Cardeal Geraldo Majella Agnelo
Porcinco domingos nossas comunidades eclesiais vão ler e meditar ocapítulo 6º do evangelho narrado por João, começando pela multiplicaçãodos pães realizada por Jesus, seguida por longo discurso sobre o pão davida na sinagoga de Cafarnaum, com todas as consequências também paranós.
Nogesto de Jesus que fez a gente sentar-se em torno dele, tomou cincopães e os distribuiu a cinco mil pessoas, vemos o amor de um Deus queveio para estar perto de nós querendo preencher com a sua presença ovazio do nosso coração, para enriquecer nossas inteligências com osvalores do Espírito, e dar o significado profundo de nossa vida.
Depoisdo milagre, a multidão queria fazê-lo rei. Um belo sonho teriam osgovernantes para resolver os problemas econômicos do pais, com aconseqüente coroação do taumaturgo. Já o imperador Nero oferecia pão ecirco para o povo. Mas Jesus pensava e ensinava diversamente.
Algumavez a gente não compreendia Jesus. Um risco que também nós corremos. Defato, com Jesus, caminhamos no sentido de compreender o mistério do seuamor. O verbo de Deus feito homem vindo habitar entre nós é realidadeque ultrapassa a nossa compreensão, as nossas expectativas, sobretudonossos programas humanos.
Porque Jesus teve esse gesto de multiplicar os pães e os peixes? Porsolidariedade com a gente? Certamente. Jesus se comovia diante dasmultidões que lhe pareciam como rebanho sem pastores. Mas não terminavaaí. Há algo que a gente não podia atingir, como não compreendiam aindaos apóstolos naquele momento. Depois de dois mil anos, podemos entendermelhor que, com o milagre da multiplicação dos pães, Jesus queriapreparar seus discípulos para acolher o mistério indizível daEucaristia.
OVerbo encarnado queria tornar-se o Deus ‘conosco’ para sempre, e aEucaristia seria a misteriosa modalidade. Jesus queria reunir os seusamigos na maravilhosa realidade social e espiritual que será a Igreja.E pensou que o banquete eucarístico deve ser o lugar da unidade. Osseus amigos, encontrando-se com ele e entre si na Eucaristia, teriamdepois em si a força e a coragem de mudar o mundo.
Jesusdeu cumprimento pleno a esse projeto revolucionário na última ceia daQuinta Feira Santa, pronunciando as palavras que, por sua ordem,repetimos na missa: “Tomai e comei, tomai e bebei: isto é meu corpo,este é o cálice do meu sangue.” Mas para levar seus discípulos aacolher o mistério, devia prepará-los. E a multiplicação dos pães,gesto simbólico, foi o primeiro passo.
Se considerarmos com atenção esse episódio, notamos muitos elementos que evocam a Eucaristia, a missa. A nossa missa.
Háo reunir-se de muitas pessoas entorno de Jesus. Vieram para ouvi-lo,para acolher a sua palavra. E Jesus está ali para elas, paraescutá-las, para falar-lhes. Depois executa o gesto. Distribui o pãopara criar comunhão. Um menino põe à disposição o que tem, pão simples,o pão dos pobres. Jesus aceita o dom de boa vontade da gente, e cria.
Criaalgo que nutre todos. Com abundância. Com desproporção. Disse oapóstolo Filipe: “Duzentos dinheiros de pão não são suficientes. Umdinheiro, moeda, era o salário de um dia de trabalho. Era necessáriomuito pão. Mas bastou para todos, e houve sobra que encheu doze cestos.Parece a generosidade de nossas mães que trazem à mesa o alimento a fimde que todos se sirvam e ainda sobre. Assim Jesus preparava seus amigosa compreender o mistério eucarístico.
Jesusdirá com poucas palavras simples a seus discípulos, e diz também a nós:“Eu sou o pão vivo descido do céu. A minha carne é verdadeiro alimento,meu sangue é verdadeira bebida. Quem vem a mim não terá mais fome, quemcrê em mim não terá mais sede”. Um discurso peremptório para quemescuta: aceitá-lo ou recusá-lo. Quem escuta se põe pró ou contra Jesus.
Muitosse colocam contra Jesus e até querem corrigir o evangelho. E oabandonam. Jesus pergunta: “E vós não quereis também deixar-me?” E vema resposta decisiva de Pedro, homem de fé, homem dos momentos difíceis:“A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna”. O significadoda distribuição do pão é a distribuição do amor, para os males do mundoa única solução: o diálogo, a verdade, a justiça, o perdão, amisericórdia, a solidariedade.