Em particular, a Congregação para a Doutrina da Fé publicouno ano passado dois Documentos importantes, que ofereceram algunsesclarecimentos doutrinais sobre aspectos essenciais da doutrina sobre a Igrejae sobre a Evangelização. São esclarecimentos necessários para o desenvolvimentocorreto do diálogo ecumênico e do diálogo com as religiões e as culturas domundo. O primeiro Documento leva o título “Respostas a questões relativas aalguns aspectos da doutrina sobre a Igreja” e recoloca também nas formulações ana linguagem o ensinamento do Concílio Vaticano II, em plena continuidade com adoutrina da Tradição católica. Vem assim confirmado que a una e única Igreja deCristo tem sua subsistência, permanência e estabilidade na Igreja Católica eque, portanto, a unidade, a indivisibilidade e a indestrutibilidade da Igrejade Cristo não é anulada pelas separações e divisões dos cristãos. Em relação aeste esclarecimento doutrinal fundamental, o Documento repropõe o usolinguístico correto de certas expressões eclesiológicas, que correm o risco deser incompreendidas, e apela a tal fim para a atenção sobre a diferença queainda permanece entre as diversas Confissões cristãs na defesa da compreensãodo ser Igreja, em sentido propriamente teológico. Isto, longe de impedir oesforço ecumênico autêntico, será um estímulo para que o confronto sobrequestões doutrinais surja sempre com realismo e pleno conhecimento dos aspectosque ainda separam as Confissões cristãs, além de que no alegre reconhecimento dasverdades de fé comumente professadas e da necessidade de rezar incessantementepor um caminho mais consciente para uma maior e, ao final, plena unidade doscristãos. Cultivar uma visão teológica que considerasse a unidade e identidadeda Igreja como seus tesouros “ocultos em Cristo”, com a conseqüência de quehistoricamente a Igreja existiria de fato em múltiplas configurações eclesiais,reconciliáveis somente em perspectiva escatológica, não poderia mais que gerarum retardamento e, por fim, a paralisia do próprio ecumenismo.
A afirmação do Concílio Vaticano II de que a verdadeiraIgreja de Cristo “subsiste na Igreja católica” (Const. dogm. Lumen gentium, 8)não considera somente a relação com as Igrejas e comunidades eclesiais cristãs,mas se estende também à definição das relações com as religiões e as culturasdo mundo. O próprio Concílio Vaticano II, na Declaração Dignitatis humanae,sobre a liberdade religiosa, afirma que esta única verdadeira religião subsistena Igreja católica, à qual o Senhor Jesus confiou a missão de difundi-la atodos os homens (n. 1). A “Nota doutrinal sobre alguns aspectos daevangelização” – o outro Documento publicado por vossa Congregação em dezembrode 2007 –, diante do risco de um persistente relativismo religioso e cultural,reafirma que a Igreja, no tempo do diálogo entre as religiões e culturas, nãose dispensa da necessidade da evangelização e da atividade missionária junto aopovo, nem cessa de pedir aos homens que acolham a salvação oferecida a todas aspessoas. O reconhecimento dos elementos de verdade e bondade nas religiões domundo e da seriedade de seus esforços religiosos, o próprio colóquio e espíritode colaboração com elas pela defesa e a promoção da dignidade da pessoa e dosvalores morais universais, não podem ser pensados como uma limitação docompromisso missionário da Igreja, que a empenha a anunciar incessantementeCristo como o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6).
Convido-vos, ainda, caríssimos, a seguir com particularatenção os problemas difíceis e complexos da bioética. As novas tecnologiasbiomédicas, de fato, interessam não somente a alguns médicos e pesquisadoresespecializados, mas são divulgadas através dos modernos meios de comunicaçãosocial, provocando esperanças e interrogações em setores sempre mais vastos dasociedade. O Magistério da Igreja certamente não pode e não deve intervir sobretoda novidade da ciência, mas tem o dever de reafirmar os grandes valores emjogo e de propor aos fiéis e a todos os homens de boa vontade princípios eorientações ético-morais para as novas questões importantes. Os dois critériosfundamentais para o discernimento moral neste campo são a) o respeitoincondicional ao ser humano como pessoa, de sua concepção até a morte natural,b) o respeito à originalidade da transmissão da vida humana através dos atospróprios dos cônjuges. Depois da publicação, em 1987, da Instrução Donum vitae,que havia enunciado tais critérios, muitos criticaram o Magistério da Igreja,denunciando-o como se fosse um obstáculo à ciência e ao verdadeiro progresso dahumanidade. Mas os novos problemas ligados, por exemplo, ao congelamento dosembriões humanos, à manipulação embrional, com o diagnóstico pré-implantatório,às pesquisas com células-tronco embrionárias e às tentativas de clonagemhumana, mostram claramente como, com a fecundação artificial extracorpórea, foiquebrada a barreira sobre a tutela da dignidade humana. Quando seres humanos,no estado mais fraco e mais indefeso de sua existência, são selecionados,abandonados, mortos ou utilizados como puro “material biológico”, como negarque esses são tratados não mais como “alguém”, mas como “algo”, colocando assimem questão o conceito próprio de dignidade do homem?
Certamente a Igreja aprecia e encoraja o progresso dasciências biomédicas que abrem perspectivas terapêuticas até agoradesconhecidas, mediante, por exemplo, o uso de células-tronco somáticas oumediante as terapias dirigidas à restituição da fertilidade ou à cura dasdoenças genéticas. Contemporaneamente essa sente o dever de iluminar asconsciências de todos, a fim de que o progresso científico seja verdadeiramenterespeitoso de cada ser humano, ao qual é reconhecida a dignidade da pessoa,sendo criado à imagem de Deus. O estudo sobre tais temáticas, que tem empenhadode modo especial vossa Assembléia nestes dias, contribuirá certamente apromover a formação da consciência de muitos de nossos irmãos, segundo o quantoafirma o estabelecido pelo Concílio Vaticano II na Declaração DignitatisHumanae: “Os fiéis… para formarem a sua própria consciência, devem atenderdiligentemente à doutrina sagrada e certa da Igreja. Pois, por vontade deCristo, a Igreja Católica é mestra da verdade, e tem por encargo dar a conhecere ensinar autenticamente a Verdade que é Cristo, e ao mesmo tempo declara econfirma, com a sua autoridade, os princípios de ordem moral que dimanam danatureza humana” (n. 14).