Celebramos há poucos dias a Exaltação da Santa Cruz, uma festa que nos obriga a parar um pouco e contemplar a cruz de Jesus, de onde vem a nossa salvação. Às vezes para manifestar a alegria da ressurreição de Jesus queremos eliminar a cruz da nossa vida buscando sempre mais viver sem dor, sem preocupações, sem conflitos, fugindo de Deus e de nós mesmos. Ou pior ainda, nos drogamos com paliativos de droga que geram dependência em nós, como aparente bem-estar social e pessoal, tentando roubar momentos de felicidade, que depois, em outros momentos, se fazem amargos e irresponsáveis. Redescobri o sentido da cruz não como algo doloroso, mas como caminho de vida, como diz a santa carmelita mártir do terror do nazismo Edith Stein, a ciência da cruz. Esta é a ciência que abre o caminho da verdadeira sabedoria já anunciada nos livros sagrados e amada por todos os santos. Ontem celebramos a Virgem Maria mãe das dores, ela que é mestra da ciência escondida na dor, que liberta os nossos corações de todas as amarguras. Um exercício saudável que podemos fazer todos os dias: contemplar o crucifixo e nele silenciosamente receberemos lições de amor e de paz. Nada mais importante para curar nossas feridas pessoais e comunitárias do que o remédio que nos vem da cruz: o perdão, a misericórdia e o amor. Quais são ou qual é a cruz deste momento na sua vida? Procure contemplar em silêncio com amor e repetir a jaculatória antiga: “da cruz vem a nossa salvação. ” Cruz santa, nossa esperança…. Carreguemos com alegria a cruz que somos nós mesmos, não sejamos cruz para os outros, e ajudemos, como bom Cireneu, os outros a carregarem a cruz.
Quem me acusa se aproxime
O trecho do cântico do servo sofredor de Javé é um cântico não de dor, mas de esperança que nasce da tranquilidade e da paz, da consciência de ter agido buscando a vontade de Deus, e tendo escutado a sua Palavra. O servo escuta e agradece a Deus por ter lhe dado um ouvido de discípulo, com o qual todos os dias pode escutar a Palavra que lhe é dirigida e transmiti-la com fidelidade aos outros. Esta é a missão do profeta: escutar, compreender e transmitir a mensagem de Deus aos que vivem com ele para que seja observada. A Palavra de Deus sempre nos conforta e nos desestabiliza e muda os nossos projetos. Quem vive a Palavra de Deus é normal que encontre resistência no mundo, que seja acusado, que não seja aceito. Em todas as dificuldades o servo do Senhor é assistido e protegido pelo mesmo Senhor, não necessita de advogados que o defendam, o seu advogado é o Senhor. Aliás, o servo é tão corajoso, que com uma série de perguntas, ainda chama os seus acusadores: ‘Quem decidirá brigar comigo? Quem me acusa? Que venha! ’ Uma das características dos profetas, dos servos de Deus é não ter medo, sabem que Deus os defenderá.
Palavra, anúncio e vida não podem ser separados
Neste domingo nos acompanha na segunda leitura o amigo apóstolo Tiago. Sabemos que suas palavras não são doces e nem ambíguas. Eu gosto de chamar Tiago de ‘Amós do Novo Testamento’, pois ele não tem papos na língua e fala com dureza contra um divórcio sempre atual entre Palavra, anúncio e vida. Não pode existir uma falsidade, deve existir comunhão e vivência. Para que serve falar de fé, anunciar Jesus se depois a nossa vida desmente tudo porque é uma vida incoerente? Palavras bonitas de compreensão, de amor e de ternura não diminuem o frio nem alimentam quem tem fome. Tiago sintetiza tudo isso com uma frase curta, mas que nos coloca em crise: que adianta alguém dizer que tem fé, quando não a põe em prática? Necessitamos fazer nascer um novo Cristianismo, um Cristianismo em saída, como define o Papa Francisco, ir ao encontro, buscar nas periferias existenciais os que se encontram nas favelas interiores e materiais, que têm medo de assentar no varal as próprias feridas. Precisamos abrir não só o coração aos que sofrem, mas também a casa e a carteira para tirar algum dinheiro e doá-lo a quem não tem nada.
Quem é Jesus? Só vendo as suas obras
As três leituras deste domingo nos pedem que sejamos pessoas mais contemplativas e mais ativas, dinâmicas no anúncio do Evangelho. Precisamos deixar de lado a frase que às vezes ainda escutamos: ‘eu rezo e você trabalha…’ As duas coisas andam juntas e sempre juntas. A cruz deve ser carregada tanto para quem reza quanto para quem anuncia o Evangelho. Como se reconhece Jesus? Só olhando a sua vida, uma vida de intimidade com o Pai, com a Palavra do Pai, sempre disponível e em sintonia com a finalidade, porque se fez carne e veio habitar entre nós. Pedro conhece o aspecto espiritual messiânico de Jesus: “Tu és o Messias, tu és aquele que esperávamos, tu és o Cristo…” Mas Pedro não consegue aceitar que Jesus deve sofrer e caminhar para a morte e tenta dissuadi-lo, mas recebe uma resposta dura: “Vai para longe de mim, Satanás! ” Como reconhecer Jesus? Contemplando a harmonia de sua vida. Nele não há divórcio entre o que diz, o que anuncia e o que vive. Essa maravilhosa comunhão e harmonia nos convida a rever à nossa maneira de agir. A Igreja em saída se desinstala de suas seguranças humanas, econômicas, sociais e corre para agir nos limites do mundo obscuro, onde muitos irmãos e irmãs por medo se refugiam à espera que alguém lhe anuncie esperança e alegria. Nesta luz compreendemos algo muito importante: todos os santos eram pessoas de oração e sentiram a necessidade de iniciar obras de caridade, como escolas, hospitais, casas de repouso para pessoas idosas…. Tudo isto é a fé que se faz ação e vida concreta…. Rezemos muito para agir muito.
Oração
Perdoa-me, Senhor, se tenho medo de não ser compreendido, de ser colocado à margem.
Perdoa-me se prefiro muitas vezes rezar a ir visitar os dentes, pessoas solitárias que choram e
não têm ninguém que as console. Perdoa-me se às vezes prefiro ir pelas estradas sem fazer nada
em vez de rezar.
Senhor, dai-me equilíbrio para unir fé, anúncio e vida, sem divórcio, mas em harmonia.
Que Maria, aquela que visita e que reza, nos ajude a fazer as duas coisas.
Amém!