O ser humano apresenta suas características ontológicas em todos os tempos da história: a inteligência, vontade, liberdade, criatividade, engenhosidade, sociabilidade, abertura ao transcendente, trabalho, etc. Acima de tudo, esse ser traz em si, na sua essência, uma imensurável capacidade de relacionar-se, de superar desafios, de sobrevivência; possui uma inventividade incrível, que lhe permite viver e ultrapassar as provocações da sua cotidianidade e do seu tempo.
Uma característica do ser humano que ultrapassa os séculos, é a interrogação acerca do seu sentido, de quem ele é. A psicologia é uma das ciências que buscam responder essa intrigante questão. São várias e diversas as abordagens, e cada uma conceituará o homem de acordo com as suas premissas básicas.
Para a Psicanálise, por exemplo, o homem é um sujeito dividido, incompleto e remetido a um outro lugar, a um outro plano da existência habitado pela dúvida e não apenas pela certeza. O que predomina na Psicanálise é o princípio do prazer, além das pulsões de morte e pulsão de vida.
Freud dá bastante destaque aos aspectos destrutivos do homem. A necessidade, colocada por ele, no sentido de controlar e de coibir o indivíduo, devido ao perigo que ele poderá representar para a sociedade, sobretudo na fase inicial, me leva a concluir que o homem preconizado por Freud, não é, socialmente falando, muito digno de confiança (GUSMÃO, 2011, p. 55).
Por sua vez, as concepções humanistas buscam conhecer o homem, tentando humanizar seu aparelho psíquico, o que contraria firmemente a concepção do ser humano como aquele que pode ser condicionado pelo mundo externo. Diríamos que a maior contribuição do Humanismo é a da experiência consciente, a crença na integralidade entre a natureza e a conduta do ser humano, no livre arbítrio, espontaneidade e poder criativo do indivíduo.
Em meio as diferentes concepções de homem, desde os gregos até os nossos dias há uma constante preocupação sobre o “segredo” do homem, e acrescenta que, após o Iluminismo é possível identificar a constante secularização da imagem humana. Uma preocupação com o que é material, com o trabalho, com a busca do prazer, com a racionalidade (Vaz, 2004).
Contudo, se for retirado do homem a sua dimensão especificamente humana e o foco se deter apenas nos aspectos biológico e psicológico, ele sacrifica sua visão como um todo. Essa redução ao plano biológico ressaltará apenas os fenômenos somáticos, enquanto a restrição ao plano psicológico ressalvará somente fenômenos psíquicos (cf. Frankl, 1999).
Uma visão integral do ser humano, nas suas dimensões bio-psico-espiritual, permite a esse mesmo ser humano a capacidade de relacionar-se e de amar, ressaltando aquela dimensão genuinamente humana, ou seja, a dimensão espiritual.
“Deparamo-nos aqui com um fenômeno humano que considero fundamental do ponto de vista antropológico: a autotranscendência da existência humana. O que pretendo descrever com isso é o fato de que o ser humano sempre aponta para algo além de si mesmo, para algo que não é ele mesmo- para algo ou para alguém: para um sentido que se deve cumprir, ou para outro ser humano, a cujo encontro nos dirigimos com amor. por conseguinte, só pode realizar a si mesmo à medida que se esquece de si mesmo, que não repara em si mesmo” (FRANKL, 2015).
Criado à imagem de Deus (Gn 1,26), o ser humano é chamado à comunhão com o seu Criador. Na dimensão antropológica compreendemos que essa comunhão se dá na capacidade que Deus deu ao homem de transcendência e liberdade, características ignoradas quando se nega a sua dimensão espiritual.
Essa capacidade de autotranscedência se contrapõe a toda tendência determinista acerca do ser humano e lhe permite buscar a Deus.
Por Adília Castro
Psicóloga, Consagrada na Comunidade de Aliança Shalom
Bibliografia
GUSMÃO, Sônia M. L. Comparando Freud e Rogers. João Pessoa: UFPB, 2011.
FRANKL, Viktor. O sofrimento de uma vida sem sentido.: caminhos para encontrar a razão de viver. São Paulo: É Realizações, 2015.
PETER, RICARDO. Frankl, Viktor. A antropologia como terapia. São Paulo: Paulus, 1999.
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