João 2, 13-22
Este ano, no lugar do XXXII domingo do Tempo Comum, celebra-se a festada dedicação da igreja-mãe de Roma, a Basílica de São João de Latrão,dedicada em um primeiro momento ao Salvador e depois a São JoãoBatista. Que representa para a liturgia e para a espiritualidade cristãa dedicação de uma igreja e a própria existência da igreja, entendidacomo lugar de culto? Temos que começar com as palavras do Evangelho:«Mas chega a hora (já estamos nela) em que os verdadeiros adoradoresadorarão o Pai em espírito e em verdade, porque assim quer o Pai quesejam os que o adoram».
Jesus ensina que o templo de Deus é, em primeiro lugar, o coração dohomem que acolheu sua palavra. Falando de si e do Pai, diz: «viremos aele, e faremos morada nele» (João 14, 23). E Paulo escreve aoscristãos: «Não sabeis que sois santuário de Deus?» (1 Coríntios 3, 16).Portanto, o crente é templo novo de Deus. Mas o lugar da presença deDeus e de Cristo também se encontra «onde estão dois ou três reunidosem meu nome» (Mateus 18, 20). O Concílio Vaticano II chama a família de«igreja doméstica» (Lumen Gentium, 11), ou seja, um pequeno templo deDeus, precisamente porque, graças ao sacramento do matrimônio, é, porexcelência, o lugar no qual «dois ou três» estão reunidos em seu nome.
Por que, então, os cristãos dão tanta importância à igreja, se cada umde nós pode adorar o Pai em espírito e verdade em seu próprio coraçãoou em sua própria casa? Por que é obrigatório ir à igreja todos osdomingos? A resposta é que Jesus não nos salva separadamente; veio paraformar um povo, uma comunidade de pessoas, em comunhão com Ele e entresi.
O que é a casa para uma família, é a igreja para a família de Deus. Nãohá família sem uma casa. Um dos filmes do neo-realismo italiano queainda recordo é «O teto» («Il tetto»), escrito por Cesare Zavattini edirigido por Vittorio De Sica. Dois jovens, pobres e enamorados, secasam, mas não têm uma casa. Nos arredores de Roma, após a 2ª GuerraMundial, inventam um sistema para construir uma, lutando contra o tempoe a lei (se a construção não chega até o teto, à noite será demolida).Quando no final terminam o teto, estão certos de que têm uma casa e umaintimidade própria e se abraçam felizes; são uma família.
Vi esta história se repetir em muitos bairros de cidade, em povoados ealdeias, que não tinham uma igreja própria e tiveram de construir-seuma por sua conta. A solidariedade, o entusiasmo, a alegria detrabalhar juntos com o sacerdote para dar à comunidade um lugar deculto e de encontro são histórias que valeriam a pena levar às telascomo no filme de De Sica…
Agora, temos que evocar também um fenômeno doloroso: o abandono emmassa da participação na igreja e, portanto, na missa dominical. Asestatísticas sobre a prática religiosa são para fazer chorar. Isto nãoquer dizer que quem não vai à igreja necessariamente perdeu a fé; não,o que acontece é que se substitui a religião instituída por Cristo pelachamada religião «a la carte». Nos Estados Unidos dizem «pick andchoose», pegue e escolha. Como no supermercado. Deixando a metáfora delado, cada um forma sua própria idéia de Deus, da oração e ficatranqüilo.
Esquece-se, deste modo, que Deus se revelou em Cristo, que Cristopregou um Evangelho, que fundou uma ekklesia, ou seja, uma assembléiade chamados, que instituiu os sacramentos, como sinais e transmissoresde sua presença e de sua salvação. Ignorar tudo isto para criar aprópria imagem de Deus expõe ao subjetivismo mais radical. Neste caso,se verifica o que dizia o filósofo Feuerbach: Deus é reduzido àprojeção das próprias necessidades e desejos. Já não é Deus quem cria ohomem à sua imagem, mas o homem cria um deus à sua imagem. Mas é umDeus que não salva!
Certamente, uma realidade conformada só por práticas exteriores nãoserve de nada; Jesus se opõe a ela em todo o Evangelho. Mas não háoposição entre a religião dos sinais e dos sacramentos e a íntima,pessoal; entre o rito e o espírito. Os grandes gênios religiosos(pensemos em Agostinho, Pascal, Kierkegaard, Manzoni) eram homens deuma interioridade profunda e sumamente pessoal e, ao mesmo tempo,estavam integrados em uma comunidade, iam à sua igreja, eram«praticantes».
Nas Confissões (VIII, 2), Santo Agostinho narra como acontece aconversão do grande orador e filósofo romano Victorino. Ao converter-seà verdade do cristianismo, dizia ao sacerdote Simpliciano: «Agora soucristão».
Simpliciano lhe respondia: «Não creio até ver-te na igreja de Cristo».O outro lhe perguntou: «Então, são as paredes que nos tornamcristãos?». E o tema ficou no ar. Mas um dia Victorino leu no Evangelhoa palavra de Cristo: «quem se envergonha de mim e de minhas palavras,desse se envergonhará o Filho do homem». Compreendeu que o respeitohumano, o medo do que pudessem dizer seus colegas, o impedia de ir àigreja. Foi visitar Simpliciano e lhe disse: «Vamos à igreja, querotornar-me cristão». Creio que esta história tem algo a dizer hoje amais de uma pessoa de cultura.