Agosto de 2019, o Pai lhe explica que haverá uma pandemia terrível, indomável pelo orgulho da ciência e pela vaidade do poder. E, sem mais, lhe pergunta se você aceitaria passar por essa agonia, com todas as suas privações, dores, mutações. Como se fosse possível compreender, explica que você foi escolhido para responder em nome de todos os homens.
O que você dirá?
Talvez: “O que? Nem pensar!”
O Pai, então, resolve revelar: “É necessário para a humanidade. Se não fosse, eu não permitiria. E aí, você aceita?”
Vem a imagem de Jesus, a rezar, no horto. Teria sido essa a conversa dele com o Pai?
Frio na espinha. Você congela.
Diante do seu silêncio, Ele continua: “Estou pedindo esse sacrifício como um ato de amor a mim e aos homens que não me amam. Você aceita?”
Parece que estou vendo a cena: você, agoniado, sem saber o que dizer, sentindo a responsabilidade a lhe pesar nas costas. Sua imaginação, trabalhando a mil, já o faz sentir a falta do ar, o frio da UTI, o tubo entrando laringe adentro, a proximidade da morte, o drama de sua família.
Sua memória coopera e traz cenas da peste negra e seus médicos narigudos, fotos de corpos em macas carregadas pelas ruas contaminadas de gripe espanhola. Sua fantasia atualiza fotos, hospitais, aventais de enfermeiros e, de repente, se instala o …
Medo!
Medo de sofrer. Medo de morrer. Medo de que seus queridos morram. Medo do fim do mundo. Medo da fome. Da pobreza. Do desemprego. Medo! Medo! Pavor! Pânico!
Finalmente, sai de sua boca, pequenininho, quase sem som: “P precisa?”
”Sim, preciso de alguém que aceite esse sofrimento. Que o acolha na sua carne unida à de Jesus. Você aceita?”
Invade seus nervos o quadro da sala de catecismo: escuro. Noite. Jesus. Uma pedra. Suor de sangue. Um anjo. Uma taça.
Encolhido de dor, você treme: “E… se eu não aceitar?”
Terno, Deus tenta explicar, insistente, na esperança de que seja como possível entender: ”Se você não aceitar, não acolher, será um sofrimento sem sentido e vai doer muito, muito mais, no corpo e na alma… de todos.”
Humildade! Confiança no Pai! Era o eco do catequista apontando, dramático, para o quadro.
“Se eu aceitar…”
“Vai doer, mas com sentido. Você terá colocado amor onde só haveria dor.”
…
“E se unirá à cruz do meu Filho, onde a dor foi transformada em amor”.
Uma aparente lógica tira o seu juízo: “A pandemia virá de qualquer jeito, por que preciso aceitar?”
…
A imaginação ataca outra vez, com mais força, para tentar resguardar você do sofrimento mortal. Você, finalmente, parece entender, sem compreender. Mal consegue respirar. Suor, muito suor. Contrações involuntárias tomam seus músculos. Uma dor de cabeça sem nome aperta seu crânio. Seu peito grita uma dor enorme, profunda, vinda de Adão. Dor e amor se digladiam e você se desmonta sob o peso do conflito.
Ao seu redor, todos dormem. Solidão. Só você e Deus.
E o mundo inteiro em seus ombros.
Você voa para um copo sobre a mesinha e bebe, rápido. A água é salgada como sangue. Amarga como a ira de Deus. Sem entender porquê, você bebe, sôfrego, até a última gota e se joga, enlouquecido de amor, nos braços de Deus.
Paz!
Deus, então, pôde agir.
Foi a partir daí que, na vastidão do mundo doente, cercadas pela escuridão do medo.
Partidas pelo barulho da desavença.
Oprimidas pelas artimanhas da ganância.
Sob camadas de gelo ardente do ódio e do desespero, começaram a brotar humildes e pequenas luzezinhas, todas visitadas pelo Pai naquela Noite. Mais pareciam pequenos anjos vestidos de milhões de sorrisos que, vitoriosos sobre o mal, cheios de alegria e paz…
incansavelmente louvavam a Deus e pacificavam, com seu consolo, os corações …
em plena e dilacerante dor humana,
transformada em amor.
Eram poucos, esses humildes acolhedores dos mistérios de Deus.
Mas foram eles que salvaram o coração do homem na pandemia da Covid 19.