As perseguições da Igreja Nascente
O Cristianismo expandiu-se com rapidez surpreendente, apesar dos obstáculos que encontrou no mundo pagão. Vejamos, pois quais foram esses grandes obstáculos que se lhe opuseram:
1) Já São Paulo notava que a mensagem da Cruz é “escândalo para os judeus e loucura para os gregos” (1Cor 1,23). O Cristianismo exigia renúncia à vida devassa e morte ao velho homem para possibilitar a formação da nova criatura em cada indivíduo.
2) O politeísmo era o culto oficial do Império; parecia ameaçado pelo monoteísmo cristão, que parecia até mesmo ateísmo. Os cristãos pareciam infensos aos homens e ao Estado, pois estavam solapando as bases destes. Notemos que os romanos eram tolerantes para com a religião dos povos conquistados; colocavam os deuses destes no Panteon de Roma; teriam feito isto também com Jesus Cristo, mas os cristãos de modo nenhum aceitavam pactuar com o politeísmo. Verdade é que o judaísmo era estritamente monoteísta e, não obstante, conseguia bom relacionamento com as autoridades romanas (cf. 1Mc 14,16-24); acontece, porém, que o judaísmo era uma religião nacional, de pouco proselitismo, ao passo que o Cristianismo tinha destinação universal, voltada para todos os homens.
3) Em particular, o culto do Imperador divinizado foi-se difundindo desde fins do século I. veio a ser pedra de toque da lealdade civil e do patriotismo; quem o recusasse, era acusado de traição à pátria.
4) Toda a vida civil, em família ou na sociedade, era impregnada do espírito e das expressões do paganismo; assim, as festas do lar comemoravam os deuses domésticos (penates e manes); os espetáculos públicos, os torneios esportivos, as feiras de comércio, o regime militar… deixavam transparecer a sua inspiração básica politeísta. Os cristãos eram fiéis aos seus deveres de cidadãos, como lhes ensinava o Evangelho: “Daí a César o que é de César” (Mt 22,21; cf. Rm 13,1; 1Pd 2,13-17); mas não podiam participar de manifestações que, direta ou indiretamente, professassem o politeísmo.
5) O modo de vida singular dos cristãos provocou-lhes, da parte dos pagãos, calúnias fantasiosas e duras. Eram acusados a três títulos principais:
– ateísmo – o que seria também antipatriostismo e misantropia (ódio ao gênero humano);
– Duras falsas acusações como banquetes de orgia, nos quais se comia carne de criança; assim era entendida a Eucaristia, por vezes celebrada às ocultas por causa dos perseguidores. O culto cristão se dirigia a um asno crucificado (tal era o mal-entendido que o Crucifixo suscitava; seria “burrice!”);
– causa de calamidades públicas, como pestes, inundações, fome, invasões de bárbaros… Eram tidas como castigos dos deuses, que os cristãos irritavam por seu “ateísmo”. Esta acusação persistiu até o século V, mesmo quando as outras queixas iam cessando. Os cristãos pareciam inimigos do bem comum, lucifuga natio (facção que foge à luz), recrutada nas classes mais desprezíveis da sociedade. De modo especial, os comerciantes, os artistas, os sacerdotes pagãos, os adivinhos os hostilizavam, pois a fé cristã prejudicava os seus interesses profissionais.
Esse clima assim criado suscitou violentas perseguições aos cristãos. Estas, de fato, ocorreram desde 64 até 313, quando Constantino publicou o Edito de Milão, que concedia a todos os habitantes do Império e, em particular, aos cristãos, plena liberdade de religião e de culto.
Dom Estavão Bettencourt