Queridos irmãos e irmãs:
O evangelho que acabamos de escutar começa com um episódio muito simpático, maravilhoso, mas também cheio de significado. O Senhor vai à casa de Simão Pedro e André e encontra enferma com febre a sogra de Pedro; toma a mão dela, levanta-a e a mulher é curada e se põe a servir. Neste episódio, aparece simbolicamente toda a missão de Jesus. Jesus, vindo do Pai, chega à casa da humanidade, a nossa terra, e encontra uma humanidade enferma, enferma de febre, da febre das ideologias, das idolatrias, o esquecimento de Deus.
O Senhor nos dá sua mão, levanta-nos e nos cura. E o faz em todos os séculos; toma-nos a mão com sua palavra, e assim dissipa a névoa das ideologias, das idolatrias. Toma-nos a mão nos sacramentos, cura-nos da febre de nossas paixões e de nossos pecados mediante a absolvição no sacramento da Reconciliação. Ele nos dá a capacidade de levantar-nos, de estar de pé diante de Deus e diante dos homens. E precisamente com este conteúdo da liturgia dominical o Senhor se encontra conosco, toma-nos pela mão, ergue-nos e nos cura sempre de novo com o dom de sua palavra, com o dom de si mesmo.
Mas também a segunda parte deste episódio é importante; esta mulher, recém-curada, põe-se a servi-los, diz o evangelho. Imediatamente começa a trabalhar, a estar à disposição dos demais, e assim se converte em representação de tantas boas mulheres, mães, avós, mulheres de diferentes profissões, que estão disponíveis, levantam-se e servem, e são a alma da família, a alma da paróquia.
Como se vê no quadro pintado sobre o altar, não só prestam serviços exteriores. Santa Ana introduz sua grande filha, a Virgem, nas sagradas Escrituras, na esperança de Israel. As mulheres são também as primeiras portadoras da palavra de Deus do evangelho, são verdadeiras evangelistas. E me parece que este episódio do evangelho, aparentemente tão modesto, precisamente aqui, na igreja de Santa Ana, dá-nos ocasião de expressar sinceramente nossa gratidão a todas as mulheres que animam esta paróquia, às mulheres que servem em todas as dimensões, que nos ajudam sempre a conhecer a palavra de Deus, não só com o intelecto, mas também com o coração.
Voltemos ao evangelho: Jesus dorme em casa de Pedro, mas à primeira hora da manhã, quando ainda reina a escuridão, levanta-se, sai, busca um lugar deserto e se põe a orar. Aqui aparece o verdadeiro centro do mistério de Jesus. Jesus está em colóquio com o Pai e eleva sua alma humana em comunhão com a pessoa do Filho, de modo que a humanidade do Filho, unida a ele, fala no diálogo trinitário com o Pai; e assim faz possível também para nós a verdadeira oração. Na liturgia, Jesus ora conosco, nós oramos com Jesus, e assim entramos em contato real com Deus, entramos no mistério do amor eterno da Santíssima Trindade.
Jesus fala com o Pai; esta é a fonte e o centro de todas as atividades de Jesus; vemos como sua pregação, as curas, os milagres e, por último, a Paixão emergem deste centro, de seu ser com o Pai. E assim este evangelho ensina-nos o centro da fé e nossa vida, ou seja, a primazia de Deus. Onde não há Deus, tampouco se respeita o homem. Só se o esplendor de Deus se reflete no rosto do homem, imagem de Deus, está protegido com uma dignidade que logo ninguém pode violar.
A primazia de Deus. Os três primeiros pedidos do “Pai nosso” referem-se precisamente a esta primazia de Deus: pedimos que seja santificado o nome de Deus, que o respeito do mistério divino seja vivo e anime toda nossa vida; que ‘venha o reino de Deus’ e “se faça sua vontade” são as duas caras diferentes da mesma moeda; onde se faz a vontade de Deus, é já o céu, começa também na terra algo do céu, e onde se faz a vontade de Deus está presente o reino de Deus; porque o reino de Deus não é uma série de coisas; o reino de Deus é a presença de Deus, a união do homem com Deus. E Deus quer guiar-nos a este objetivo.
O centro de seu anúncio é o reino de Deus, ou seja, Deus como fonte e centro de nossa vida, e nos diz: só Deus é a redenção do homem. E a história do século passado nos mostra como nos Estados onde se suprimiu a Deus, não só se destruiu a economia, mas se destruíram sobretudo as almas. As destruições morais, as destruições da dignidade do homem são as destruições fundamentais, e a renovação só pode vir da volta a Deus, ou seja, do reconhecimento da centralidade de Deus.
Nestes dias, um bispo do Congo em visita ad limina me disse: os europeus nos dão generosamente muitas coisas para o desenvolvimento, mas não querem ajudar-nos na pastoral; parece que consideram inútil a pastoral, crêem que só importa o desenvolvimento técnico-material. Mas é verdade o contrário –disse–, onde não há palavra de Deus o desenvolvimento não funciona, e não dá resultados positivos. Só se há antes palavra de Deus, só se o homem se reconcilia com Deus, também as coisas materiais podem ir bem.
O texto evangélico, em sua continuação, confirma isto com força. Os Apóstolos dizem a Jesus: volta, todos buscam a ti. E ele diz: não, devo ir às outras aldeias para anunciar a Deus e expulsar os demônios, as forças do mal; para isso vim. Jesus não veio –o texto grego diz: “saí do Pai”– para trazer as comodidades da vida, mas para trazer a condição fundamental de nossa dignidade, para trazer-nos o anúncio de Deus, a presença de Deus, e para vencer assim as forças do mal. Com grande clareza indica-nos esta prioridade: não vim para curar –ainda que o faça, mas como sinal–; vim para reconciliar-vos com Deus. Deus é nosso criador, Deus nos deu a vida, nossa dignidade: a ele, sobretudo, devemos nos dirigir.
E, como disse o padre Gioele, a Igreja celebra hoje na Itália a Jornada pela vida. Os bispos italianos quiseram recordar em sua mensagem o dever prioritário de “respeitar a vida”, ao tratar-se de um bem do qual não se pode dispor: o homem não é o dono da vida; é, sim, seu custódio e administrador. E sob a primazia de Deus automaticamente nasce esta prioridade de administrar, de custodiar a vida do homem, criada por Deus. Esta verdade de que o homem é custódio e administrador da vida constitui um ponto fundamental da lei natural, plenamente iluminado pela revelação bíblica. Apresenta-se hoje como “sinal de contradição” com respeito à mentalidade dominante. Com efeito, constatamos que, apesar de que existe em geral uma ampla convergência sobre o valor da vida, quando se chega a este ponto –ou seja, se se pode ou não dispor da vida–, duas mentalidades se opõem de maneira irreconciliável.
De uma forma mais simples poderíamos dizer: a primeira dessas duas mentalidades considera que a vida humana está nas mãos do homem; a segunda reconhece que está nas mãos de Deus. A cultura moderna enfatizou legitimamente a autonomia do homem e das realidades terrenas, desenvolvendo assim uma perspectiva própria do cristianismo, a da encarnação de Deus. Mas, como afirmou claramente o concílio Vaticano II, se esta autonomia leva a pensar que “as coisas criadas não dependem de Deus e que o homem pode utilizá-las sem referi-las ao Criador”, então se origina um profundo desequilíbrio, porque “sem o Criador a criatura se dilui” (“Gaudium et spes”, 36). É significativo que o documento conciliar, na passagem citada, afirme que esta capacidade de reconhecer a voz e a manifestação de Deus na beleza da criação é própria de todos os crentes, independentemente da religião à qual pertençam.
Podemos concluir que o pleno respeito da vida está vinculado ao sentido religioso, à atitude interior com a qual o homem enfrenta a realidade, atitude de dono ou de custódio. Portanto, a palavra “respeito” deriva do verbo latino respicere (olhar), e indica um modo de olhar as coisas e as pessoas que leva a reconhecer sua realidade, a não apropriar-se delas, mas a tratá-las com consideração, com cuidado. Em definitivo, se se tira das criaturas sua referência a Deus, como fundamento transcendente, corre-se o risco de ficar à mercê do arbítrio do homem, que, como vemos, pode fazer um uso indevido delas.
Queridos irmãos e irmãs, invoquemos juntos a intercessão de Santa Ana em favor de vossa comunidade paroquial, a qual saúdo com afeto. Saúdo em particular o pároco, padre Gioele, e o agradeço pelas palavras que me dirigiu ao início: saúdo também os religiosos agostinianos, com seu prior geral, saúdo Dom Angelo Comastri, meu vigário geral para a Cidade do Vaticano, Dom Rizzato, e todos os presentes, de modo especial as crianças, os jovens e todos os que habitualmente freqüentam esta igreja. Que sobre todos vele Santa Ana, vossa patrona celestial, e obtenha para cada um de vós o dom de ser testemunhas do Deus da vida e do amor.
Fonte: ZENIT