Formação

Ou Sari, ou o Amor

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"Roteiro da peça Ou Sari ou o Amor"
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No Cenário – sala de uma residência com móveis bem pobres, somente com o indispensável, uma mesa e três bancos. Os detalhes é que dão o toque de amor: toalha de mesa, flores, cruz.

Personagens– Madre Teresa de Calcutá; uma jovem senhora rica e muito bonita, a senhora Vetra, bem vestida e adornada de pulseiras típicas das mulheres indianas; o empregado da senhora Vetra, personagem – narrador, que entra e sai de cena, este veste-se de maneira simples, como os indianos das castas mais baixas, com roupas brancas, calças largas, bata solta sobre as calças, turbante do mesmo tecido da roupa. Por baixo desta roupa, tem uma outra bem simples.

CENA I
Aparece o narrador no palco. Ele é extremamente “light”, divertido, de grande empatia com o público. Caminha no palco, como um apresentador de teatro mambembe que se dirige pessoalmente a cada um da assembléia para contar-lhe uma história interessantíssima:
“Senhoras e senhores, estou aqui hoje para contar-lhes uma história in-te-res-san-tís-si-ma! Uma história belíssima!… E… verdadeira! Isso mesmo! Aconteceu de verdade, há uns quinze anos atrás, em Calcutá. Preste bastante atenção ao que aconteceu! Os personagens poderiam ser VOCÊ!”
O apresentador retira-se do palco e deixa a cena livre.

CENA II
Uma senhora extremamente bem vestida com um sari indiano que contrasta, nitidamente, com o ambiente da sala, entra, agitada, apressada e falando alto:
“Madre Teresa! Madre Teresa! Meu Deus, onde está Madre Teresa? Marcamos este horário! Estou somente meia hora atrasada! “
Madre Teresa entra, silenciosa, por trás da mulher que, sem perceber sua presença, grita, na direção do restante da casa:
“Madre Teresa! … Será que ela não me esperou? Madre Teresa!”
“Boa tarde, Senhora Vetra” diz Madre Teresa, muito gentilmente, com voz normal.
“Ah, Madre! Já estava pensando que me havia esquecido…”
“Estava na adoração da tarde, com as irmãs, quando percebi que tinha chegado…”
“Pois é, madre… Atrasei-me ume meia horinha, mas é que me ligaram dizendo que havia chegado uma nova coleção de saris e a senhora sabe como é… Em minha casta… em minha posição social, há muitas exigências e eu me vejo forçada a comprar um sari a cada mês…”
“Vejo que a senhora tem bom gosto.. este que está usando é muito bonito!”, diz, sincera.
“Gostou, Madre?”, responde, realmente feliz pela madre ter gostado.
“Perdão por perguntar, mas, quanto custa um sari desses?”, diz, enquanto aponta um dos bancos para a mulher sentar-se e senta-se no outro. Sentam-se em leve diagonal, de frente para o povo e não de frente uma para a outra. Vemo-lhes assim seus rostos. Isso, entretanto, não impede que a conversa ser íntima, nem que se toquem.
“Mil rúpias!”, responde a mulher, com orgulho de poder comprar um sari tão especial a cada mês.
“Mil rúpias, hoje, dá…” calcula a madre.
“Quinhentos dólares!”, responde prontamente, e continua:
“Sabe, irmã, vim aqui para saber o que posso fazer para ajudar os seus pobres. Quero muito, muito ajudá-los! Sabe, graças a Deus, nossa família é abastada, uma família tradicional, de uma casta superior, e nos tem sempre sobrado muito, graças a Deus! Assim, resolvi vir aqui para saber como ajudá-los, se é em roupas, alimentos, remédio, dinheiro… Peça tudo o que estiver precisando!”
Madre Teresa para um pouco, olhando, em silêncio a mulher, depois replica:
“Louvo a Deus e fico muito feliz por ele ter abençoado tanto a sua família. No entanto, não quero de sua abundância, quero que dê aquilo que lhe dói…”
“Que me dói?!?”, responde a mulher, meio temerosa.
“Sim, amor, para ser amor, tem que doer, se não, não é amor, é egoísmo…”
A mulher a olha silenciosa por alguns momentos, sem entender, mas impressionada com a frase. A madre continua:
“Olhe, tenho uma proposta a lhe fazer”, diz Madre Teresa, tocando a mão de sua interlocutora. ” Porém, antes de fazê-la, gostaria de saber se a senhora compra um sari caro como esse por mês porque é obrigada ou por que gosta?”
A mulher, pega de surpresa, confessa com sua ‘simplicidade espalhafatosa’:
“Sinceramente, madre, compro porque gosto. Sabe… preciso sair de casa, preciso me sentir bem, bonita, elegante, preciso me valorizar… “ e, entusiasmada, acrescenta:
“Adoro os saris assim, ricos, bordados de dourado. Adoro comprar, a cada mês, um novo sari belíssimo para minha coleção!”
“Ótimo! Eis a minha proposta: a senhora quer, realmente, fazer alguma coisa pelos meus pobres?”
“Claro, claro, irmã! Diga-me o que precisa!”
“Bem, minha proposta é a seguinte. Da próxima vez que for ao mercado, compre para a senhora um sari de 500 rúpias e, com as outras quinhentas, compre saris mais baratos para a madre e para os seus pobres.”
A mulher a olha, surpresa e meio aflita.
“Pouco a pouco, vá baixando o preço dos saris que comprar para a senhora e aumentando a quantia para o sari dos pobres…”, diz a madre, sempre segurando a sua mão, agora com um sorriso, feliz com sua proposta, como que sabendo que salvará a mulher.
“Mas atenção!”, diz a madre. “Quando seu sari chegar a cem rúpias e os dos pobres a novecentas, pare. Já está boa a divisão.

CENA III
Volta o servo-apresentador carregando às costas um grande pacote embrulhado como um fardo:
“No mês seguinte, a Senhora Vetra voltou com este pacote de saris para a madre e seus pobres, no valor de 500 rúpias.”
A senhora Vetra entra, com o mesmo sari da cena II e toma a frente do apresentador, que passa a segui-la como um empregado. Chegam à casa da Madre, que está sentada lendo e escrevendo:
“Pode colocar ali, ali mesmo…”
“Pronto, madre, suas 500 rúpias em saris para os pobres!” diz, orgulhosa do seu ato.
A madre, como se não tivesse ouvido, pergunta, cumprimentando-a com um beijo, realmente interessada na resposta:
“E sua família, como vai?”
“Ah, madre! Minha dor é minha família! Cada um se isola em um canto. Um no computador, outro na televisão, outro no jornal, outra no telefone com o namorado… Vivo muito só, madre. Meus filhos não me levam a sério. Dizem que só penso em mim mesma. Não tenho diálogo com eles nem com meu marido. Todas as noites, tomo remédio para dormir. Em minha casa, madre, não há paz…”
Como se não entendesse o que a mulher acabava de dizer, a madre comenta:
“Parece que você está com o mesmo sari da vez passada?!?”
“Estou, sim. É que não deu tempo de trocar. Tive que ir à manicure depois do almoço e, se fosse ainda em casa, perderia a hora que a senhora marcou.” (a senhora diz isso sem afetação ou gestos de vaidade, mas com a mesma simplicidade de quem conta como almoçou em casa).
“E o sari de 500 rúpias?”
“Ah, este está em casa! Foi o primeiro sari de 500 rúpias que comprei para mim mesma na vida!”
“E doeu?”
“Se doeu! Tinha um lá de mil rúpias lindo, lindo! Da cor que eu sonhava. Mas trato é trato, não é, madre?”e, apontando para o empregado e o fardo:
“Estão ali as 500 rúpias em saris que comprei para seus pobres.”
Madre Teresa responde, sem dar muita importância ao pacote, já virando as costas e saindo da sala depois da palavra “ótimo”:
“Ótimo! Pode entregá-los pessoalmente às famílias pobres que estão no galpão esperando.”
“Mas, madre, eu…”

CENA IV
O apresentador toma a frente da cena:
“Este ritual de carrega pacote, abre pacote, entrega dezenas de saris repetiu-se mês após mês. Da primeira vez era só um pacotão, como vocês viram. Depois, era um pacotão e um pacotinho, um pacotão e um pacote, dois pacotoes, e por aí vai. Claro, no começo, quem carregava tudo era eu…
A cada vez que íamos, a madre fazia as mesmas perguntas (e, imitando o tom da madre): “Como está sua família?”perguntava com interesse, escutando a resposta atentamente. Depois, pegando no braço da madame, perguntava: “E está doendo?”. A madame respondia com detalhes e sempre dizia que estava doendo, especialmente quando seus fornecedores lhe apresentavam os modelos mais modernos e arrojados de sari. Teve um dia em que a peguei enxugando as lágrimas quando pagava os saris dos pobres. Não sei se é porque lhe doía pagar os deles ou não pagar o que ela gostaria de comprar. Bom… de qualquer forma, que doía, doía…
Madame Vetra, no segundo mês, diminuiu a cota dela para 450 rúpias e aumentou a dos pobres para 550. Depois, a diferença passou a aumentar, até que chegou a 100 rúpias para ela e 900 para os pobres. Foi aí que aconteceu o que se segue:”

CENA V
Entra a senhora Vetra com dois grandes pacotes e o empregado com um pacote médio. Após colocar os pacotes no chão, aponta um dos bancos para o apresentador/empregado que caminha ao seu lado e este também senta-se. Está, agora, vestida com um sari simples, sem bordados, mas de bom gosto (não colocando sari branco, pois não é da casta dela, meramente um verde). Nenhum dos dois diz palavra ou dá sinal de cansaço. Aguardam a madre.
Depois de alguns segundos ela entra, beijando-a carinhosamente e cumprimentando o empregado, mas sem beijá-lo ou dar-lhe a mão. A madre senta-se e, olhando para a senhora Vetra, pergunta, interessada:
“E então?”
“Cheguei, madre, ao limite que a senhora aconselhou. Comprei, hoje, este sari de 100 rúpias. Nos pacotes, estão as outras 900 rúpias de saris… A senhora não sabe o que me fez. Meu coração está mudando… Nunca mais serei a mesma pessoa… “
A mulher levanta-se e continua, mais animada, sempre voltada para o povo :
“Minha família também nunca mais será a mesma. Nesses meses, fui aprendendo a dar do que me doía. Começou com os saris. Depois, foi a comida. Depois, o tempo. Comecei a tirar do meu tempo, do tempo reservado para mim e dá-los aos meus filhos.
“E isso doeu?”, perguntou a madre.
“Doeu, porque eu estava acostumada a me deitar e ficar lendo ou vendo televisão, ou a sair e deixá-los sozinhos em casa. Quando comecei a tirar do que era meu para dar aos pobres, comecei a entender que era preciso também tirar do que era meu para dar aos meus filhos e, claro, entendi que tinha de doer.”
“A senhora descobriu que as coisas pequenas feitas com muito amor têm um grande valor…”, interpretou a madre.
“Com toda certeza! Hoje, irmã, em minha casa há amor, há paz, há alegria, há uma grande compreensão. Aprendi a tirar do tempo reservado para mim mesma e dá-lo a eles. Aprendi a conversar com eles, interessar-me por seus estudos, seus problemas… Aprendi a beijá-los e cobri-los à noite… Voltei a ser alegre com meu marido, a interessar-me por seu trabalho… Aprendemos a rezar juntos e, especialmente, a amar até doer…”
“Como assim?”
“Começou com minha filha. Ela entregou-me seu sari predileto e pediu-me para entregá-lo aos seus pobres. Ela disse: “Mamãe, leve para uma moça pobre da minha idade, mas não precisa dizer a ela que me doeu muito.” Depois, o meu filho menor soube que a senhora estava precisando de açúcar e deixou de comer açúcar durante uma semana para dá-lo aos pobres. Em seguida, foi meu marido, que fumava duas carteiras de cigarros por dia e passou a fumar somente uma, comprando o correspondente à outra em vitamina C para seus pobres.”
Madre Teresa ouve tudo, sorrindo, e, no final, dá uma boa gargalhada.
“O que foi, madre? De que está rindo?”
“Fico pensando como é que uma coisa tão tola como um sari pode fazer uma revolução tão grande…”
“Não foi o sari que fez a revolução, madre. Foi Jesus. Eu e minha família lhe demos do que nos doía. Não lhe demos arrogantemente de nossa abundância, nem do que nos sobrava. Demos do que nos doía. E ele…” a senhora faz, aqui, uma pausa longa. A madre levanta-se e fica ao seu lado, interessada, enquanto ela continua:
“Ele também me deu do que lhe doía. De sua abundância no céu, fez-se pobre e se escondeu em suas crianças, madre, em seus doentes, em seus velhos, em seus moribundos, todos eles feridos, todos eles cheios de dor. Cada vez que me olhavam, durante todos estes meses, me deram de sua dor. Jesus, disfarçado neles, me olhava a partir da dor de cada um. Eles me olharam, madre, e me deram de sua dor. É estranho, não sei como dizer…”
“Talvez eu saiba: o amor é como o remédio que arde e dói ao ser colocado sobre o egoísmo e a pobreza é como o bálsamo que consola e cura ao ser colocado sobre esta dor.”
“É uma frase meio complicada, madre, mas se significa que a dor do amor a Jesus escondido no pobre é cura para todos os males, então, a senhora tem razão. É isso mesmo!”
A cena congela, exceto pelo empregado, que toma a frente da cena:

CENA VI
“Senhoras e senhores, acaba-se, aqui, a minha história. Testemunho e dou fé de que ela aconteceu, há quinze anos, na Índia. Hoje, pode muito bem começar a acontecer aqui, desde que você se decida a dar do que lhe vai fazer falta e amar até doer.”
Ao dizer esta frase, o empregado retira suas roupas, por baixo das quais aparecem roupas de pobre sujas de sangue. Como os pobres da Índia, tem somente um calção frouxo feito de uma faixa de pano. Há uma faixa suja de sangue a amarrar-lhe uma das pernas. Por último, ele tira o turbante e coloca uma coroa de espinhos semelhante à dos banners. Ao colocar a coroa, o sangue escorre sangra lhe sujando o rosto.
Enquanto isso acontece, a madre já tem se retirado e diz em off enquanto a senhora Vetra vai à frente e passa um dos braços por trás do Cristo/pobre, para ajudá-lo a caminhar (enquanto a madre fala, porém, ambos estão parados):
“Eu tive fome e me deste de comer. Eu tive sede e me deste de beber. Estava nu e me vestiste, prisioneiro, enfermo, e me visitaste. Cada vez que fizeste isso a cada um dos meus irmãos, foi a mim que o fizeste”.
O pobre e a mulher saem de cena, ele amparado por ela, vagarosamente.

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Baseada em fatos narrados por Madre Teresa de Calcutá
conforme descrito no livro “Madre Teresa, Mensajes de Vida”, ed. Lúmen Bolsillo.
Roteiro adaptado por Maria Emmir Nogueira, em 28/02/04.


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