Formação

A verdade de cada um

comshalom

Dom Redovino Rizzardo

Era uma vez um homem muito rico, mas de pouco estudo. Comoacontece para todos, certo dia ele também bateu às portas da morte. Jáagonizando, pediu papel e caneta para lavrar o seu testamento. Mas, sendo parcoem recursos literários, a pontuação não era o seu forte. Assim, as poucaspalavras que conseguiu escrever, saíram ininteligíveis e sem nexo: «Deixo meusbens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nadadou aos pobres».

Como era previsível, mal findaram os funerais, começaram asrixas entre o sobrinho, a irmã e o padeiro, cada qual interpretando otestamento a seu favor.

O primeiro fez a seguinte pontuação: «Deixo meus bens àminha irmã? Não! A meu sobrinho! Jamais será paga a conta do padeiro. Nada douaos pobres».

Evidentemente, a irmã não gostou da interpretação, e pontuouassim o escrito: «Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais serápaga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres».

Julgando-se mais esperto que os parentes do finado, opadeiro puxou brasa para sua sardinha: «Deixo meus bens à minha irmã? Não! Ameu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres».

Sabendo das dificuldades para se chegar a um acordo – todosgostam de pescar em águas turvas –, por fim vieram também os pobres da cidade.Um deles, mais sabido, fez a seguinte interpretação: «Deixo meus bens à minhairmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aospobres».

Qual a moral da estória? A mais benigna – e importante – éesta: a vida pode ser interpretada e vivida de diversas maneiras. Nós é quefazemos sua pontuação. E é isso que faz a diferença.

Mas há também outras lições. Cada um encara a vida com osolhos que tem. Cada um se aproxima dos outros com o coração que tem. Cada umanalisa os fatos com a maturidade – e os preconceitos – que tem. Talvez tenhasido por isso que Jesus falou: «O homem bom tira coisas boas do seu bom tesourointerior; o mau tira o mal de seu mau tesouro. A boca fala do que está cheio ocoração» (Lc 6,45).

Ofereço ao leitor dois exemplos recentes desta manipulaçãoda verdade, fruto da subversão de valores.

No dia 1º de julho, o Papa Bento XVI aceitou o pedido derenúncia ao governo da arquidiocese de Olinda e Recife feito por Dom JoséCardoso Sobrinho. Como se sabe, todos os bispos, de acordo com o DireitoCanônico da Igreja, ao completarem 75 anos, precisam colocar seus cargos àdisposição. Dom José havia completado 76 anos no dia anterior – o que significaque estava esperando a decisão pontifícia havia um ano.

Eis, porém, como alguns órgãos de informação noticiaram ofato: «Papa destitui bispo de Pernambuco que puniu vítima de estupro. O papaBento XVI aceitou, um ano depois de apresentada, a renúncia do arcebispobrasileiro que, em março, protagonizou um escândalo internacional ao excomungaruma menina de nove anos, que passou por um aborto depois de ter sido violentadasexualmente pelo padrasto».

São várias as inconsistências da matéria. “Papa destitui”Não é verdade: foi apenas o cumprimento de uma lei vigente na Igreja há quase50 anos. “Puniu vítima de estupro”. A excomunhão não pode ser aplicada a umamenina de nove anos. O arcebispo nada mais fez do que lembrar que, quem cometedeterminados pecados, se coloca por si mesmo fora da comunhão eclesial. Nocaso, os médicos que praticaram o aborto. “Protagonizou um escândalointernacional”. Para o Dicionário Aurélio, “escândalo é aquilo que é causa, ouresulta de erro ou pecado, perturbando a sensibilidade pelo desprezo àsconvenções ou à moral vigente”. Assim sendo, o escândalo não foi dado peloarcebispo, mas por quem submeteu a menina ao aborto.

No dia seguinte, outra notícia mereceu um destaque especial:“Avanço: tribunal da Índia derruba lei que proíbe sexo entre homossexuais”.

Se isso é avanço, então tinha razão Pilatos ao questionarJesus: «O que é a verdade?» (Jo 18,38). O governador não esperou pela resposta,talvez porque pensava que a verdade é uma decisão da maioria. Nem que seja parapedir a liberdade de Barrabás e a condenação de Jesus…


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