No final de 2020, concluí minha graduação em enfermagem. Formei em um contexto literalmente caótico e desafiante, não apenas do ponto de vista da problemática emergente de saúde pública, mas, sobretudo, do ponto de vista humanitário. A crise sanitária deflagrada pelo novo coronavírus, mudou o eixo do mundo e da vida das pessoas, pouco a pouco, fomos sendo privados daquilo que chamávamos de rotina e vimos nossas entranhas existenciais sendo afetadas diretamente.
Não vou falar de Covid-19 e todas as suas repercussões biopsicossociais, as mídias sociais nos lembram disso constantemente. Falarei da humanidade que chegava no meu consultório e nas enfermarias hospitalares, que representa o rosto da humanidade que sofre, ao qual eu me entrego diariamente. Tal rosto revelava medo, desesperança, insegurança, aflição, vulnerabilidade e dor –não daquele tipo que passa com analgésico, mas da alma – dentre outros adjetivos.
Em meio as dores, o Amor era procurado
Em meio a cada sintoma relatado, eu escutava uma pedido: “Oi, eu preciso mais do que nunca, encontrar o Amor. Me ajuda, por favor!”. Pode parecer surreal, mas aprendemos na faculdade que um paciente sempre deve ser visto numa perspectiva integral e nunca reduzido a sua condição de doença, visto que existem sujeitos dotados de necessidades por trás de qualquer patologia. A necessidade que eu via, era do Amor.
Não sabia como, mas queria amar, até o fim, mesmo sabendo do meu egoísmo e orgulho.
Foi um tempo difícil. Plantões, correrias, serviços de saúde superlotados, equipe profissional desfalcada, demanda numerosa, porém em meio a toda essa realidade pessoal caótica, me deparar com esses rostos e escutar o pedido de seus corações, me conduzia a uma via de Amor e compaixão.
Não sabia como, mas queria amar, até o fim, mesmo sabendo do meu egoísmo e orgulho. Resolvi, então, fazer do meu trabalho essa via de Amor. Não daquele tipo enfeitado e romantizado, mas daquele tipo que carrega intrinsecamente a realidade, com direito a olheiras, esquecimento de si, dentes rangendo e carne doendo diante da necessidade do outro que me interpelava a Amar.
Um olhar de amor
Assim fui vivendo a segunda onda da pandemia. Acolhe paciente, olha a saturação, se preocupa. Olha para aquele olhar apavorado, lembra de Teresa D’Avilla (Olha quem te olha!) e ama. Leva para o leito, instala suporte de oxigênio e conversa com o aquele rosto temeroso da morte. Escuta-o, acolhe-o, Ama-o. Passa de leito em leito, apressado com a demanda exacerbada. “Lembra de olhar nos olhos e perguntar como ele (a) está”. Pausa para amar. Rotina de Amor que me sustentou em meio aos cansaços e encheu de sentido permanente o caos aparente.
O leito do hospital era a Cruz, os aparelhos eram os pregos que a prendiam, o sangue era a doença que assolava seu corpo e ela, a crucificada.
Lembro de um caso específico, que marcou profundamente minha vida. Eu estava de plantão em uma Unidade Semi intensiva para pacientes com Covid19, por volta das 03h da madrugada, o setor estava lotado.
O leito do hospital se fazia como o Calvário
Dentre os pacientes internados, havia uma mulher considerada como o caso mais crítico da unidade, apesar de estar consciente, necessitava de um suporte ventilatório complexo e uma grande oferta de oxigênio. Durante minha visita aos leitos, permaneci por mais tempo no leito dela e escutei ela reclamar de sede. Lábios pálidos e ressecados, olhos revelando a angústia pelo avanço da enfermidade e a dor em não poder levantar para retomar sua vida e até mesmo pegar seu copo com água.
Na hora me ocorreu de saciar a sede dessa mulher, mesmo não podendo oferecer um copo com quantidade generosa de água, devido sua instabilidade respiratória, peguei uma gaze, umedeci e passei-a em seus lábios durante alguns minutos. Instantaneamente, lembrei do vinagre na lança providenciado para umedecer os lábios de Nosso Senhor, que na Cruz, teve sede. Que choque! O leito do hospital era a Cruz, os aparelhos eram os pregos que a prendiam, o sangue era a doença que assolava seu corpo e ela, a crucificada.
Shalom do Pai, a esperança anunciada
Eu, era o soldado que por tantas vezes feriu a Jesus, em meio as dúvidas, fraquezas e dureza de coração, me via ali no Calvário, usando a lança da minha profissão para saciar a sede de Cristo na Cruz, a qual não seria saciada com água, mas que desejava profundamente ser saciada com almas que Amam e são Amadas. Somos fracos e imperfeitos.
Mas existem uma humanidade inteira com sede de Amor, repetindo incansavelmente – ou até já cansados- “Oi, eu preciso mais do que nunca, encontrar o Amor. Me ajuda, por favor!”- Tendo encontrado esse tão procurado Amor, precisamos, mais do que nunca, segurar a lança da nossa profissão, embeber a gaze da nossa vida no Amor e umedecer os lábios das almas ressecados pela dor e a solidão tão evidentes nesse tempo.
Cansaços, indisposições, receios, egoísmos? Vão existir. Mas, como diz meu grande amigo São João Paulo II, o Amor nos explica todas as coisas! Que Deus nos ajude!
Wellington Dourado, Consagrado da Comunidade de Aliança Shalom
Fortíssimo testemunho! Os homens precisam encontrar o Amor, que é o próprio Deus!
Menino de coração bom que está sempre disposto a ajudar com suas sábias palavras. Lindo testemunho.