Formação

A palavra de Deus na vida eclesial

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Encontrar a Palavra de Deus na Sagrada Escritura

 72. Se é verdade que a liturgia constitui o lugarprivilegiado para a proclamação, escuta e celebração da Palavra de Deus, éigualmente verdade que este encontro deve ser preparado nos corações dos fiéise sobretudo por eles aprofundado e assimilado. De facto, a vida cristãcaracteriza-se essencialmente pelo encontro com Jesus Cristo que nos chama asegui-Lo. Por isso, o Sínodo dos Bispos afirmou várias vezes a importância dapastoral nas comunidades cristãs como âmbito apropriado onde percorrer umitinerário pessoal e comunitário relativo à Palavra de Deus, de modo que estaesteja verdadeiramente no fundamento da vida espiritual. Juntamente com os Padressinodais, expresso o vivo desejo de que floresça «uma nova estação de maioramor pela Sagrada Escritura da parte de todos os membros do Povo de Deus, demodo que, a partir da sua leitura orante e fiel no tempo, se aprofunde aligação com a própria pessoa de Jesus».[248]

 Na história da Igreja, não faltam recomendações dos Santossobre a necessidade de conhecer a Escritura para crescer no amor de Cristo.Trata-se de um dado particularmente evidente nos Padres da Igreja. SãoJerónimo, grande «enamorado» da Palavra de Deus, interrogava-se: «Como seriapossível viver sem o conhecimento das Escrituras, se é por elas que se aprendea conhecer o próprio Cristo, que é a vida dos crentes?».[249] Estava bem cientede que a Bíblia é o instrumento «pelo qual diariamente Deus fala aoscrentes».[250] Eis os conselhos que ele dava a Leta, uma matrona romana, para aeducação da filha: «Assegura-te de que ela estude diariamente alguma passagemda Escritura. (…) À oração faça seguir a leitura, e à leitura a oração. (…) Queem vez das jóias e dos vestidos de seda, ame os Livros divinos».[251] Permaneceválido para nós aquilo que São Jerónimo escrevia ao sacerdote Nepociano: «Lêcom muita frequência as Escrituras divinas; mais ainda, que as tuas mãos nuncaabandonem o Livro sagrado. Aprende nele o que deves ensinar».[252] Seguindo oexemplo deste grande Santo que dedicou a sua vida ao estudo da Bíblia, tendodado à Igreja a tradução latina chamada Vulgata, e de todos os Santos quecolocaram no centro da sua vida espiritual o encontro com Cristo, renovemos onosso compromisso de aprofundar a Palavra que Deus deu à Igreja; poderemosassim tender para aquela «medida alta da vida cristã ordinária»,[253] desejadapelo Papa João Paulo II no início do terceiro milénio cristão, que se alimentaconstantemente na escuta da Palavra de Deus.

 73. A animação bíblica da pastoral

 Nesta linha, o Sínodo convidou a um esforço pastoralparticular para que a Palavra de Deus apareça em lugar central na vida daIgreja, recomendando que «se incremente a “pastoral bíblica”, não emjustaposição com outras formas da pastoral mas como animação bíblica dapastoral inteira».[254] Não se trata simplesmente de acrescentar qualquerencontro na paróquia ou na diocese, mas de verificar que, nas actividades habituaisdas comunidades cristãs, nas paróquias, nas associações e nos movimentos, setenha realmente a peito o encontro pessoal com Cristo que Se comunica a nós nasua Palavra. Dado que «a ignorância das Escrituras é a ignorância deCristo»,[255] então podemos esperar que a animação bíblica de toda a pastoralordinária e extraordinária levará a um maior conhecimento da Pessoa de Cristo,Revelador do Pai e plenitude da Revelação divina.

 Por isso exorto os pastores e os fiéis a terem em conta aimportância desta animação: será o modo melhor também de enfrentar algunsproblemas pastorais referidos durante a assembleia sinodal, ligados por exemploà proliferação de seitas, que difundem uma leitura deformada einstrumentalizada da Sagrada Escritura. Quando não se formam os fiéis numconhecimento da Bíblia conforme à fé da Igreja no sulco da sua Tradição viva,deixa-se efectivamente um vazio pastoral, onde realidades como as seitas podemencontrar fácil terreno para lançar raízes. Por isso é necessário prover tambéma uma preparação adequada dos sacerdotes e dos leigos, para poderem instruir oPovo de Deus na genuína abordagem das Escrituras.

 Além disso, como foi sublinhado durante os trabalhossinodais, é bom que, na actividade pastoral, se favoreça também a difusão depequenas comunidades, «formadas por famílias ou radicadas nas paróquias ouainda ligadas aos diversos movimentos eclesiais e novas comunidades»,[256] nasquais se promova a formação, a oração e o conhecimento da Bíblia segundo a féda Igreja.

 Dimensão bíblica da catequese

 74. Um momento importante da animação pastoral da Igreja,onde se pode sapientemente descobrir a centralidade da Palavra de Deus, é acatequese, que, nas suas diversas formas e fases, sempre deve acompanhar o Povode Deus. O encontro dos discípulos de Emaús com Jesus, descrito peloevangelista Lucas (cf. L c 24, 13-35), representa em certo sentido o modelo deuma catequese em cujo centro está a «explicação das Escrituras», que somenteCristo é capaz de dar (cf. L c 24, 27-28), mostrando o seu cumprimento em Simesmo.[257] Assim, renasce a esperança, mais forte do que qualquer revés, quefaz daqueles discípulos testemunhas convictas e credíveis do Ressuscitado.

 No Directório Geral da Catequese, encontramos válidasindicações para animar biblicamente a catequese e, para elas, de bom gradoremeto.[258] Neste momento, desejo principalmente sublinhar que a catequese«tem de ser impregnada e embebida de pensamento, espírito e atitudes bíblicas eevangélicas, mediante um contacto assíduo com os próprios textos sagrados; erecordar que a catequese será tanto mais rica e eficaz quanto mais ler ostextos com a inteligência e o coração da Igreja»[259] e quanto mais se inspirarna reflexão e na vida bimilenária da mesma Igreja. Por isso, deve-se encorajaro conhecimento das figuras, acontecimentos e expressões fundamentais do textosagrado; com tal finalidade, pode ser útil a memorização inteligente de algumaspassagens bíblicas particularmente expressivas dos mistérios cristãos. Aactividade catequética implica sempre abeirar-se das Escrituras na fé e naTradição da Igreja, de modo que aquelas palavras sejam sentidas vivas, comoCristo está vivo hoje onde duas ou três pessoas se reúnem em seu nome (cf. Mt18, 20). A catequese deve comunicar com vitalidade a história da salvação e osconteúdos da fé da Igreja, para que cada fiel reconheça que a sua vida pessoalpertence também àquela história.

 Nesta perspectiva, é importante sublinhar a relação entre aSagrada Escritura e o Catecismo da Igreja Católica, como afirma o DirectórioGeral da Catequese: «A Sagrada Escritura, como “Palavra de Deus escrita sob ainspiração do Espírito Santo”, e o Catecismo da Igreja Católica, enquantoimportante expressão actual da Tradição viva da Igreja e norma segura para oensino da fé, são chamados a fecundar a catequese na Igreja contemporânea, cadaum segundo o seu próprio modo e a sua autoridade específica».[260]

 Formação bíblica dos cristãos

 75. Para se alcançar o objectivo desejado pelo Sínodo deconferir maior carácter bíblico a toda a pastoral da Igreja, é necessário queexista uma adequada formação dos cristãos e, em particular, dos catequistas. Aeste propósito, é preciso prestar atenção ao apostolado bíblico, método muitoválido para se atingir tal finalidade, como demonstra a experiência eclesial.Além disso, os Padres sinodais recomendaram que se estabeleçam, possivelmenteatravés da valorização de estruturas académicas já existentes, centros deformação para leigos e missionários, nos quais se aprenda a compreender, vivere anunciar a Palavra de Deus e, onde houver necessidade, constituam-seInstitutos especializados em estudos bíblicos a fim de dotarem os exegetas deuma sólida compreensão teológica e uma adequada sensibilidade para os ambientesda sua missão.[261]

 76. A Sagrada Escritura nos grandes encontros eclesiais

 Entre as múltiplas iniciativas que podem ser tomadas, oSínodo sugere que nos encontros, tanto a nível diocesano como nacional ouinternacional, se ponha em maior evidência a importância da Palavra de Deus, dasua escuta e da leitura crente e orante da Bíblia. Por isso, no âmbito dosCongressos Eucarísticos, nacionais e internacionais, das Jornadas Mundiais daJuventude e de outros encontros poder-se-á louvavelmente reservar maior espaçopara celebrações da Palavra e para momentos de formação de carácterbíblico.[262]

 Palavra de Deus e vocações

 77. O Sínodo, quando sublinhou a exigência intrínseca quetem a fé de aprofundar a relação com Cristo, Palavra de Deus entre nós, quistambém evidenciar que esta Palavra chama cada um em termos pessoais, revelandoassim que a própria vida é vocação em relação a Deus. Isto significa que quantomais aprofundarmos a nossa relação pessoal com o Senhor Jesus, tanto mais nosdamos conta de que Ele nos chama à santidade, através de opções definitivas,pelas quais a nossa vida responde ao seu amor, assumindo funções e ministériospara edificar a Igreja. É neste horizonte que se entendem os convites feitospelo Sínodo a todos os cristãos para aprofundarem a relação com a Palavra deDeus, não só como baptizados mas também enquanto chamados a viver segundo osdiversos estados de vida. Aqui tocamos um dos pontos fundamentais da doutrinado Concílio Vaticano II, que sublinhou a vocação à santidade de todo o fiel, cadaum no seu próprio estado de vida.[263] Na Sagrada Escritura, encontramosrevelada a nossa vocação à santidade: «Sede santos, porque Eu, o Senhor vossoDeus, sou santo» (cf. Lv 11, 44; 19, 2; 20, 7). Depois São Paulo põe emevidência a sua raiz cristológica: o Pai, em Cristo, «escolheu-nos, antes daconstituição do mundo, para sermos santos e imaculados diante dos seus olhos»(Ef 1, 4). Deste modo podemos tomar como dirigida a cada um de nós a saudaçãodele aos irmãos e irmãs da comunidade de Roma: «A todos os amados de Deus (…),chamados à santidade: Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai,e da do Senhor Jesus Cristo» (Rm 1, 7).

 a) Palavra de Deus e Ministros Ordenados

 78. Dirigindo-me em primeiro lugar aos Ministros Ordenadosda Igreja, recordo-lhes o que afirmou o Sínodo: «A Palavra de Deus éindispensável para formar o coração de um bom pastor, ministro daPalavra».[264] Bispos, presbíteros e diáconos não podem de forma alguma pensarviver a sua vocação e missão sem um decidido e renovado compromisso desantificação, que tem um dos seus pilares no contacto com a Bíblia.

 79. Àqueles que foram chamados ao episcopado e que são osanunciadores primeiros e com maior autoridade da Palavra, desejo reafirmar oque o Papa João Paulo II deixou escrito na Exortação apostólica pós-sinodalPastores gregis: Para nutrir e fazer crescer a vida espiritual, o Bispo devecolocar sempre em «primeiro lugar a leitura e a meditação da Palavra de Deus.Cada Bispo deverá sempre confiar-se e sentir-se confiado “a Deus e à palavra dasua graça que tem o poder de construir o edifício e de conceder parte naherança com todos os santificados” (Act 20, 32). Por isso, antes de sertransmissor da Palavra, o Bispo, como os seus sacerdotes e como qualquer fiel –mais ainda, como a própria Igreja – deve ser ouvinte da Palavra. Deve de certomodo estar “dentro” da Palavra, para deixar-se guardar e nutrir dela como de umventre materno».[265] À imitação de Maria, Virgo audiens e Rainha dosApóstolos, recomendo a todos os irmãos no episcopado a leitura pessoalfrequente e o estudo assíduo da Sagrada Escritura.

 80. Quanto aos sacerdotes, quero apontar-lhes as palavras doPapa João Paulo II, quando, na Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabovobis, recordou que, «antes de mais, o sacerdote é ministro da Palavra de Deus,é consagrado e enviado a anunciar a todos o Evangelho do Reino, chamando cadahomem à obediência da fé e conduzindo os crentes a um conhecimento e comunhãosempre mais profundos do mistério de Deus, revelado e comunicado a nós emCristo. Por isso, o próprio sacerdote deve ser o primeiro a desenvolver umagrande familiaridade pessoal com a Palavra de Deus: não basta conhecer oaspecto linguístico ou exegético, sem dúvida necessário; é preciso abeirar-seda Palavra com coração dócil e orante, a fim de que ela penetre a fundo nosseus pensamentos e sentimentos e gere nele uma nova mentalidade – “o pensamentode Cristo” (1 Cor 2, 16)».[266] E consequentemente as suas palavras, as suasopções e atitudes devem ser cada vez mais uma transparência, um anúncio e umtestemunho do Evangelho; «só “permanecendo” na Palavra, é que o presbítero setornará perfeito discípulo do Senhor, conhecerá a verdade e será realmentelivre».[267]

 Em suma, a vocação ao sacerdócio requer que sejamconsagrados «na verdade». O próprio Jesus formula esta exigência referindo-seaos seus discípulos: «Consagra-os na verdade. A tua palavra é a verdade. Assimcomo Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os envio ao mundo» (Jo 17, 17-18). Osdiscípulos, de certo modo, «são atraídos para a intimidade de Deus por meio dasua imersão na Palavra divina. Esta é, por assim dizer, o banho que ospurifica, o poder criador que os transforma no ser de Deus».[268] E visto que opróprio Cristo é a Palavra de Deus feita carne (cf. Jo 1, 14), é «a Verdade»(Jo 14, 6), então a oração de Jesus ao Pai «consagra-os na verdade» quer dizerfundamentalmente: «Torna-os um só comigo. Une-os a Mim. Atrai-os para dentro deMim. E de facto, em última análise, há apenas um único sacerdote da NovaAliança: o próprio Jesus Cristo».[269] É necessário, pois, que os sacerdotesrenovem sempre mais profundamente em si a consciência desta realidade.

 81. Quero referir-me também ao lugar da Palavra de Deus navida daqueles que são chamados ao diaconado, não só como grau prévio da Ordemdo Presbiterado, mas também enquanto serviço permanente. O Directório para odiaconado permanente afirma que «da identidade teológica do diácono derivam comclareza os traços da sua espiritualidade específica, que se apresentaessencialmente como espiritualidade de serviço. O modelo por excelência éCristo servo, que viveu totalmente ao serviço de Deus, para o bem doshomens».[270] Nesta perspectiva, compreende-se como, nas várias dimensões doministério diaconal, um «elemento caracterizador da espiritualidade diaconalseja a Palavra de Deus, que o diácono é chamado a anunciar com autoridade,acreditando naquilo que proclama, ensinando aquilo que acredita, vivendo aquiloque ensina».[271] Por isso recomendo aos diáconos que incrementem uma leituracrente da Sagrada Escritura na própria vida com o estudo e a oração. Sejaminiciados na Sagrada Escritura e na sua recta interpretação, na mútua relaçãoentre a Escritura e a Tradição, e particularmente na utilização da Escritura napregação, na catequese e na actividade pastoral em geral.[272]

 b) Palavra de Deus e candidatos às Ordens Sacras

 82. O Sínodo deu particular atenção ao papel decisivo daPalavra de Deus na vida espiritual dos candidatos ao sacerdócio ministerial:«Os candidatos ao sacerdócio devem aprender a amar a Palavra de Deus. Por isso,seja a Escritura a alma da sua formação teológica, evidenciando a circularidadeindispensável entre exegese, teologia, espiritualidade e missão».[273] Osaspirantes ao sacerdócio ministerial são chamados a uma profunda relaçãopessoal com a Palavra de Deus, particularmente na lectio divina, porque é detal relação que se alimenta a sua vocação: é com a luz e a força da Palavra deDeus que pode ser descoberta, compreendida, amada e seguida a respectivavocação e levada a cabo a própria missão, alimentando no coração os pensamentosde Deus, de modo que a fé, como resposta à Palavra, se torne o novo critério dejuízo e avaliação dos homens e das coisas, dos acontecimentos e dosproblemas.[274]

 Esta atenção à leitura orante da Escritura não deve, de modoalgum, alimentar uma dicotomia com o estudo exegético que se requer durante otempo da formação. O Sínodo recomendou que os seminaristas sejam concretamenteajudados a ver a relação entre o estudo bíblico e a oração com a Escritura. Oestudo das Escrituras deve torná-los mais conscientes do mistério da revelaçãodivina e alimentar uma atitude de resposta orante ao Senhor que fala. Por suavez, uma vida autêntica de oração não poderá deixar de fazer crescer, na almado candidato, o desejo de conhecer cada vez mais a Deus que Se revelou na suaPalavra como amor infinito. Por isso, dever-se-á procurar com o máximo cuidadoque, na vida dos seminaristas, se cultive esta reciprocidade entre estudo eoração. Para tal objectivo, é útil que os candidatos sejam iniciados no estudoda Sagrada Escritura segundo métodos que favoreçam esta abordagem integral.

 c) Palavra de Deus e vida consagrada

 83. Relativamente à vida consagrada, o Sínodo lembrou emprimeiro lugar que esta «nasce da escuta da Palavra de Deus e acolhe oEvangelho como sua norma de vida».[275] Deste modo, viver no seguimento deCristo casto, pobre e obediente é uma «“exegese” viva da Palavra de Deus».[276]O Espírito Santo, por cuja virtude foi escrita a Bíblia, é o mesmo que ilumina«a Palavra de Deus, com nova luz, para os fundadores e fundadoras. Dela brotoucada um dos carismas e dela cada regra quer ser expressão»,[277] dando origem aitinerários de vida cristã marcados pela radicalidade evangélica.

 Desejo lembrar que a grande tradição monástica sempre tevecomo factor constitutivo da própria espiritualidade a meditação da SagradaEscritura, particularmente na forma da lectio divina. De igual modo, hoje, asrealidades antigas e novas de especial consagração são chamadas a serverdadeiras escolas de vida espiritual onde se há-de ler as Escrituras segundoo Espírito Santo na Igreja, de modo que todo o Povo de Deus disso mesmo possabeneficiar. Por isso, o Sínodo recomenda que nunca falte nas comunidades devida consagrada uma sólida formação para a leitura crente da Bíblia.[278]

 Desejo fazer-me eco da solicitude e gratidão que o Sínodoexprimiu pelas formas de vida contemplativa, que, pelo seu carisma específico,dedicam boa parte das suas jornadas a imitar a Mãe de Deus que meditavaassiduamente as palavras e os factos do seu Filho (cf. L c 2, 19.51) e Maria deBetânia que, sentada aos pés do Senhor, escutava a sua palavra (cf. L c 10,38). Penso de modo particular nos monges e monjas de clausura que, sob a formade separação do mundo, se encontram mais intimamente unidos a Cristo, coraçãodo mundo. A Igreja tem extrema necessidade do testemunho de quem se comprometea «nada antepor ao amor de Cristo».[279] Com frequência, o mundo actual vivedemasiadamente absorvido pelas actividades exteriores, onde corre o risco de seperder. As mulheres e os homens contemplativos, com a sua vida de oração, deescuta e meditação da Palavra de Deus lembram-nos que não só de pão vive ohomem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (cf. Mt 4, 4). Por isso,todos os fiéis tenham bem presente que uma tal forma de vida «indica ao mundode hoje o que é mais importante e, no fim de contas, a única coisa decisiva:existe uma razão última pela qual vale a pena viver, isto é, Deus e o seu amorimperscrutável».[280]

 d) Palavra de Deus e fiéis leigos

 84. O Sínodo concentrou muitas vezes a sua atenção nos fiéisleigos, agradecendo-lhes o generoso empenho com que difundem o Evangelho nosvários âmbitos da vida diária: no trabalho, na escola, na família e naeducação.[281] Tal obrigação, que deriva do baptismo, deve poder desenrolar-seatravés de uma vida cristã cada vez mais consciente e capaz de dar «razão daesperança» que vive em nós (cf. 1 Pd 3, 15). Jesus, no Evangelho de Mateus,indica que «o campo é o mundo, a boa semente são os filhos do Reino» (13, 38).Estas palavras aplicam-se de modo particular aos leigos cristãos, que realizama própria vocação à santidade com uma vida segundo o Espírito que se exprime«de forma peculiar na sua inserção nas realidades temporais e na suaparticipação nas actividades terrenas».[282] Precisam de ser formados adiscernir a vontade de Deus por meio de uma familiaridade com a Palavra deDeus, lida e estudada na Igreja, sob a guia dos legítimos Pastores. Possam elesbeber esta formação nas escolas das grandes espiritualidades eclesiais, em cujaraiz está sempre a Sagrada Escritura. As próprias dioceses, na medida das suaspossibilidades, proporcionem oportunidades de uma tal formação aos leigos comparticulares responsabilidades eclesiais.[283]

 e) Palavra de Deus, matrimónio e família

 85. O Sínodo sentiu necessidade de sublinhar também arelação entre Palavra de Deus, matrimónio e família cristã. Com efeito, «com oanúncio da Palavra de Deus, a Igreja revela à família cristã a sua verdadeiraidentidade, o que ela é e deve ser segundo o desígnio do Senhor».[284] Porisso, nunca se perca de vista que a Palavra de Deus está na origem domatrimónio (cf. Gn 2, 24) e que o próprio Jesus quis incluir o matrimónio entreas instituições do seu Reino (cf. Mt 19, 4-8), elevando a sacramento o queoriginalmente estava inscrito na natureza humana. «Na celebração sacramental, ohomem e a mulher pronunciam uma palavra profética de doação recíproca: ser “umasó carne”, sinal do mistério da união de Cristo e da Igreja (cf. Ef 5,31-32)».[285] A fidelidade à Palavra de Deus leva também a evidenciar que hojeesta instituição encontra-se, em muitos aspectos, sujeita a ataques pelamentalidade corrente. Perante a difundida desordem dos sentimentos e o despontarde modos de pensar que banalizam o corpo humano e a diferença sexual, a Palavrade Deus reafirma a bondade originária do ser humano, criado como homem e mulhere chamado ao amor fiel, recíproco e fecundo.

 Do grande mistério nupcial deriva uma imprescindívelresponsabilidade dos pais em relação aos seus filhos. De facto, pertence àautêntica paternidade e maternidade a comunicação e o testemunho do sentido davida em Cristo: através da fidelidade e unidade da vida familiar, os esposossão, para os seus filhos, os primeiros anunciadores da Palavra de Deus. Acomunidade eclesial deve sustentá-los e ajudá-los a desenvolverem a oração emfamília, a escuta da Palavra, o conhecimento da Bíblia. Por isso, o Sínododeseja que cada casa tenha a sua Bíblia e a conserve em lugar digno para poderlê-la e utilizá-la na oração. A ajuda necessária pode ser fornecida porsacerdotes, diáconos e leigos bem preparados. O Sínodo recomendou também aformação de pequenas comunidades entre famílias, onde se cultive a oração e ameditação em comum de trechos apropriados da Sagrada Escritura.[286] Os espososlembrem-se de que «a Palavra de Deus é um amparo precioso inclusive nasdificuldades da vida conjugal e familiar».[287]

 Neste contexto, quero evidenciar as recomendações do Sínodoquanto à função das mulheres relativamente à Palavra de Deus. A contribuição do«génio feminino» – assim lhe chamava o Papa João Paulo II[288] – para oconhecimento da Escritura e para a vida inteira da Igreja é hoje maior do queno passado e tem a ver com o campo dos próprios estudos bíblicos. De modoespecial, o Sínodo deteve-se sobre o papel indispensável das mulheres nafamília, na educação, na catequese e na transmissão dos valores. Com efeito,elas «sabem suscitar a escuta da Palavra, a relação pessoal com Deus ecomunicar o sentido do perdão e da partilha evangélica»,[289] como também serportadoras de amor, mestras de misericórdia e construtoras de paz,comunicadoras de calor e humanidade num mundo que demasiadas vezes se limita aavaliar as pessoas com os critérios frios da exploração e do lucro.

Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini –Introdução »

I Parte:
O Deus que fala »
Cristologia da Palavra »
A Palavra de Deus e o Espírito Santo »
Deus Pai, fonte e origem da Palavra »
A hermenêutica da Sagrada Escritura na Igreja »
O perigo do dualismo e a hermenêutica secularizada »
A relação entre Antigo e Novo Testamento »
Diálogo entre Pastores, teólogos e exegetas »

II – Parte:
A Igreja acolhe a Palavra »
A sacramentalidade da Palavra »
A palavra de Deus na vida eclesial »
Leitura orante da Sagrada Escritura e "lectio divina" »

III-Parte
A missão da Igreja: anunciar a palavra de Deus ao mundo »
Palavra de Deus e compromisso no mundo »
Anúncio da Palavra de Deus e os migrantes »
A Sagrada Escritura nas diversas expressões artísticas »
Palavra de Deus e diálogo inter-religioso »

Conclusão
A palavra definitiva de Deus »


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