– Uma esmola pelo amor de Deus…
Tomou um susto! Parado no sinal, foi quando baixou o volume do rádio para tentar fazer uma leitura labial da pessoa que colara do seu lado, o rosto sofrido e faminto na janela do carro com insulfilm. Sentiu que estava a poucos milímetros de um vidro daquele que, na solidão da noite chuvosa, pedia uma ajuda. Do pouco que via, para ele a figura parecia grotesca, envolvida em farrapos do abandono e envelhecida com as marcas da indiferença. Escuridão!
Mas, de imediato após a raiva do susto, sua segunda reação ainda de cara amarrada, foi balançar o dedo indicador várias vezes, sinalizando que nada tinha para dar.
– Perdão! Perdão! Tenho não! Dizia tentando se “livrar”.
– Tem nem perigo deu baixar o vidro. Disse para si mesmo baixinho. Estava irritado … e nada do sinal abrir! Era praticamente o único carro parado naquela altura da noite e a única esperança do pão do dia do mendigo que, estático, permanecia com a mão estendida encarando o motorista.
– Culpa da sociedade… esse governo! Tanto imposto que se paga, e as ruas cheias de pedintes! O que esse cara tá fazendo aqui! Praguejou sozinho, incomodado com a presença do homem em pé do lado de fora que, o fazia refletir e se questionar de suas limitações e fraquezas interiores do lado de dentro do conforto do seu carro. Foram uns três minutos de conflito e pânico! Uma mistura de medo e angustia…
– Vai ser um assalto! Julgou!
Pam! O sinal finalmente abriu… acordou em um sobre salto, suado e ofegante do pesadelo.
Na manhã seguinte, ao abrir o whatsup, já esquecido do sonho com o pobre, chamou-lhe atenção uma mensagem em especial do Papa Francisco:
“Como gostaria também que no nosso relacionamento diário, perante cada irmão que nos pede ajuda, pensássemos: aqui está um apelo da Providência divina. Cada esmola é uma ocasião de tomar parte na Providência de Deus para com os seus filhos; e, se hoje Ele Se serve de mim para ajudar um irmão, como deixará amanhã de prover também às minhas necessidades, Ele que nunca Se deixa vencer em generosidade?”
Na mesma hora lembrou da expressão do sem teto molhado que na noite anterior, entre a espera infinita do vermelho para o verde do sinal, havia apelado de forma humilde por uma esmola… Constrangido consigo mesmo, saiu. Era hora da luta do dia.
Outro sinal.
– Toc,toc,toc! Bateu o garoto com o rosto sujo e sorridente na porta do carro. Era tão pequenino, suas mãos em conchas portavam algumas moedas, mal alcançavam o vidro… Flagrado, respirou fundo baixando a cabeça para nem ver a cena premeditada e sussurrou entre os dentes trincados:
– Esse pi-ve-te vai arranhar meu carro com essa moeda…
Resolveu então olhar para aquele menino …. Entrou no tempo presente. Despertou!
Agora é real!