É muito comum se ouvir na TV, se ler na mídia impressa e virtual ou mesmo em conversas informais sobre o empoderamento feminino. É uma expressão que cai bem, é politicamente correta e pretende apontar para a independência e força das mulheres, para o papel que têm de transformação em todos os ambientes onde se encontram. Sabemos, e isso é fato, que muitas vezes e em várias realidades humanas ao redor do mundo as mulheres são e foram menosprezadas e maltratadas pelo simples fato de terem nascido mulheres.
A origem da expressão tornada comum no linguajar atual e já presente nos dicionários tradicionais da língua portuguesa, vem do inglês ‘empowerment’, foi o educador Paulo Freire que a usou como neologismo a primeira vez e a expressão tomou força a partir de 2011. O significado original fala de delegação de poder, de emancipação e de fortalecimento.
Contudo, podemos observar que o termo empoderamento traz em si algo de artificial e inadequado, pois se eu sou “empoderada” significa que alguém me concedeu poder e me fez poderosa. Trata-se, portanto, de algo externo e não intrínseco que nasce da essência do ser feminino; e se uma mulher precisa ser “empoderada” por alguém, mesmo que seja por outra mulher, significaria que ela não tem valor em si mesma. O empoderamento, portanto, reforça a desqualificação da mulher ao invés de baní-la.
Mas a verdade é que esta expressão usada para proteger as minorias e, nelas, as mulheres – daí o empoderamento feminino -, além de artificial é profundamente limitado e carregado de interpretações ideológicas que não levam em conta a antropologia feminina. E pior, não leva de fato as mulheres a conhecerem sua essência, a viverem com mais dignidade e se sentirem mais valorizadas.
Em 1927 numa conferência sobre o “valor específico da mulher”, a filósofa alemã Edith Stein [1] fez algumas observações muito uteis em relação à situação feminina:
No começo do movimento feminista, o grande slogan era: emancipação. O termo soa um tanto patético e revolucionário: uma libertação dos grilhões da escravatura. Dito de uma maneira menos grandiloquente era essa a exigência: eliminação dos laços que impediam a formação e a atividade profissional da mulher, abertura das alternativas de formação e das profissões reservadas aos homens. A libertação deveria vir para as aptidões e as forças pessoais da mulher, porque em muitos casos tinham que definhar por falta de oportunidade para exercê-las. (…). Por outro lado, se objetava que a mulher, por causa de sua peculiaridade, era incapaz de exercer as profissões masculinas. As feministas contestaram enfaticamente essa afirmação e no calor da luta chegaram até a negar a peculiaridade feminina. Era a maneira mais simples de eliminar o argumento da incapacidade. Com isso, excluía-se naturalmente a possibilidade de falar em valor próprio. De fato, o maior objetivo consistia em igualar a mulher ao homem, na maneira do possível, em todos os campos.[2]
Edith Stein ainda constata que quando as mulheres começaram a ter suas reinvindicações atendidas, as tensões amainaram e foi possível julgar a realidade com mais objetividade; assim, aqueles que negavam a peculiaridade feminina provaram de forma dolorosa a evidência de que existe uma peculiaridade feminina, por força da sua essência. E mesmo quando uma mulher abraça uma profissão tipicamente masculina, “ela consegue transformar a profissão masculina em feminina” e essa maneira própria de ser da mulher é um valor em si.[3]
Quem pode dar poder à mulher? Ou melhor, a mulher tem algum poder que nunca lhe foi tirado, independente das circunstâncias? Alguém dos nossos dias e bem anterior a Paulo Freire falou das mulheres com maestria e lhes cunhou uma expressão e elogio que deveria também fazer parte do vocabulário de jornalistas e escritores, de professores e cidadãos comuns. Estou falando da expressão gênio feminino criada pelo Papa João Paulo II na carta Mulieris Dignitatem de agosto de 1988. Vale a pena reler o parágrafo da carta onde a expressão surge pela primeira vez:
Na nossa época, os sucessos da ciência e da técnica consentem alcançar, num grau até agora desconhecido, um bem-estar material que, enquanto favorece alguns, conduz outros à marginalização. Desse modo, este progresso unilateral pode comportar também um gradual desaparecimento da sensibilidade pelo homem, por aquilo que é essencialmente humano. Neste sentido, sobretudo os nossos dias aguardam a manifestação daquele gênio da mulher que assegure a sensibilidade pelo homem em toda circunstância: pelo fato de ser homem![4]
Também na Carta às mulheres, de junho de 1995, escreve:
Mais importante ainda é a dimensão ético-social, que diz respeito às relações humanas e aos valores do espírito: e, nesta dimensão, frequentemente desenvolvida sem alarde, a partir das relações quotidianas entre as pessoas, especialmente dentro da família, a sociedade é em larga medida devedora, precisamente ao gênio da mulher.[5]
E o Papa discorre nos parágrafos seguintes sobre o que significa ao longo da história esse gênio feminino que se traduz num único verbo: a capacidade feminina de servir. A genialidade feminina gerou mulheres extraordinárias em várias esferas do saber humano, mas por fazer parte essencial de toda alma feminina ela está presente em potência em todas as mulheres, pois a genialidade feminina se traduz em serviço!
Também Edith Stein, partindo da narrativa bíblica sobre a criação, declara que a missão da mulher, que segundo o relato do Gênesis foi colocada ao lado do homem como ezer, como uma ajudante à altura,
não se resume à participação em suas causas, é necessário também que ela o complemente e neutralize os riscos acarretados pela natureza especificamente masculina (com suas diversas formas individuais) . Cabe a ela cuidar com todo o empenho que ele não se perca completamente em seu trabalho profissional, que sua humanidade não se atrofie e que não descuide de seus deveres de pai de família. Ela estará tanto mais à altura dessa função quanto mais amadurecida estiver a sua própria personalidade, e isso exige que ela não se perca a si mesma na convivência com o marido, que desenvolva antes seus próprios dons e poderes.[6]
Stein ainda individua uma tríplice vocação da mulher e reafirma que as três dimensões são interligadas entre si: a vocação humana geral, a vocação individual de cada pessoa, e a vocação especial da mulher (que ela denomina peculiaridade feminina). Contudo, quando a mulher se afasta da verdade revelada na Palavra de Deus e do Seu efeito ao longo da história, nas mais diferentes culturas e centenas de gerações, acaba por abandonar paulatinamente essa referência do serviço (ezer), e se perde da própria essência.
Eis a força e o poder da mulher, de toda mulher! E é necessário que “seja colocado realmente em devido relevo o gênio da mulher, tendo em conta não somente as mulheres grandes e famosas, do passado ou nossas contemporâneas, mas também as mulheres simples, que exprimem o seu talento feminino com o serviço aos outros na normalidade do quotidiano”[7].
Qual seria, portanto, o verdadeiro poder da mulher? Algo construído culturalmente em conformismo com estereótipos que a distancia da própria essência, ou seria essa peculiaridade que lhe é própria e em força da qual, pode tornar o mundo mais humano? Precisamos compreender que “é no doar-se aos outros na vida de cada dia, que a mulher encontra a profunda vocação da própria vida, ela que talvez mais que o próprio homem vê o homem, porque o vê com o coração”[8].
Por Elena Arreguy Sala
Mestre em Linguística Aplicada e Consagrada da Comunidade de Aliança Shalom
Notas
[1] Santa Teresa Benedita da Cruz.
[2] E. Stein, A mulher. Sua missão segundo a natureza e a graça, p.180.
[3] Cf. ibidem, p. 181.
[4] JOÃO PAULO II, Mulieris Dignitatem, 30.
[5] Idem, Carta às mulheres, 9.
[6] Ibidem, p. 130.
[7] Carta às mulheres, 12.
[8] Ibidem.
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