A vida é o maior dom que nos foi dado por Deus. E quando falamos de vida, não é uma referência simples à nossa vida biológica ou ao nosso dia a dia do acordar ao dormir. A vida é muito mais do que isso! É a vida humana na sua integralidade, tal como ela foi querida e criada por Deus. Esse é o mais importante e incontestável aspecto que faz da vida humana algo sagrado e inviolável em todas as suas fases e situações. A vida é um bem absoluto e indivisível.
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A vida humana faz parte de um plano divino, que deseja e sustenta cada vida para que esta chegue ao seu fim último. É em Deus que o ser humano encontra o sentido da sua vida. Quando nos damos conta de que Deus tem um plano para nós, entendemos o motivo de vivermos. Deus quer que todos os seus filhos progridam e se tornem mais semelhantes a Ele. O tempo que passamos na Terra dá-nos a oportunidade de desenvolver-nos e progredir. Este talento precisa dar muitos frutos, não pode ser enterrado. A vida do homem encerra uma infinidade de graças, de potencialidades. A partir dela o homem pode desenvolver-se, crescer, experimentar as suas capacidades, contribuir para o crescimento da humanidade e do mundo.
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Receber a vida de Deus, é receber um corpo e uma alma, utilizar o livre arbítrio para escolher entre o bem e o mal, ter a capacidade de tornar-se mais semelhante ao Pai e colaborar com o desenvolvimento dos nossos irmãos; do cuidar do outro enquanto pessoa confiada por Deus à sua responsabilidade.
Valor inestimável da vida humana
A vida humana tem em si mesma um valor inestimável. A vida humana é sempre um bem, mas infelizmente a maioria das pessoas não consegue reconhecê-lo. É imprescindível, para que o homem conduza de forma correta sua vida e a daqueles por quem é responsável, conhecer o valor da vida humana. As ameaças que hoje a vida humana está sujeita acontecem pelo fato de o homem não saber quem é, nem para que foi criado e qual o sentido de sua vida.
Existem alguns aspectos importantes que revelam a grandeza e o valor precioso da vida humana. Entre eles estão o fato de que a vida humana é um dom de Deus, de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança dEle, de que Jesus assumiu a vida humana e de que a vida humana é o alvo da misericórdia de Deus.
Só Deus é propriamente eterno, isto é, não tem princípio nem fim. Em Deus, não existe passado nem futuro, mas um presente imutável. Houve um momento que só Deus existia, mas quis criar o mundo sem utilizar nenhum material pré-existente. A criação inteira é fruto do amor e onipotência de Deus, mas Ele “não permanece apenas em estreita relação com o mundo, como Criador e fonte última da existência.
Ele também é Pai: está unido ao homem por ele chamado à existência no mundo visível, mediante um vínculo ainda mais profundo do que o da criação. É o amor que não só cria o bem, mas que faz com que se participe da própria vida de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Efetivamente, quem ama deseja dar-se a si próprio” (Dives in misericordia de João Paulo II, cap. V, item 7, pág. 42, Edições Paulinas, São Paulo, 1998).
Deus é o autor da vida
O Autor da vida é Deus. Só Deus pode dar a vida. Ele cria a vida do nada. Criar é uma prerrogativa só de Deus. Criar quer dizer “fazer que exista algo que antes não existia, tirando-o do nada”. Por si só, o homem não é capaz de dar a vida. O homem não pode criar, pode modificar, por exemplo, o curso de um rio, ou fabricar um tecido, um carro, construir uma casa. Deus criou o homem do nada: “Façamos o homem” (cf. Gn 1,26).
Deus moldou o homem com suas mãos. Fez o homem do barro, com o trabalho de suas mãos, com grande atenção, desvelo e ternura: “Então o Senhor Deus modelou o homem da argila do solo, soprou alento de vida em seu nariz, e o homem se transformou em ser vivo” (Gn 2,7). Deus criou o homem do barro e da água, criaturas inanimadas, sem alma e soprou sobre ele o “nefesh”, o sopro da vida. Deus deu ao homem uma alma só dele, alma bela, pura, santa, imaculada, feita para viver unida a Ele (cf. Ao amor da minha vida, Emmir Nogueira, Carta I, pág 13, Edições Shalom, Fortaleza, Brasil, 2004).
Deus criou a mulher, também do nada, apesar de tê-la criado a partir de um homem vivente, não precisava de nada disso para criá-la, porque Deus é Deus e tudo criou a partir do nada. A origem da mulher é Deus. Ele foi quem decidiu criá-la, como o homem, do nada.
Deus “criou cada homem fazendo dele um prodígio” (cf. Sl 139/138,14). Só pelo fato de a vida ser um dom de Deus já explica o valor inestimável da mesma. Por esta razão João Paulo II conclama o homem a ter um olhar contemplativo diante da vida e explica este olhar: “É o olhar de quem observa a vida em toda a sua profundidade, reconhecendo nela as dimensões de generosidade, beleza, apelo à liberdade e à responsabilidade. É o olhar de quem não pretende apoderar-se da realidade, mas a acolhe como um dom, descobrindo em todas as coisas o reflexo do Criador e em cada pessoa a sua imagem viva” (cf. Gn 1,27; Sl 8,6) (Evangelium Vitae, 83).
Criados à imagem e semelhança de Deus
Deus criou, por amor, o homem e a mulher do nada e os criou à sua imagem e semelhança. Tanto o homem como a mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança, e que ele submeta os peixes do mar, os pássaros do céu, os animais grandes, toda a terra e todos os animais pequenos que rastejam sobre a terra! Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou; criou-os macho e fêmea. Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos e prolíficos, enchei a terra e dominai-a. Submetei os peixes do mar, os pássaros do céu e todo animal que rasteja sobre a terra!”(Gn 1,26).
Ser criado à imagem e semelhança de Deus demonstra o amor profundo de Deus pelo homem, mas não basta ter sido criado, é necessário que o homem assuma esta imagem para manifestá-la ao mundo. É missão do homem ser imagem e semelhança de Deus. No princípio lhes foi recomendado, ao homem e a mulher, a função de conservar a imagem de Deus em si. O homem precisa assumir o seu ser de “pessoa” e respeitar os seus irmãos como “pessoas”, assumir a sua vocação para o amor, usar da sua liberdade para fazer a vontade de Deus, fazer sua opção sempre pelo bem, doar a sua vida, cuidar dos seus irmãos, centrar seus olhos nas coisas que não passam, mas nas eternas.
A encarnação eleva o corpo humano ao plano divino
Jesus assumiu a vida humana. “Pela sua encarnação, ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem” (Gaudium et Spes, 22). Neste acontecimento da salvação foi revelado à humanidade não só o amor infinito de Deus pelo homem, mas também o valor incomparável de cada pessoa humana.
Jesus assume o corpo humano e o eleva ao plano divino. Ao se fazer homem, Jesus não só valoriza a vida humana, como revela o seu valor. Ninguém assumiria uma situação que não fosse para ele algo de grande importância.
Diz João Paulo II: “A cada homem, sem exceção alguma, Cristo de algum modo se uniu, mesmo quando tal homem disso não se acha consciente: Cristo, morto e ressuscitado por todos os homens, a estes – a todos e a cada um dos homens – oferece sempre… a luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação” ( O Redentor do Homem, 14, pág. 42 – Edições Paulinas).
Valor sagrado da vida
Na encarnação o homem se reencontra com o valor sagrado de sua vida: “Nesta dimensão o homem reencontra a grandeza, a dignidade e o valor próprios da sua humanidade. No mistério da redenção o homem é novamente «reproduzido» e, de algum modo, é novamente criado. Ele é novamente criado! […] Que grande valor deve ter o homem aos olhos do Criador, se «mereceu ter um tal e tão grande Redentor», se «Deus deu o seu Filho», para que ele, o homem, «não pereça, mas tenha a vida eterna» (O Redentor do Homem, 10, págs. 26 e 27 – Edições Paulinas).
A redenção conquistada por Cristo “restituiu definitivamente ao homem a dignidade e o sentido da sua existência no mundo, sentido que ele havia perdido em considerável medida por causa do pecado” ( O Redentor do Homem, 10, pág. 27 – Edições Paulinas).
A misericórdia de Deus prova, também, a altíssima dignidade da vida humana. Ele, ao ver o filho pródigo que regressa a casa, inundado pelo seu amor “hesed”, amor que ama por causa do pecado, corre ao seu encontro, abraça-o e beija-o. Ele age assim impulsionado por um profundo afeto, mas a causa desta grande compaixão divina possui uma razão mais profunda.
João Paulo II diz: “O Pai sabe que o que se salvou foi um valor fundamental: o valor da humanidade de seu filho. Muito embora este tenha esbanjado a herança, a verdade é que sua humanidade está salva. E, mais ainda, essa, de algum modo, foi reencontrada. […] A fidelidade do Pai a si próprio está centralizada inteiramente na humanidade do filho perdido, na sua dignidade. […] …o amor que brota da própria essência da paternidade, quase que obriga o pai, se assim podemos nos exprimir, a ter solicitude pela dignidade do filho. […] Quando isto acontece, aquele que é objeto da misericórdia não se sente humilhado, mas como que reencontrado e «revalorizado» (A Misericórdia Divina, Cap. IV, 6, pág. 35 – Edições Paulinas).
Na mesma linha, pode-se acrescentar, que a misericórdia divina não difama aquele que recebe e nem ofende a dignidade do homem. A Igreja, através de João Paulo II, confirma isto: “A parábola do filho pródigo mostra que a realidade é diferente; a relação de misericórdia baseia-se na experiência comum daquele bem que é o homem, na experiência comum da dignidade que lhe é própria.[…]… por outro lado, para o pai, precisamente por isso, ele torna-se um bem particular (A Misericórdia Divina, Cap IV, pág. 36 – Edições Paulinas).
Ameaças à vida humana
O ser humano, a vida humana tem sido ameaçada por vários atos maus como a contracepção, a esterilização direta, a masturbação, as relações pré-matrimoniais, as relações homossexuais, a fecundação artificial, a clonagem, o aborto, a eutanásia, anorexia, bulimia, droga, suicídio, fome, tortura, guerra, sexo, procriação assistida… porque muitas pessoas estão mergulhadas na confusão do verdadeiro sentido e valor de sua própria vida.
O homem não tem o poder de apropriar-se da vida para decidir sobre ela, o homem não pode reivindicar para si a mais completa autonomia moral de decisão sobre a vida, o homem não pode dispor da própria vida e da dos outros como quer, porque o valor da vida não é relativo, não é um “bem simplesmente relativo, confrontada e ponderada com outros bens, segundo uma lógica proporcionalista ou de puro cálculo” (cf. Evangelium vitae, 68).
A vida é dom de Deus
Muitas pessoas afirmam que são “donas” de sua própria vida, portanto podem fazer dela o que quiserem. João Paulo II afirma: “A vida do homem provém de Deus, é dom seu, é imagem e figura dele, participação do seu sopro vital. Desta vida, portanto, Deus é o único Senhor: o homem não pode dispor dela. Deus mesmo o confirma a Noé, depois do dilúvio: «Ao homem, pedirei contas da vida do homem, seu irmão» (Gn 9,5). E o texto bíblico preocupa-se em sublinhar como a sacralidade da vida tem seu fundamento em Deus e na sua ação criadora: «Porque Deus fez o homem à sua imagem» (Gn 9,6) […] Portanto, a vida e a morte do homem estão nas mãos de Deus, em seu poder” (Evangelium Vitae, 39, Edições Paulinas).
No entanto, o que temos visto é que, diante da sua própria vida e a dos seus irmãos, não raramente o homem se apossa da liberdade que Deus deu a ele para fazer da vida, independente de Deus, o que quiser, mas a liberdade do homem só é autêntica liberdade se for baseada na verdade sobre o homem e sobre o mundo; verdade esta que não pode ser aparente, mas a verdade que Cristo trouxe ao homem.
Ter a vida nas mãos de Deus jamais será um risco, como alguns pensam, porque Deus é “amor em atos”, ou seja, tudo o que realiza é por amor. Todas as ações de Deus são amor. Deus age amando. Estar nas suas mãos, em seu poder, é estar em lugar seguro.
Dever de promover e defender a inviolabilidade da vida humana
A fé católica crê e professa que Cristo veio ao mundo assumir a vida do homem. Através deste ato sagrado, Cristo une a vida frágil do homem à vida divina. A vida humana une-se radicalmente à vida divina. Cristo revela o rosto de Deus através da vida humana e revela o rosto do homem na vida de Deus. Cristo defende a vida humana morrendo numa cruz. O homem tem o dever de promover e defender a vida em todas as circunstâncias que ela se encontrar, mas infelizmente o que temos visto é uma cultura de morte a negar o valor da vida e buscando insensibilizar a sociedade acerca de sua inviolabilidade e sacralidade. É preciso lutar contra todo tipo de ameaça, da insensibilidade do utilitarismo materialista à tirania do relativismo, usam todo tipo de contorcionismo para atribuir valor à vida ao invés de simplesmente reconhece-lo de forma intrínseca.
Como cristãos, não nos deixemos levar por uma modernidade sombria, cheia de facilidades revestidas de egoísmo, pelo individualismo, pelo esquecimento dos mais frágeis, abracemos a vida de Cristo que entregou livremente a sua vida para que todos nós tivéssemos vida e vida em abundância.
Renato Varges
Consagrado da Comunidade de Aliança
Especialista em Bioética
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