Começo a escrever no dia 22 de Setembro, no início da Novena de Santa Teresinha (minha amiga do céu), pensando neste tempo em que ainda vivemos em pandemia.
Aqui em São Paulo, capital, na Diocese em que moro, algumas coisas já vão aos poucos retornando, mas ainda sinto falta de tantas coisas da minha antiga rotina. E Santa Teresinha me faz lembrar que ela é a santa “do cotidiano”, aquela que se deixa formar simples, ser conduzida por Deus, confiante na sua ação e direção. Tantas mudanças passamos, cada um em sua cidade e, diante da realidade profissional, familiar e também espiritual.
Tudo ter ficado mais recluso, limitado e bloqueado, tornou os medos interiores, conflitos individuais e até grupais mais acentuados, muitos sofrimentos se agravaram ou apareceram, porque a impossibilidade de “válvulas de escape” como: sair de casa, ir passear, fazer compras, ver gente e, de alguma forma, se distrair, ficou impossibilitada. Foi preciso conviver com as pessoas de casa (que em muitos momentos fugíamos ou tínhamos conflitos), fez com que tivéssemos que nos deparar com nós mesmos, ou seja, olhar para dentro, se encontrar com nosso próprio “eu”.
Existe uma riqueza muito grande no ENCONTRO, mas muitas vezes ficamos tão focados no encontro somente com o outro, que esquecemos que antes de nos relacionarmos com “os outros” nos relacionamos também com Deus e conosco. O ser humano é um ser relacional, que se encontra nessas três vias: Deus, eu e os outros. É impossível viver feliz sem querer trazer a devida clareza para essas relações.
Pensando na nossa identidade, deveria ser automático pensar que “somos feitos para Amar, porque fomos criados pelo AMOR”. Ou seja, nossa identidade mais profunda nos faz questionar: a vida, para que nascemos? E porque viver?
E é justamente por isso, que parar em casa, no próprio quarto, nos próprios pensamentos, mudar a estratégia e pensar em outras formas de adaptar-se, gera um esforço grande em nós, que muitas vezes “se encontra” com uma dor, uma ferida não tratada, um aspecto da nossa história não entendido, da de cara com nossa ansiedade, medo e dificuldade.
Nesse mês, a sociedade nos faz pensar também no Setembro Amarelo.
Por que Setembro Amarelo? Em 1994, um jovem americano de apenas 17 anos, chamado Mike Emme, tirou a própria vida dirigindo seu carro amarelo. Seus amigos e familiares distribuíram no funeral cartões com fitas amarelas e mensagens de apoio para pessoas que estivessem enfrentando o mesmo desespero de Mike, e a mensagem foi se espelhando mundo afora1.
Como é importante refletirmos e acolhermos essas dores com misericórdia, com carinho e, pensar em todas as formas possíveis de abrir caminhos para dissipar tanto sofrimento nas pessoas que querem ou pensam em tirar a própria vida.
A vida é o dom mais valioso que Deus deu para cada um de seus filhos. Valorizá-la é acolhê-la.
E acolher é o caminho. Acolher minha história, olhar para ela, enxergar Deus que sempre esteve presente e entender nesse processo, que é devagar, com amorosidade, com respeito que o próprio Deus vai nos direcionando, nos mostrando e nos fazendo felizes ao assumirmos nossa identidade de filhos Dele.
Nesses tempos novos, tenhamos a coragem de olhar para o desconhecido, para o incerto e confiar em Deus, olhar com esperança de que o AMOR só pode amar.
Assuma seu lugar na sua história, na sua família, na sua paróquia ou comunidade, assuma sua verdade que está escondida em Deus, deixe-se ser olhado(a) por Ele. Ele te conhece no mais íntimo. E que Santa Teresinha interceda por nós nesse tempo, confiantes, acreditemos, como ela dizia: “espero tudo do Bom Deus, como uma criancinha espera tudo de seu pai”.
Gabriele Godoy,
Postulante da Comunidade Católica Shalom como Comunidade de Aliança e Psicóloga
1http://www.contagem.mg.gov.br/debemcomavida/palestra-alerta-sobre-mito-prevencao-e-sinais-do-suicida/