É comum a muitas pessoas a importância de votar nas eleições: quer seja pela disposição escrita na lei, quando diz que o poder emana do povo e é exercido por meio de representantes, quer seja pelo valor que o próprio cidadão dá ao poder de escolha que tem. Para os cristãos, entretanto, existe um terceiro ponto tão importante quanto os demais: aquilo que a Igreja nos prega a respeito do exercício ético do poder de voto.
Estamos a poucos dias das eleições municipais, ocasião em que escolheremos aqueles que exercerão o governo de nossa cidade pelos próximos quatro anos. Muito mais do que votar por votar, é essencial que a consciência nos induza a escolher candidatos que expressem o desejo de governar para o bem comum e promover o senso de coletividade.
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Pelo regime democrático em que vivemos no Brasil, quando votamos, estamos confiando a alguém um poder que é nosso. Esse poder nos insere no dever de colaborar para a construção de uma sociedade constantemente equilibrada, socialmente justa e que trabalha para criar campo fértil aos direitos fundamentais: vida, educação, saúde, segurança pública, trabalho etc.
São João Paulo II, em sua encíclica “Christifideles Laici”, enquanto Papa, exortou os leigos consagrados a se engajarem nas esferas política, econômica e cultural, como forma de transformar o mundo à luz do Evangelho: “Novas situações, tanto eclesiais como sociais, econômicas, políticas e culturais, reclamam hoje, com uma força toda particular, a ação dos fiéis leigos. Se o desinteresse foi sempre inaceitável, o tempo presente torna-o ainda mais culpável. Não é lícito a ninguém ficar inativo. (…) Os fiéis leigos não podem absolutamente abdicar da participação na «política»”.
Bento XVI, na encíclica “Deus Caritas Est”, incentiva os cristãos a se envolverem na política como forma de expressão de fé e defesa da dignidade humana, justiça social e paz: “Embora as manifestações específicas da caridade eclesial nunca possam confundir-se com a atividade do Estado, no entanto a verdade é que a caridade deve animar a existência inteira dos fiéis leigos e, consequentemente, também a sua atividade política vivida como «caridade social»”.
Votar com ética
No mesmo caminho, a Doutrina Social da Igreja é categórica quando afirma que o voto é uma expressão da responsabilidade moral e ética de todo cidadão, especialmente os cristãos, que são chamados a participar da construção de uma sociedade justa e fraterna. Ao afirmar que “a consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a atuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos”, o Compêndio reforça a importância de obedecer à ética ao votar.
Tudo isso não significa dizer, porém, que a Igreja deve manter gerência ou criar competência institucional na administração pública de forma direta, mas lhe cabe a missão de conduzir seus fiéis a escolhas que observem a promoção humana e o desenvolvimento social, o que tem intimidade muito forte com a missão de evangelizar, que é natural de todo cristão.
Assim, votar com ética passa pela necessidade inegociável de conhecer não apenas o programa de governo ou mandato que o candidato apresenta, mas também conhecer o partido político ao qual ele está vinculado. Se programa e partido não conversam entre si, e ambos não conversam com a fé cristã, acende-se de imediato um sinal de alerta para o fato de que potencialmente esse candidato não é a melhor escolha segundo o que a Igreja acredita, propaga e orienta.
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Como bem afirmou Papa Francisco, em audiência geral ocorrida em setembro de 2020, “infelizmente, a política muitas vezes não goza de boa reputação, e nós sabemos porquê. Isto não significa que todos os políticos são maus, não, não pretendo dizer isto. Digo apenas que infelizmente a política, com frequência, não goza de boa fama. Contudo, não nos devemos resignar a esta visão negativa, mas reagir demonstrando com fatos que uma boa política é possível, aliás, indispensável, aquela que coloca no centro a pessoa humana e o bem comum”.
Além disso, é preciso conhecer qual o grau de intimidade do candidato com a transparência pública, uma vez que, ao ocupar posição de representação e administrar a máquina pública, ele deve satisfação a cada cidadão de como exerce o poder a ele confiado. Quando um agente político deixa de prestar contas à sociedade sobre o exercício do mandato, abre uma larga margem para as injustiças e, sobretudo, a corrupção, coisas que colidem com a coletividade e suas necessidades.
O que é a boa política para a Igreja Católica?
Ainda no entendimento do Santo Padre, na encíclica “Fratelli Tutti”, a melhor política é aquela colocada a serviço do verdadeiro bem comum, e traz uma esperançosa mensagem de que essa política é possível. “Com efeito, um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas, quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no «campo da caridade mais ampla, a caridade política». (…) O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político”.
O Pontífice, ainda na oportunidade da audiência em setembro de 2020, já afirmava essa possibilidade: “É possível na medida em que cada cidadão e, em particular, aqueles que assumem compromissos e encargos sociais e políticos, enraízam as suas ações em princípios éticos e as animam com amor social e político. Os cristãos, especialmente os fiéis leigos, são chamados a dar bom testemunho disto e podem fazê-lo através da virtude da caridade, cultivando a sua intrínseca dimensão social.”
O cristão, portanto, deve ser um verdadeiro colaborador na estruturação de uma sociedade inclusiva que respeite os direitos humanos, promova a qualidade de vida do cidadão, combata as desigualdades e propague a paz como instrumento de justiça social. Quando vota de forma ética, o cristão também evangeliza.