A rua não é casa de ninguém, mas eu vi pessoas morando lá. Eu vi pessoas com sorriso nos lábios e com tristeza nos olhos. Jovens que até falavam com um pouco de desdém da vida que levavam, mas que tinham, no fundo do olhar, um grito de socorro ensurdecedor. Ao chegar embaixo do viaduto ou no meio da praça, chegávamos sim na casa de alguém. Para entrar, não batíamos em uma porta amadeirada, tocávamos a carne de um coração.
Eu vi uma casa no meio da rua
Não tinha estrutura de casa, não tinha paredes de casa, não tinha compartimentos de casa, não tinha dignidade de casa, mas tinha uma jovem com uma vassoura na mão, varrendo numa espécie de transe, de um lado para o outro, organizando alguns lençóis sujos da poeira dos carros que passavam por ali. Ela sorria, mas não parecia feliz. Estaria ela descontando naquela tarefa o seu desejo de ter um lugar que fosse seu? Não, eu não consegui entender bem.
Eu vi um homem entrando em nossa casa
Ele estava com roupas rasgadas, com um sacola furada na mão e com a voz com tom de revolta. Ele queria o direito de receber a refeição duas vezes. Eu o vi entrando na cabine para o banho e o vi sair de lá. Quer dizer, o homem que saiu de lá era diferente. O olhar continuava triste, mas as roupas limpas, o cabelo lavado repartido para o lado e o sorriso aliviado faziam dele outra pessoa. E ao entrar na fila para receber o almoço, notei que algo no tom de sua voz estava diferente também. Teria um pouco de água e sabão penetrado tão profundo a ponto de mudá-lo interiormente? Não, eu não soube dizer bem.
Eu vi pessoas abrindo a sua própria casa
Com o corpo cansado, acordavam para celebrar a Eucaristia e de alguma forma encontravam forças para também celebrar a vida dos irmãos. Alguma coisa era revigorada a cada dia cansativo de serviço, de forma que elas pareciam felizes e realizadas mesmo cheias de dores e de questionamentos. Vi irmãos que, pela permissão da vida missionária, também não sabiam onde morariam no dia seguinte, mas acolhiam como casa todas as vidas que encontravam. Estaria eu vendo ali Cristo sem ter onde repousar a cabeça depois de muito curar e amar? Não, eu ainda não sei traduzir tão bem.
E eu me vi desejando minha verdadeira casa
Cheguei para servir nesse projeto com preocupações tão desnecessárias que nem eram dignas de serem chamadas de ocupações. Vi meu coração dividido recolando suas partes. Vi amores que pareciam reais se desfazerem entre os meus dedos à medida que um amor de verdade se construía em mim. Olhei para o céu e desejei estar lá. Tive medo de continuar ferindo o coração de Deus e, dessa forma, acabar perdendo o único lugar que posso chamar de lar.
O coração do pobre, o coração da comunidade e o coração dos irmãos voluntários são perfeitos endereços de estadia nessa terra. Espero, com sinceridade, ter vivido bem em cada lugar desse em vista do meu lugar no céu. A única casa que de fato me pertence, o meu lugar. Seria essa uma nova oportunidade de trilhar o Caminho até lá? Sim, acredito bem.
Por Adriane Sousa