Formação

Células-tronco embrionárias: quem são vocês?

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Dom Antonio Augusto Dias Duarte

Momento de veneração

O biólogo americano Francis S. Collins é um dos cientistasmais respeitados da atualidade. É diretor do Projeto Genoma Humano e trabalhano que há de mais moderno em torno do estudo do DNA, o código da vida. Até osseus 27 anos era um ateu convicto e foi cursando a faculdade de medicina etestemunhando o verdadeiro poder da religião nos pacientes que ele examinavanas enfermarias do hospital-escola que a sua visão começou a mudar.

São suas as seguintes palavras: “Não existe um antagonismoentre as visões científica e espiritual do mundo? (…) Não para mim. Muitopelo contrário. Para mim a experiência de mapear a seqüência do genoma humano edescobrir o mais notável de todos os textos foi, ao mesmo tempo, uma realizaçãocientífica excepcionalmente bela e um momento de veneração”.

Essas palavras coincidem no seu sentido religioso com as doex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, pronunciadas na Casa Branca,transmitidas por via satélite a várias partes do mundo, quando no primeiro semestredo novo milênio ele anunciava a conclusão do primeiro rascunho do genomahumano.

“Sem dúvida trata-se do mapa mais importante e maisextraordinário já produzido pela humanidade. Hoje estamos aprendendo alinguagem com a qual Deus criou a vida. Ficamos mais admirados pelacomplexidade, pela beleza e pela maravilha da dádiva mais divina e mais sagradade Deus”.

Um cientista, líder do Projeto Genoma Humano em todo mundo,e um ex-presidente americano teriam sido guiados pela Igreja Católica parausarem expressões tão significativas como veneração e dádiva divina parareferirem-se ao texto constitucional do ser humano que tem 3 bilhões de letras?

Seria absurdo alguém levantar esta hipótese paradesacreditá-los, mas o que se pode extrair das suas afirmações é que elesintuíram que está presente em cada célula do organismo humano, não só umamaravilha biológica – a enorme seqüência de letras contidas num espaço celulartão minúsculo – mas acreditaram na presença de alguém, que é digno deveneração, de respeito, de reconhecimento, intuíram a existência de um dom quenão pertence absolutamente a ninguém, mas que é uma dádiva de Deus.

As células humanas têm desde a sua matriz inicial – o zigotoou ovo fecundado – um processo constitucional e organizativo. São verdadeiras“fábricas” de substâncias nutritivas e energéticas, elas se diferenciam e seespecializam, elas se dirigem espacial e funcionalmente para diversas zonas docorpo humano, onde atingirão sua maturidade biológica e fisiológica, e em todosos momentos desses processos quem está presente é uma pessoa, é um você que seposiciona diante de um eu e de um nós.

Só sob uma perspectiva biológica

Ao estudar as células-tronco embrionárias só sob umaperspectiva biológica os resultados alcançados serão, sem dúvida nenhuma, úteise verdadeiros, mas só dentro desse ângulo considerado. É o que vai sedivulgando com o estilo próprio do jornalismo, ma mídia brasileira, uma sériede informações aos leitores que vão alimentando esperanças e vão acelerando osdebates sobre um tema tão atual.

A divulgação desses dados científicos sobre células-troncohumanas, em particular, sobre as células-tronco embrionárias, tem se mostradotão polêmico que se faz necessário um esclarecimento científico e ético maisobjetivo. Não é suficiente o “marketing” das pessoas a favor das pesquisas e dautilização terapêutica dessas células embrionárias.

É preciso saber que, em primeiro lugar, o desenvolvimento deum corpo humano inicia-se com a fecundação e segue adiante com uma trajetóriacontinua de diferenciação e crescimento; cada etapa desse itinerário biológicoé reconhecida por uma morfologia e por funções distintas do anterior-nívelgestacional.

Sabe-se que a primeira divisão celular ocorre em torno de 30horas depois da fecundação, e que a formação dos blastócitos (de onde seretiram as células-tronco embrionárias) se dá no 5º dia aproximadamente, e quea implantação do embrião no útero ocorre em torno do 6º-7º dia, e que acirculação sangüínea útero-plancentária inicia-se perto do 13º dia, e que até opróprio fenômeno do nascimento (9º mês), e outros fenômenos biológicos própriosdessa idade gestacional, tudo se desenvolve ininterruptamente segundo oprograma inscrito nesse texto fundamental da vida, que é o genoma.

É preciso saber também em que momento dessa trajetória ascélulas do embrião em desenvolvimento merecem ser chamadas de você, comocostuma acontecer quando a mãe e o pai vêem o seu filho através de umaultra-sonografia?

Um relacionamento entre pessoas humanas

Quando se emprega esse pronome de tratamento o que ficaevidente é uma intimidade entre iguais, ou seja, um relacionamento entrepessoas humanas, idênticas entre si na dignidade e incomparáveis no valor dassuas vidas. Ainda que esse pronome pessoal tenha adquirido conotações novas emtempos mais recentes e é utilizado pelos filhos, pelos netos, pelos sobrinhos,etc, ao se dirigirem aos seus pais, aos seus avós, aos seus tios, nem por issoa informalidade do tratamento faz perder a consciência do respeito devido a essaspessoas mais velhas.

Acontece que a divulgação jornalística do temacélulas-tronco embrionárias, empregando só termos biologicamente adequados,como por exemplo, fazer pesquisas com essas células para fins terapêuticos,prometer sucesso garantido para as doenças cardíacas, metabólicas,degenerativas, para lesões musculares e nervosas, até agora irreversíveis foiintroduzindo na cultura dos jovens e dos adultos uma certa limitaçãointelectual: só se vê o lado da ciência e não o lado da consciência, do certo edo errado, do bem e do mal.

Ainda que tal informação e todo debate feito só a nívelterapêutico amplie a inteligência humana com os conhecimentos científicos deúltima geração e introduza na linguagem cotidiana palavras especializadas -totipotentes, pluripotentes, multipotentes, medicina regenerativa, clonagemterapêutica, etc… – isto não está contribuindo para um maior esclarecimento eum aprofundamento necessário a favor de quem se está falando, de quem estásendo pesquisado e usado como remédio de última geração.

Falando só do ponto de vista experimental-científico

Se os juristas, os médicos, os biólogos, os políticos, osjornalistas estiverem falando só do ponto de vista experimental-científico,então quem os ouve ou os lê interpretarão suas palavras como reveladoras de unsconhecimentos limitados a uma perspectiva – a da ciência – que parte só do queé experimental e comprovado por instrumentais técnicos. E o que é invisível, eo que é humano propriamente dito?

 Agora se as mesmaspessoas estiverem falando de pessoas humanas nas diversas etapas do seudesenvolvimento físico-corporal, então estarão falando de seus iguais, e apalavra você merecerá um destaque especial, pois as células não são apêndices,mas sim são a própria pessoa que se faz visível e ocupa um espaço, e mostra aolongo do tempo da sua existência uma morfologia específica, conforme o estágiodo seu desenvolvimento, e tem uma excelência e uma dignidade não mensuráveis emlaboratórios farmacêuticos e em centros de pesquisa.

As células do corpo humano, sejam no momento inicial –zigoto –, sejam no momento final – morte – não só obedecem a um plano prescritono genoma presente em cada uma delas, mas representam quem está sendoconstruído pelos seus gens e pelo entorno em que se desenvolve e quem estámorrendo num leito de UTI, numa enfermaria ou na sua casa.

A pessoa humana é quem protagoniza os momentos vitais do seudesenvolvimento biológico; é um eu único e unitário, original e biográfico,corporal e espiritual, em todas os instantes e formatos da sua existência.

Ela não é menos pessoa quando tem 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64,etc, células em comparação aos milhares, aos milhões de células presentes noseu corpo adulto, mas é a mesma pessoa, com o mesmo espírito corporalizado oucom o mesmo corpo espiritualizado, e, portanto, é merecedora de um tratamentopessoal, onde os pronomes eu, tu, nós, vós, podem ser utilizados, na linguagemmais coloquial, mas nem por isso, menos respeitosa, como você e eu ou vocês enós.

Quem estuda e intervêm sobre as pessoas que estão na etapa embrionária– mesmo que se tenha finalidade terapêutica futura marcada pelo sucesso –pesquisando a totipotencialidade das suas células capazes de formar os 250tipos celulares diferentes do organismo adulto, deve trabalhar com aconsciência ética para venerar, assim, com o máximo respeito, à dignidadehumana, e para defender sempre o direito à inviolabilidade da vida dessasmesmas pessoas, conscientizando-se de que está vivendo relações interpessoaissingularíssimas: pesquisador e pesquisado, eu e você, médico e paciente.

A Igreja Católica

A Igreja Católica sempre defendeu que o fruto da geraçãohumana, desde o primeiro momento da sua existência, é uma pessoa – é um você,um outro indivíduo – e a ela se deve o mesmo respeito incondicional que se temdiante de uma pessoa adulta, pois em qualquer estágio do seu desenvolvimentofísico há uma totalidade pessoal e uma unidade corporal e espiritual.

A partir do seu momento constitucional – a fecundação –devem ser, portanto, reconhecidos os direitos primários de qualquer pessoahumana e de qualquer cidadão brasileiro, principalmente o direito inviolável detodo ser humano inocente à vida íntegra, à vida saudável e à vida em comunidadeonde se valorizem os laços familiares e sociais: “você é um filho”, “você é um parente”,“você é igual a todos nós”, e não um aglomerado de células produzidas oucongeladas num laboratório”.


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