“Ser cobertor do irmão” é uma expressão utilizada corriqueiramente entre os membros da Comunidade Shalom e que teve origem em um dos episódios dos escritos de São Francisco, I Fioretti, em que o santo, ao ouvir alguns de seus confrades falando mal de um terceiro irmão, aconselhou-os que, ao invés de expor os outros ao frio que provém dos julgamentos, seria preferível cobri-los com o cobertor do amor e da discrição que suporta as fraquezas e sempre crê que a conversão é possível.
Tal moção foi recordada por meio de uma visualização durante o último retiro de escuta do Conselho Geral da Comunidade. Deus mostrava membros da Comunidade caminhando e cobrindo outros irmãos com cobertores e mantas. Por meio dessa inspiração profética, o Senhor introduziu o tema da caridade naquele retiro sob uma nova perspectiva: Ele nos concedia a Caridade Divina ou a Caridade do Coração de Jesus para que cobríssemos uns aos outros com o consolo da Caridade de Cristo. E isso não é pouca coisa!
Leiamos juntos um trecho da Revista Escuta:
“Inflamados pela Sua Caridade, Ele nos envia para cobrirmos uns aos outros com o consolo da Caridade de Cristo. O envio para cobrir os irmãos com o manto da Caridade de Cristo é um mandato para irmos aos irmãos, de dentro e de fora da Comunidade, e exercer para com eles a Caridade do próprio Cristo. Trata-se de um tempo especial de caridade para nós, enquanto Comunidade”.
Mais adiante, Moysés Azevedo utilizou quatro verbos para descrever o modo como o Senhor nos pede para sermos “cobertores da Caridade” para com os nossos irmãos: cobrir, consolar, cuidar e curar. Aprendamos, assim, com o próprio Jesus, a viver em atos concretos o Seu mandato de Caridade: “Cobrir” significa também “proteger”.
Olhando para o ministério público de Jesus, recordemos o episódio da mulher apanhada em adultério (cf. Jo 8,1-11). A Palavra nos diz que os fariseus expuseram tal caso a Jesus para acusá-lo de descumprir a Lei (que exigia o apedrejamento de adúlteras) e pô-lo à prova (para atestar se permaneceria ou não fiel aos mandamentos mosaicos).
No entanto, Jesus inclinou-se à terra, abaixou-se enquanto os fariseus expunham os pecados daquela mulher e, ao levantar-se, cobriu-a com Sua Caridade Divina ao revelar a condição de fragilidade comum aos homens: “Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra” (v. 7).
A exemplo de Jesus, também nos abaixemos diante dos erros dos nossos irmãos, voltemos o nosso rosto ao chão e reflitamos acerca da nossa frágil condição pecadora. Certamente, tal atitude nos ajudará a proteger muito mais do que julgar; cobrir muito mais que expor; socorrer muito mais que condenar.
Consolo do Pai
“Consolar” quer dizer “aliviar o sofrimento ou a aflição dos outros”. Em meio aos grandes tormentos do tempo presente, quantas oportunidades temos de levar o consolo divino aos que estão enlutados, enfermos, famintos, desempregados, sozinhos, perdidos, abandonados?
Peçamos ao Pai que nos cumule com os mesmos sentimentos de Seu Filho: “Ao chegar perto da porta da cidade, eis que levavam um defunto a ser sepultado, filho único de uma viúva; acompanhava-a muita gente da cidade. Vendo-a o Senhor, movido de compaixão para com ela, disse-lhe: ‘Não chores!’ E, aproximando-se, tocou no esquife, e os que o levavam pararam. Disse Jesus: ‘Moço, eu te ordeno, levanta-te’. Sentou-se o que estivera morto e começou a falar, e Jesus entregou-o à sua mãe” (Lc 7,12-15).
Jesus, mesmo cercado por uma grande multidão, percebeu o sofrimento daquela pobre viúva, teve compaixão e consolou-a não apenas com palavras, mas concretamente tocando em seu maior sofrimento: o filho morto. Não tenhamos medo de tocar nos grandes sofrimentos da humanidade, pois é o Senhor que nos promete a Sua Caridade para consolar os nossos irmãos.
Ato de cuidar
Podemos dizer que o ato de “cuidar” resume-se ao gesto de estender a mão a alguém, fazendo-se próximo de quem necessita. Na maioria das vezes, o cuidado expressa-se nos atos cotidianos, nas pequenas “penitências de alegria” que podemos praticar em nosso dia a dia. No entanto, o cuidado que parte da Caridade de Cristo, apesar de praticado com simplicidade, toma ares extraordinários, pois tem sua fonte e finalidade no Amor Divino. A parábola do bom samaritano, contada por Jesus em Lc 10,25-37, é uma das mais belas narrativas sobre o cuidado que parte da misericórdia divina e que é ato capaz de cobrir as maiores fragilidades dos nossos irmãos.
A cura foi uma das linguagens mais recorrentes de Jesus. Paralíticos, cegos, leprosos, hidrópicos, epiléticos, endemoninhados, lunáticos, surdos, mudos, enfim, a lista é enorme. A Caridade de Jesus é o remédio divino capaz de curar cada homem ferido de morte pelo pecado. Foi isso que Ele demonstrou ao curar o paralítico, para atestar que oferecia não somente a cura para o corpo, mas principalmente para a alma, através da remissão dos pecados (cf. Mt 9,1-8).
O Senhor nos chama a também ministrar a cura que provém de Sua Caridade Divina aos que dela necessitam, portanto, não percamos essa grande oportunidade de ser purificados e santificados por esse movimento do Amor Divino em nós, principalmente neste tempo tão favorável da Quaresma. Uma graça imensa está sendo derramada em nossos corações para que avancemos um pouco mais em nosso processo de conversão e favoreçamos que outros também vivam tal experiência.