Dom Pedro José Conti
O santo estava na sua cela rezando. Ouviu alguém bater suavemente na porta.
–Pode entrar – disse – a porta está aberta. Entrou um jovem irradiandobondade e luz. O santo olhou para ele e continuou a rezar. O jovemmaravilhoso estranhou essa atitude e perguntou intrigado:
– Eu sou Jesus, por que não olhas para mim? Por que não me recebes com alegria? O santo levantou os olhos e respondeu:
– Se és Jesus, mostra-me as chagas da tua paixão.
O jovem extraordinário desapareceu imediatamente. Não era Jesus, era o demônio.
Podemosdesconfiar das historias dos santos, mas não da mensagem. Parareconhecer quem é Jesus de verdade, para ter a certeza de não estarmosequivocados com ele, devemos colocá-lo sempre junto à cruz. Jesus, sema sua paixão e morte, é um falso Jesus. Também uma cruz vazia, semJesus, pode ser somente um terrível instrumento de suplício e de morte.O Cristo ressuscitado é sempre antes o crucificado. É o amor com o qualele deu a sua vida que resgata o sentido da cruz. É a sua obediência àvontade amorosa do Pai, que transforma a sua morte em sacrifício edoação. Não haveria ressurreição se antes não tivesse a entrega totalde Jesus na cruz. O Cristo é um só. Podemos falar do crucificado queressuscita, ou da ressurreição do crucificado, o resultado final é omesmo. Não tem outro caminho para chegar à vida nova, para vencer opecado e a morte, a não ser o caminho difícil da doação da própria vidana cruz. Assim foi para Jesus. E para nós?
Sempreseremos tentados a dar a nossa preferência à vitória, esquecendo aderrota da cruz. De maneira especial hoje, quando o sucesso e asrelativas vantagens nos fascinam de uma forma exagerada. Ser famosos,aplaudidos, procurados, fotografados, é o sonho de muitos, jovens eadultos. A busca da imperdível chance na vida custe o que custar, podetornar-se uma obsessão.
Isso,porém, não tem nada a ver com a legítima ambição dos jovens deencontrar um lugar na vida e na sociedade, com a vontade de seremrespeitados pelas suas qualidades e capacidades, por uma sériapreparação profissional. Esse desejo deveria ser natural e estimulantepara desenvolver o melhor de si. Cada um e cada uma seguindo aspróprias inclinações, mas aceitando também as próprias limitações. Osucesso de uma pessoa pode estar em vencer as suas incapacidades, emsuperar as suas deficiências e os seus defeitos. Não necessariamente nodinheiro que imaginamos ganhar. Aprender aos poucos, corrigir-nos aospoucos, é um caminho difícil. Devemos desconfiar dos caminhos fáceis,das ilusões que nos parecem atalhos para o sucesso. Esquecemos quegrande é aquele que sabe fazer corretamente e com alegria também ascoisas simples. É aquele que fica feliz e satisfeito por saber realizarhonestamente e de forma competente o seu serviço, por humilde que possaparecer.
Querendotodos ser super-homens e supermulheres desprezamos o cotidiano, o gestopequeno, a obra humilde. Imaginando-nos voando alto demais, deixamos deaprender a voar mais baixo, a voar bem, com equilíbrio e sabedoria.Quem nem aprendeu a voar baixo, e só ficou na conversa e na fantasia,dificilmente agüentará as alturas.
Quemquer seguir Jesus deve acompanhá-lo também no caminho da cruz. Deveaceitar as dificuldades dos pequenos passos, sempre deve escolher adoação mais do que a própria vantagem. Deve aprender a amar aos outrosvencendo o seu egoísmo e deixando de lado o seu interesse. A vida é umdom que recebemos e somente ganha sentido, beleza e alegria, quandotambém se transforma em doação. Para alguns talvez possa ser pedido umsacrifício maior, talvez até o martírio. A todos, porém, Jesus pede agenerosidade dos infinitos gestos simples feitos por amor, vindos docoração. Esses atos não nos tornarão famosos, mas farão outros felizes.E a nós também.