Formação

O Mistério que fascina

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“Mesmo o caminho da fé é um caminho obscuro.” Essa frase de Edith Stein tem me questionado muito diante de algumas situações, conflitos e dúvidas que surgem em meu coração quando me deparo com o mundo e seus caminhos, quando estou diante de Deus, diante do outro, e principalmente diante de mim mesma. É inevitável negar que existe um mistério que permeia a nossa vida. Se o caminho da fé, como diz a nossa querida santa, é um caminho obscuro, logo ouso concluir ser um caminho envolvido pelo mistério.
Mas afinal, o que é mistério? No dicionário encontrei algumas definições, no entanto me deterei nas mais apropriadas para a nossa realidade:

1. “Tudo aquilo que a inteligência humana é incapaz de explicar ou compreender.” 2. “Coisa ou elemento oculto, obscuro ou desconcertante.”

Certa vez, durante a missa, me senti “questionada” ao escutar as palavras “Eis o mistério da nossa fé”, pronunciadas pelo sacerdote. Durante algum tempo os meus pensamentos permaneciam como que paralisados naquelas palavras. Logo percebia que durante aquele dia, e em muitos outros, a realidade do “mistério” estava presente na minha vida e me recordava que essa palavra conduz toda a minha existência. Saímos de Deus e para Ele voltaremos; Ele, que nos transcende, nos supera e nos silencia. O que fazer diante dessa verdade?

Esse mistério que nos surpreende e nos esvazia de todo conceito e preconceito é ao mesmo tempo fascinante, pois nos recorda uma realidade que o mundo quer esquecer, ignorar! “O homem é ontologicamente um mistério. Em última análise, tem sua raiz no Mistério.”

Buscamos tantas definições, certezas e conclusões para tudo, em tudo. Para amar, decidir, optar, desistir, queremos provas concretas, sinais, revelações, moções e esquecemos que a ausência de tudo isso se traduz na beleza do mistério de Deus em nós.

Penetrando no mistério
Infelizmente, a experiência do mistério tem sido esquecida. Também hoje nos deparamos, como Paulo no Areópago, com a frase: “Ao deus desconhecido”.

Desconhecemos Deus porque desconhecemos o mistério! Penetrar nele exige trabalho, oração, autoconhecimento, percepção, profundidade, caridade. Acaba se tornando mais fácil viver na ignorância e na lógica superficial das coisas.
Entretanto, estamos cotidianamente cercados e mergulhados no mistério: a vida, a morte, a dor, Deus, eu, o irmão, a amizade, o amor, tudo nos remete a ele. O mistério pode nos levar a inquietações, a dúvidas salutares que, no entanto, não nos deixam perder o rumo. Ao contrário, quando não aderimos ao mistério de Deus na nossa vida, nos tornamos como “folhas ao vento”, como almas paralisadas, apáticas e preguiçosas, que esperam tudo pronto e claro para recomeçarem a viver.

A dimensão do mistério nos leva à contemplação e esta nos faz homens de fé, com um sentido de vida, rumo, inteiros, que se amam e que amam porque contemplam em Deus, em si e no outro essa “obscuridade” da fé. O mistério nos faz olhar além das coisas, dos fatos, das aparências…
Existem muitos “deuses desconhecidos” em nosso mundo, na nossa vida. É bem mais fácil viver de experiências alheias, mas é ao mesmo tempo frustrante saber que posso ter as minhas e não as tenho. Podemos passar a vida inteira na superficialidade das coisas; Deus nos ama muito para retirar de nós a liberdade. Ou me coloco diante de Deus e deixo que Ele me revele quem é e o mistério da minha vida, ou mediocremente me acomodo com o que os outros dizem de mim, ou o que eu, na minha pobre percepção espiritual e humana, penso. Existem dois caminhos: um me leva à profundidade, maturidade, fecundidade, realização e o outro me esteriliza, me adormece.
O que realmente importa não é “entender” o mistério, e é bom perder a ilusão dessa sutil pretensão de ser como “deus”, mas sim confrontar-se com ele, penetrá-lo, saber que ele existe e vivê-lo como uma chance dada por Deus para nos lembrar que “também somos da sua raça” (cf. At 17,28).

Deus se revela
A cultura moderna é a de massificação. Ser igual, pensar igual, vestir igual, falar igual e até mesmo rezar igual, pregar igual etc. Somos mistério, por isso, somos únicos e precisamos redescobrir a alegria de não termos que responder a padrões, estereótipos; a única exigência que deve haver dentro de nós é a de nos configurar a Cristo e fazer a sua vontade.
A minha história é única, por isso só minha; pode haver pessoas parecidas, mas não iguais a mim. As minhas dores, alegrias, erros e vitórias são únicas, fazem parte da minha história, não a definem mas fazem parte dela e eu não posso negá-las. É nesse mistério que Deus se revela. Lendo nas entrelinhas, como homem sobrenatural, me deparo a cada segundo com esse mistério de amor. Como diz Dietrich Bonhoeffer : “Deus se encontra no centro e não às margens da vida do homem.”
Nunca serei minha mãe, nem Santa Teresinha, Teresa D’Ávila, Gianna Beretta Molla, Maria Madalena. Apesar de amar muito essas santas mulheres e estar muito longe delas, sei que o mistério que as envolve transborda para a minha vida, mas eu também tenho o meu mistério a transbordar, tenho o meu papel, uma missão a cumprir diante de Deus e da humanidade.
“Não vá para fora de você mesmo, pois é no homem interior que habita a verdade.” Talvez para você seja o tempo de descobrir o mistério na sua vida ou talvez de redescobri-lo. Não importa, seja o que for, coragem, “pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28).
Tenhamos a coragem de Moisés e tiremos nossas sandálias diante do mistério da Sarça Ardente que envolve a nossa vida, e reconheçamos que o solo que pisamos é santo, ou seja, que a nossa história é sagrada, é mistério, é “teofania” de Deus.


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