Formação

Vós sois o Sal da Terra e Luz do Mundo

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Não são apenas os socialmente excluídos, vítimas da desintegração da família produzida pela extrema pobreza, que entram pelos caminhos do crime e se tornam vítimas de organizações criminosas.

Os filhos, gerados pela concupiscência carnal, em clima de pura paixão, sem amor verdadeiro, abandonados em apartamentos luxuosos, vítimas de separações para eles incompreensíveis, vivem o horror de uma solidão sem remédio, que, depois haverá de explodir em crises de ódio.

A cultura consumista, alma de uma globalização balizada por critérios puramente econômicos, vive da voracidade que medra no imenso vácuo do amor ausente. O mercado necessita de consumidores sempre mais famintos e em número crescente. O sentido da vida está em consumir. É-se feliz na medida em que se tem acesso a um número sempre maior de bens. Amar não é mais doar-se, mas ainda consumir, possuir. Se o outro não responde mais ao meu desejo, descarto-o. Parto para uma nova experiência. Casamento não é mais uma instituição a serviço da espécie, mas apenas uma união onde o outro deve me fazer feliz. Ser feliz é experiência de momentos, não a conseqüência da fidelidade a um projeto comum a serviço da comunidade humana. Se minha solidão afetiva – meu vazio -, só encontra resposta no outro do mesmo sexo, que a sociedade transforme, pela força da lei, essa união em casamento e me dê o direito de adotar filhos. Estes também me são necessários para que eu seja feliz. O mundo deve girar em torno do próprio umbigo.

Quando a cultura se deixa invadir pelas exigências do egoísmo não só ela não pune suas conseqüências, como ainda estimula e aprova suas manifestações. Não veicula os valores da virtude, mas apóia o desenvolvimento dos vícios. Sexo, bebida, conforto a qualquer custo, prestígio, poder e fama passam a ocupar o espaço dos valores que deveriam vertebrar as personalidades e tecer as relações sociais. Eis a terra fértil onde medram os crimes, alguns defendidos como direito da pessoa, como é, na cabeça de muitos, o caso do aborto. As leis codificam para a sociedade os valores que garantem sua saúde e sua continuidade. Jamais deveriam legitimar o mal ou propor como possibilidade de conduta o que leva à desagregação da família e da sociedade. Se não educarmos as novas gerações para a virtude, se tudo é válido e moralmente possível, se não há limites para o desejo do indivíduo, se não existe nada que possa exigir da pessoa doação e desprendimento, como poderemos esperar que o mundo seja melhor e que a justiça se estabeleça nas estruturas e na vida da sociedade. Em documento publicado pela CNBB em 2005 – “Evangelização e Missão Profética da Igreja”, doc. 80 – os bispos do Brasil, dentre outros aspectos da cultura atual, salientavam: “O individualismo moderno, alimentado pela sedução do novo, e a propaganda da mídia promoveram um comportamento consumista, centrado na busca do prazer. A afirmação de um estilo de vida independente, autônomo, caracterizado por escolhas livres, deu origem a um indivíduo instável, de convicções voláteis e compromissos fluidos. Por isso, o indivíduo pós-moderno não quer conviver com disciplinas e enquadramentos, com a obediência a prescrições antigas. Os sistemas ideológicos muito estruturados não cessam de perder autoridade, configurando-se uma desafeição pelos sistemas de sentido. Não somente os valores das tradições religiosas foram perdendo terreno, mas qualquer sistema de significado que exigisse disciplina, rigor, sacrifício, fidelidade aos compromissos assumidos começou a ser posto de lado”. E ainda: “A perda progressiva do senso ético e o individualismo, presente em todas as dimensões da existência pessoal e social, estão na raiz das injustiças que continuam a produzir sofrimento para os mais fracos e indefesos. A sociedade está profundamente enferma: o vírus do egoísmo a corrói por dentro”. È claro que nosso mundo não é só miséria e egoísmo. Se assim fosse ele já teria se destruído. Há mais trigo que joio no campo da história. O joio aparece mais. O bem sofre, mas vence, porque, mesmo crucificado, ele sobrevive; morre aqui e ressuscita ali. O amor é mais forte que a morte. De qualquer modo é preciso estar alerta para perceber o que é joio e o que é trigo no coração da história para que possamos nos inserir no cultivo dos valores que de fato ajudam a construir o mundo segundo o desígnio amoroso de Deus. Com certeza é necessário combater com vigor as manifestações mais agressivas do mal na vida da sociedade, mas é sobretudo necessário que todos façamos da busca do bem comum a razão maior do próprio viver. O que só é possível se houver desprendimento, dedicação e solidariedade. Para seus discípulos Jesus deixou esse ensinamento: “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo”.

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)


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