promove um batismo de conversão, um batismo de penitência. Para quê? Exatamente para acolher o Messias que deveria vir. Por isso, Quem é a própria santidade vem ao encontro de João e pede pra ser batizado. Coitado do João! Fica sem graça e treme! E lá vai o pobre do filho da Isabel e do Zacarias tentar fazer o Senhor mudar de ideia. Pela “lógica” das coisas deveria ser o Cristo que batizaria João. “Eu é que devo ser batizado por ti e tu vens a mim?”. Caramba! Caraca! Será possível um negócio desses? Onde já se viu? O Cristo viver esse batismo de purificação, de conversão? Não é uma contradição? Ele é O SANTO, o único Santo. Todos os demais homens e mulheres que chamamos de santos e santas são na verdade amigos e amigas de Deus e são assim chamados porque participam da santidade de Deus. Mas, o Senhor retruca: “Deixa estar por enquanto, pois assim nos convém cumprir toda a justiça”. Trata-se de uma preparação para a era do Messias que chegou. Começou a nova justiça que vai além da lei antiga, da antiga aliança. Jesus, mesmo não tendo pecado e sendo a própria luz, reconhece naquele batismo um acontecimento que cumpre a vontade do Pai.
Dom gratuito
São Gregório de Nazianzo, bispo que viveu no século IV, comentou sobre o tema: “João reluta. Jesus insiste. Diz a lâmpada ao Sol, a voz à Palavra, o amigo ao Esposo, diz o maior entre os nascidos de mulher ao Primogênito de toda criatura, aquele que estremecera de alegria no seio materno ao que fora adorado no seio de sua Mãe, o que era e seria precursor ao que já tinha vindo e de novo há de vir”. Pense num pensamento power! Esses sentimentos de humildade de João, o Batista, devem marcar nossas vidas profundamente. Com certeza valorizaremos mais o Senhor, seus dons, seu amor, a vocação que Ele nos deu, valorizaremos as pequenas coisas, seremos fiéis no pouco. Não somos dignos, mas por misericórdia divina aqui estamos. Se perseveramos, não é em função por sermos mais que ninguém, ou alguém ou quem quer que seja. É tudo dom gratuito do Pai, por Cristo no Espírito.
Os céus se abriram e veio o Espírito em forma de pomba. Os céus fechados por Adão, se abrem por Cristo. Das águas, símbolo da purificação e da santificação, símbolo da vida e da graça, somos introduzidos na vida divina. Somos introduzidos na novidade da graça, somos feitos membros da Santíssima Trindade. Ora, Deus se revela como uma comunidade de Pessoas, epifania trinitária é o que contemplamos no cenário do batismo. A voz do Pai proclamando seu Filho alvo do seu bem-querer, o Espírito Santo em forma de pomba e o Filho, tendo assumido nossa humanidade, sai das águas do rio Jordão, por eles santificadas.
Meta: santidade
Tudo isso nos leva a refletir sobre a nossa identidade de batizados. Também nós, feitos filhos no Filho, nos tornamos também irmãos de Jesus e casa de Deus, santuários do Espírito Santo. Nossa dignidade é enorme, muito grande. Por isso, a vontade de Deus para todos os batizados é à santidade. A santidade deve ser aspirada por nós, deve ser buscada generosa e avidamente. É como se fosse esse o nosso alimento, nosso ar para respirar. Tremo ao escrever isso, mas precisamos correr atrás disso. É essa a meta a que devemos aspirar, pois isso, como dizem os
Estatutos da Comunidade Shalom, não é presunção, mas vocação. Santos por vocação, não por presunção. Isso vale para os batizados.
Porque ser batizado é voltar-se para aquilo que é muito bem simbolizado pelo batismo por imersão. Quando a pessoa mergulha, representa a morte de Cristo, o descer ao sepulcro com Ele. Quando emergimos, é como se ressuscitássemos com Ele. Por isso, mortos com Cristo pelo batismo para com Ele ressuscitar. Diz Paulo: “Portanto, pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova” (Rm 6, 4).
Eu te desejo feliz vida de batizado. Essa é a maior dignidade, junto com nossa humanidade que podemos portar nesta vida e garantia da bem-aventurança futura do Céu. Que tua alegria seja viver com intensidade e generosidade essa doação ininterrupta a Deus, nesta vida morta para o pecado e cheia de vida para a graça.
Padre Marcos Chagas
Missionário da Comunidade de Aliança Shalom
Fonte: Shalom Maná