Sou aluno de pós-graduação. Tenho a graça de evangelizar no mundo acadêmico. Estudo como os filmes podem nos ajudar a compreender o mundo.
Para me auxiliar nisto, uso o conceito de “cinematografização do mundo” do filósofo francês Gilles Lipovetsky. Ele diz que, cada vez mais, nossas relações estão sendo mediadas pelas telas. Filmes, séries, aplicativos de localização ou de conversas, games, telões em grandes eventos: tudo isso nos faz ver o mundo por telinhas.
Lembro, por exemplo, do encontro com o Papa Francisco, no qual o Santo Padre nos sorrir, acena e de seus olhos emana algo de bom. Várias pessoas que lá estavam, gravando a cena, viveram tudo isso pelas telas de seu smartphone.
A teoria do filósofo de nome complicado faz sentido. Num evento acadêmico da minha área, alguém questionou a teoria: “Mas não é o mundo; é só uma imagem”. Busquei alguns argumentos e a pessoa compreendeu melhor.
Neste tempo de pandemia, a teoria parece fazer mais sentido ainda. Devido ao isolamento social, estamos nos relacionando pelas telas. Aulas, assembleias, eventos, grupos de oração, convivências, missas, reuniões de trabalho, ministérios, dia de namoro, células comunitárias, até o Halleluya: tudo virtual, tudo mediado pelas telas. Nosso mundo é visto pelas janelas digitais, pelas telas.
Diante deste reino de telas a nos mediar as relações, o sagrado pode perder vitalidade. A piedade, dom Espírito, pode minguar. Ora com força, ora com menos vigor, é um risco que corremos. Contudo, a distância pode potencializar este processo.
Foi o que experimentei parte desta quarentena. Tantas vezes, na Santa Missa, diante da imagem de Jesus Eucarístico na tela do computador, remodelei o questionamento feito a mim naquele evento: “Mas não é Jesus; é só uma imagem..”. Não poucas vezes, a dúvida me visitou e a incredulidade foi minha companheira durante as missas.
É interessante pensar sobre estes pontos em nossa vida, nos quais a fé parece falhar. De fato, somos, a cada uma a sua maneira, gêmeos de Tomé (Jo 20, 24s): incrédulos, resistentes a tudo o não for apreendido pelos sentidos. Desejamos tocar, ver de perto.
Contudo, o mais belo é que o Ressuscitado que passou pela Cruz é delicado com os incrédulos, com os que permitem que a resistência seja maior que a fé, com os confusos. Ele sabe que a fé pode (re)nascer da dúvida, da interrogação.
Não foi bela a expressão de fé, de adesão de Tomé após o choque da Ressureição? A Virgem Maria também não indagou sobre como se dariam aquelas coisas antes de proclamar seu eterno fiat, seu sim definitivo?
Foi em meio a um oceano de dúvidas que a fé regressou. Na missa da Solenidade da Santíssima Trindade, mais uma vez, aquela pergunta veio a mente. “Não será só uma imagem?”, indaguei a mim mesmo. Dessa vez, obtive uma resposta. Ela não veio de minha parte, com argumentos ou elaborações de pensamentos. Veio Daquele que é a própria resposta para as nossas angústias.
Olhos fechados, cabeça levemente abaixada, mão no peito e uma voz no coração: “Sou o teu Deus. Antes de estar nas telas, estou dentro de ti”. Abri os olhos e vi a hóstia branca na tela. Hesitei a continuar olhando e uma outra voz se fez ouvir. Dessa vez, por meio do padre que celebrava: “Sim, Deus está dentro de ti. Ele te habita”.
Era o toque nas chagas, no lado aberto que eu precisava para para revigorar os passos vacilantes da minha fé, para relembrar que é possível ter fé em meio às incertezas.
Talvez, não teria minha fé renovada na mistério da inabitação, da presença da Santíssima Trindade em minha alma se não fosse a desconfiança levantada. A certeza de que sou templo vivo do Espírito não seria reavivada, caso a dúvida sobre as telas não me visitasse tantas vezes.
O cardeal Tolentino Mendonça tem razão quando diz que quem duvida e procura é porque tem fé, posto que esta é uma busca contínua do rosto de Deus. Bendito seja Deus que, até em meio às nossas dúvidas, nos encontra, porque, antes de estar nas telas, está dentro de nós.
Francyjonison Custódio | Missão de Natal (RN)