Corre-se o risco de, em nome de um falso amor a Deus, começar a odiar o que Deus mais ama: as pessoas, uma vida de comunhão entre nós. Se nós cairmos numa espécie de “abstratismo” da razão em nome da verdade, nós nos tornamos aqueles rebeldes sem causa, ou que defendem causas vazias, e nos tornamos enraivecidos.
Gratuitamente começamos a viver só para defender ideias. Nós defendemos o sábado e matamos o homem, e ficamos como que impermeáveis ao diálogo, à unidade, incapazes de escutar, incapazes de síntese. Sim, porque a síntese entre posições diferentes, que é fruto do diálogo, é muito mais verdadeira do que o apego a uma ideia só. A síntese de ideias que brota de um diálogo franco é muito mais atinente à verdade do que uma ideia só.
A beleza sempre vai ter um traço comunitário. É na síntese, no diálogo, que se escondem a sabedoria e a beleza. A sabedoria é obra da beleza e vice-versa. A sabedoria está contida na beleza e contém a beleza, e todo conhecimento que não é sabedoria é ideologia. E nós sabemos quanto nos últimos séculos o homem matou tantos irmãos em nome de ideias, em nome de um humanismo grotesco, que julga poder defender a verdade matando o outro, que pensa que defende a pessoa humana matando a pessoa humana.
Lênin, primeiro ministro da União Soviética que tinha ideias extremamente perigosas, escreveu um livro no começo do século XX que se chama “O que fazer?”. É uma pergunta fundamental do livro. Em poucas palavras, ele queria dar uma resposta diante do mal, daquilo que não ia bem na sociedade. “Vamos extirpar o mal”. Então, sob Lênin, aconteceram vários assassinatos em massa, e morreram mais de 5 milhões de pessoas dos seus próprios compatriotas, os russos.
“Se tem um problema, vamos eliminar, eliminar o outro que causa aquele problema“. Essa foi uma das fases mais obscuras da história da humanidade: na defesa de ideias, na não comunhão, a vida vai carecendo de beleza, luz, e só tem trevas, nada. “Vamos matar aqueles que não são bons, não são como nós esperamos”. E a diferença se torna distância. E não resplandece beleza. Onde não tem comunhão, não tem a verdade nem beleza.
Facilmente, esse modo de pensar a verdade faz com que fiquemos buscando responsáveis por aquilo que não está dando certo no mundo, o que não dá certo na Igreja, na nossa comunidade, na sociedade… Corremos o risco de pensar assim: “vamos resolver o pecado, o erro e tudo vão ficar bem, e vamos ficar tranquilos. Vamos eliminar quem está errando”. Mas não é assim, é preciso promover uma espécie de força catalisadora que una os distantes para que a verdade possa emergir. É preciso abrir uma via de beleza, uma via de comunhão para que a verdade e o bem brilhem ao nosso redor e rejam a nossa vida.
São Paulo é muito claro na carta aos Efésios: “Cristo é a nossa paz.” Mas, o que é a paz? Aquele que abateu o muro de divisão que distanciava um do outro, aquele muro de separação dos dois distantes. Ele quebrou aquele muro e fez um povo só na sua carne. Então na carne bela de Cristo, a carne da comunhão, da Eucaristia, o povo é unido, nós somos unidos uns aos outros e a Deus nessa Vida que é maior que a vida, a beleza de uma vida eterna que jorra no mundo.
Nós transparecemos a vida trinitária que circula entre nós! Por isso, se a verdade não é beleza, se a verdade é perigosa, como um dragão que devora a humanidade, se a verdade não é beleza, ela vai descartar a comunhão dos corações. Não vai ser a comunhão princípio hermenêutico, princípio de conhecimento, um conhecimento seguro, o princípio que rege a sociedade, a Igreja, a política, a economia, e aquilo que Jesus diz “Que todos sejam um como Eu e o Pai somos um” vai se tornar só poesia teológica que não informa mais a realidade. Se a nossa via rumo à verdade não é a beleza, nossa verdade é manca, é idealizada, idealizadora, e não acolhimento humilde do Divino que se revela, do rosto Santo que se revela e comunica a nós.
Nós acabamos não permitindo que a Trindade manifeste a sua perfeição, a sua vida eterna no mundo. E a perfeição da Trindade passa pelo transbordamento da sua comunhão interior, a vida de comunhão, a pericorese, um no outro, essa transparência, essa capacidade de ser permeável ao outro.
A beleza é um termômetro da autenticidade, da verdade do bem que nós transmitimos às pessoas, e a beleza é o critério de autenticidade do bem requerido nas pessoas. O “ser obrigado a fazer” não salva o mundo. Por mais importantes que as ideias sejam pra formar pensamentos sólidos e seguros na nossa vida, elas, por si só, não salvam o mundo. A verdade e o bem não apenas se demonstram racionalmente, mas se mostram. A verdade é esplendor, é beleza, porque é vida. E a vida só é plena se é fundamentada na comunhão. A vida do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Isso é vida, a vida eterna. Nisso que está a verdade.
Em suma, longe de ideologias, a Igreja não é chamada simplesmente a convencer o mundo, mas a surpreender o mundo. O que realmente toca o profundo do coração dos homens é aquilo que toma de assalto, que rouba o coração e muda os esquemas pré-fabricados.
O que realmente constrange o coração é a beleza. Não somos chamados a convencer o mundo, mas a surpreendê-lo, porque não é usando uma lógica deste mundo que o nosso coração e dos outros vai se render à verdade, mas é trazendo para este mundo a lógica de outro mundo. Na afirmação “olhem como eles se amam“, verificada em Atos dos Apóstolos, evidencia-se que o mundo se convence que o amor vale mais do que a vida. Na beleza desse amor da comunhão o mundo se rende se prostra, se convence e é surpreendido e passa dos raciocínios a adoração. Passa da Terra ao Céu.
Pe. Cristiano Pinheiro, Mestre em Teologia Dogmática e missionário em Nova Iorque.
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