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Prof. Dr. Frei Nilo Agostini, ofm
Professor de Teologia Moral, Diretor da Faculdade deTeologia da PUC-Rio
Amplia-se o debate sobre o aborto em nosso país. Muitas sãoas visões que se interpõem, díspares muitas vezes. Nos meios de comunicação emgeral, as posições aí aportadas nem sempre são um consenso; muitas vezes sãocontraditórias. Por isso, é indispensável estimular a nossa atenção, aguçar arazão e esclarecer a consciência sobre problemas importantes de nossasociedade.
Quando o assunto é o aborto, importa salientar alguns pontosbásicos. Inicialmente, apontamos para o valor da dignidade da pessoa humana.Subjaz a esta o reconhecimento de uma realidade intrínseca, inerente ao próprioser humano. Presente em cada pessoa, emsua essência mesma, esta dignidade é reconhecida como incomparável, inviolávele inalienável. A humanidade, depois de guerras, holocaustos, genocídios etc,assimilou este reconhecimento como um valor universal que não se podesimplesmente vender, transferir, abdicar ou anular. Trata-se de um respeitodevido a cada pessoa.
A diversidade existente entre povos, culturas e mesmocivilizações não implica em diferentes valorações da dignidade das pessoas. OCristianismo traz, como experiência própria, o testemunho de umacomunidade/povo que se constitui sem fronteiras de raça, povo ou nação. Todossão iguais e reconhecidos em igual nível e valor, porque dotados da mesmadignidade. Cada ser humano, indistintamente, traz estampado em si mesmo estevalor em todo o percurso da vida, valor que o marca em todas as suas dimensões,quer corporal/somática, quer psico/afetiva, quer familiar/comunitário/social,quer espiritual/transcendente. Assume-se o ser humano integralmente, incluídotodo o percurso de sua vida, o que afasta qualquer resvalo reducionista.
Desde o primeiro instante de sua existência, que se inauguracom o aparecimento de um genoma humano distinto dos pais, o ser humano temdireito à vida; ele traz estampada em si, desde aquele primeiro instante, adignidade humana. Estamos ante o momento da concepção, a partir do qual o serhumano, no estágio de zigoto, não é mais uma “coisa”, um “meio”; a partir deentão, o conceptus humano tem direito à vida, tornando-se sujeito de direitos.E o primeiro dentre estes é o de poder prosseguir o seu caminho de vida, sendorespeitada a sua dignidade. Não estamos diante de algo abstrato, nem mesmorelativo, passível de apreciações subjetivas ou utilitaristas ou ainda deflexibilizações retóricas diversas.
Também neste caso, a consciência, que se queira certa, buscafundar-se e formar-se de maneira reta e verídica. Isto significa que ela buscater clareza e certeza dos valores que busca, fundando-se no bem e na verdade.Este empenho permite a emergência de um juízo moral esclarecido, não resvalandoem juízos errôneos. É neste contexto que o Catecismo da Igreja Católica afirmaque “o ser humano deve sempre obedecer ao juízo certo da sua consciência” (n°1790). Descuidando-se da procura da verdade e do bem, a consciência podedeslizar em julgamentos errôneos, padecer de ignorância, permanecer obcecadapor visões relativas, ficar comprometida com o hábito do pecado.
Ante o aborto, afirmamos que “o respeito à vida aparece comoum dos princípios mais fundamentais e evidentes”, como bem sublinha o teólogoespanhol E.L. Azpitarte. A Santa Sé, na Carta dos Diretos da Família, de 1983,é contundente ao dizer que “a vida humana deve ser respeitada e protegida demodo absoluto, desde o momento da concepção” (n° 4). A noção de base é orespeito da vida humana, integralmente, do início ao fim. Não podemos sujeitaro respeito de sua dignidade a elementos ou circunstâncias que lhe sejamexternos, como se ela fosse algo marginal, relativo, suscetível a mutaçõessegundo interesses, visões e/ou utilizações várias. Grandes desastres nahumanidade, como genocídios, holocaustos, abortos e mesmo guerras, começarampor cultivar visões estreitas, reducionistas, utilitaristas, resvalando emmaniqueísmos demonizadores do diferente, este rapidamente apontado comoadversário malévolo, em seguida suscetível à eliminação.
Importa, hoje, assumir uma posição clara em favor da vida detodos os seres humanos. Desde o primeiro instante da gravidez, quando o óvulo éfecundado, há uma nova vida que precisa de proteção, de acolhida e de amor.Isto implica, conseqüentemente, numa proteção e expansão da vida humana emtodas as suas dimensões, na globalidade e unidade de seus componentes,aspectos, dimensões, valores, exigências. Esta antropologia integral é ofundamento, a medida, o critério, a força para a solução que é proposta acercados mais diversos problemas. Estes referenciais formam um grande consenso nacomunidade teológica. Teólogos, da magnitude do italiano Dionigi Tettamanzi, ostêm apresentado com especial clareza e contundente atualidade.