O episódio de 11 de setembro 2002 e o surto religioso que oacompanhou sob diversas modalidades, têm provocado a réplica de ateus, que vêmpublicando obras que combatem a fé como grande ilusão ou maluquice infantil ouainda fator alienante ultrapassado, diz-nos a revista VEJA de 27/6/07: sãocitados quatro autores de escritos ateus: o biólogo inglês Richard Dawkins, ofilósofo americano Dennett, o jornalista inglês Christopher Hitchens e ofilósofo francês Michel Onfray. Vamos, a seguir, transmitir as principaissentenças desses pensadores e propor-Ihes uma resposta.
1. Que dizem os ateus?
Eis algumas das afirmações mais características de taispensadores:
“O mundo seria melhor sem Deus” (Dawkins, Onfraye Hitchens).“Mesmo um ateu pode e deve cultivar valores sagrados como a verdade, o amor, ademocracia”.
“Uma vida sem Deus tampouco precisa ser vazia de sentido,como bem demonstrou o filósofo inglês Bertrand Russe: “Acredito que, quando eumorrer, irei apodrecer e nada do meu ego sobrevivera. Mas me recuso a tremer deterror diante da minha aniquilação. A felicidade não é menos feliz porque devedevem chegar a um fim, nem o pensamento e o amor perdem seu valor porque nãosão eternos’” (Dennett).
“A existência de Deus não pode ser comprovada nem tampoucohá como a negar…
Dawkins admite que é impossível negar Deus, mas nem por issoateísmo e teísmo são hipóteses equivalentes. A evolução parte de elementossimples para chegar a formas complexas como o olho ou o cérebro humano. Ahipótese teísta seria uma inversão dessa lógica: coloca uma inteligênciacomplexa como origem de todo o universo. Não se trata, portanto, de dizer queDeus não existe; ele seria apenas muito, muito improvável”.
Em relação ao Catolicismo a agressão é muito violenta:
“Santíssima Trindade é acompanhada pela Virgem Maria, umadeusa de fato, embora não seja chamada assim. O panteão católico é infladoainda pelos santos, que, se não são semideuses, têm poderes de intercessão emáreas especializadas que incluem dores abdominais, anorexia, desordens intestinais.O que me impressiona na mitologia católica é não só a sua qualidade kitsch,mas também a falta de vergonha com que essa gente fabrica as coisas no andar dacarruagem. É tudo despudoradamente inventado”.
Richard Dawkins, biólogo inglês, em The God Delusion Frenteao Antigo Testamento:
“Nem é preciso dizer que nenhum dos eventos repulsivos edesordenados que o Êxodo narra aconteceu. Não houve fuga do Egito, nemperegrinação pelo deserto, e nem a conquista dramática da Terra Prometida – (.. .) os horrores e crueldades e loucuras do Velho Testamento. E quem – a nãoser por sacerdotes antigos que exercem o poder através do método consagrado daimposição do terror – poderia desejar que esse novelo emaranhado de fábulasseja verdadeiro?”
ChristopherHitchens, jornalista americano em God Is Not Great
2. Que respondem os cristãos?
1. O mundo seria melhor sem Deus .. ,”
Os ateus talvez digam isto impressionados pelas guerras deReligião ocorrentes na história da humanidade.
A respeito observamos:
Para os antigos, era, muitas vezes, dever de consciênciaempreender uma guerra para salvaguardar valores religiosos. Tal era aimportância que atribuíam à fé. – Hoje em dia já não se pensa assim. Mas não sepodem julgar os antepassados segundo categorias de pensamento que eles nãotinham nem podiam ter. Ao cristão é necessário defender as verdades da fé, sem,porém, chegar ao recurso das armas.
Feita esta ponderação, devemos dizer que a religião, além deser culto a Deus, é um fator morigerante ou educativo de alto valor. Muitos sãoaqueles e aquelas que, após uma vida devassa e desesperadora, se voltam para aReligião e se tornam novas criaturas. Nada há de mais poderoso do que aReligião para motivar feitos heróicos. Por isto o mundo não seria melhor semreligião.
O ateu pode ser uma pessoa moralmente honesta e digna,porque em seu íntimo existe a lei natural com seus ditames: “Não matar, nãoroubar, não caluniar”. Mas é bem difícil sustentar essa bondade natural, tal éa força das paixões que habitam no coração humano ou que o atraem no seuambiente de vida. Sartre dizia: “Se Deus não existe, tudo é permitido; soucarrasco ou açougueiro”. Na verdade, se Deus não existe, nada há acima do homemque o obrigue a determinado procedimento ou lho proíba; cada qual fará seucódigo de Ética, de acordo com suas conveniências. “Cada um na sua’, comoproclamam os existencialistas. O cidadão será carrasco ou açougueiro, de acordocom os referenciais do momento. Acontece, porém, que o homem foi feito para oAbsoluto e não consegue viver plenamente sem tal parâmetro transcendental.
2. “Quando eu morrer, apodrecerei e nada ficará de mim”
Estas são palavras que contrariam a aspiração natural do serhumano à Vida, à Verdade, ao Amor… Bem dizia S. Agostinho: “Senhor, Tu nosfizeste para Ti, e inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti”. Amorte é um corte, se não há continuidade no além, deixa o homem frustrado noque ele tem de mais autêntico e legítimo: o anseio de viver, de conhecer aVerdade, de experimentar o Amor, a Bondade, a Justiça …
Bertrand Russell afirma que a felicidade, por ser finita,não deixa de ser felicidade … Sim, ainda é felicidade, mas chorosa em seuíntimo, pois todo ser humano tem sede de Bem (aventurança) sem limites. Quemteria coragem para dizer “Não” a uma alegria sadia e reconfortante? Por queserá necessário dar-lhe um fim?
3. Prova-se ou não a existência de Deus?
A sã filosofia (não só a Teologia) prova que Deus existe,pois todo relógio supõe um relojoeiro ou, em linguagem mais erudita: todo sercontingente (que existe, mas poderia não existir) requer uma causa que tenhafeito passar do não-existir para o existir. O mundo, complexo como é, desde abactéria até o olho e o cérebro humanos, não pode ser produto do acaso.
Se não tem causa, o mundo é eterno, é o próprio Deus – o quenão condiz com a volubilidade das criaturas passageiras deste mundo. É precisoque exista um Ser Supremo, sumamente inteligente e poderoso, que tenha dadoorigem à matéria que evoluiu após o bíg bang. Não é lógico admitir que Deusseja muito, muito improvável, como diz o ateu.
Em geral os ateus não tocam na questão da origem da matériaprimordial, pois essa temática leva a descobrir Deus, limitam-se a explicar aorigem da vida sem Deus – o que é aceitável para os graus da vida vegetativa eda sensitiva, não para a vida intelectiva, que supõe uma alma espiritual,especialmente criada por Deus.
Ocorre porém que um cientista não pode furtar-se a umaquestão atinente à sua área de trabalho, como é a questão da origem da matériainicial: A verdadeira ciência não tem medo da verdade.
4. O “panteão católico”
Richard Darkins caricatura a mensagem católica para zombarda mesma.
O Catolicismo está longe de considerar Maria Santíssima “amais bendita de todas as mulheres”, como uma deusa. Atribui-se-lhe profundaestima e veneração, por ter concebido Deus Filho em seu seio, jamais, porémadoração.
Os Santos não são semideuses, mas criaturas que correram opáreo com grande êxito, e hoje junto a Deus continuam a interceder por nós,como nós intercedemos por nossos irmãos necessitados aqui neste mundo. A mortenão rompe a comunhão ou solidariedade existente entre os filhos de Deus. Apiedade popular pode ter exagerado o papel dos Santos na vida católica; assimfazendo, não é representativa do pensamento católico. Este professa que há umsó Mediador entre Deus e os homens, Mediador que quer comunicar sua obramediadora aos justos para que pela oração colaborem com Cristo na salvação dosseus semelhantes.
Acusam a Igreja de se envolver em assuntos de ordem temporalou material, como casamento, sexo, experiências científicas … , quando eladeveria ficar no plano meramente espiritual sem interferência na vida públicados homens. – Em resposta, notamos que o ser humano é psicossomático; tem umaalma espiritual que vive num corpo e num mundo materiais, de modo que asquestões de índole material importam à Igreja na medida em que são ou não sãoconformes à lei de Deus. É somente o ponto de vista ético que a Igreja atinge.
5. O Antigo Testamento
Michel Onfray zombeteia acerca da história do AntigoTestamento como nenhum cientista faria. Revela não ter estudado o assunto, demodo que fala levianamente, em contraste com sua veia filosófica.
Fazendo contraparte a todo o ceticismo ateu, que extingue osenso místico de todo ser humano, publicamos, a seguir, bela página de SantoAgostinho, que escreve em nome do que há de mais íntimo dentro de cada um denós.
6. Em contraste: Santo Agostinho
“Ninguém vem a Mim, senão aquele que é atraído por meu Pai.Não julgues que és atraído contra a tua vontade: a alma também é atraída peloamor. Não devemos temer a censura que, por causa destas palavras evangélicasda Sagrada Escritura, poderiam dirigir-nos alguns homens, que pesammaterialmente as palavras, mas estão muito longe de compreender o verdadeirosentido das coisas divinas. Poderiam dizer-nos “Como posso acreditarlivremente, se sou atraído?”. E eu respondo: “Parece-me pouco dizer que somosatraídos livremente: é com prazer que sentimos a força dessa atração”.
Que significa ser atraído com prazer Põe as tuas delícias noSenhor e Ele satisfará os anseias do teu coração. Trata-se de um certo apetiteda alma que nos torna saboroso pão do céu. Se o poeta pôde dizer:
“Cada um é atraído pelo próprio apetite”, não pelanecessidade, mas pelo prazer, não pela obrigação, mas pelo gosto, nãopoderíamos dizer nós com maior razão, que o homem é atraído para Cristo, porquepõe as suas delicias na verdade, na bem-aventurança, na justiça, na vidaeterna, e sabe que Cristo é tudo isto?
Acaso terão os sentidos corporais os seus prazeres, sem queo espírito tenha também os seus? Se o espírito não pode experimentar as suasdelícias, por que se diz no salmo: À sombra das vossas asas se refugiam oshomens? Podem saciar-se da abundância da vossa casa e vós os inebriais com atorrente das vossas delícias. Em Vós está a fonte da vida e é na vossa luz queveremos a luz.
Apresenta-me alguém que ame e compreenderá o que afirmo.Apresenta-me alguém que deseje, que tenha fome, que se sinta peregrino eexilado neste deserto, que tenha sede e suspire pela fonte da pátria eterna;apresenta-me um destes homens e compreenderá o que digo. Mas se falo a umcoração frio, esse não pode compreender nada do que estou a dizer.
Se as delícias e os gostos terrenos, quando se oferecem aquem os ama, exercem tão forte atração, porque “cada um é atraído pelo próprioapetite”, como não há de atrair-nos o amor de Cristo, que é a revelação do Pai?Que pode a alma desejar mais ardentemente que a verdade? De que outra coisapode sentir-se o homem mais faminto? Para que deseja ele ter são o paladarinterior senão para discernir a verdade, para comer e beber a sabedoria, ajustiça, a verdade, a eternidade?
Diz o Senhor: “Bem-aventurados os que têm fome e sede dejustiça, cá na terra, porque serão saciados, lá no céu”. Dou-Ihes o que amam;dou-Ihes o que esperam; verão aquilo em que acreditaram sem ver; comerão eserão saciados com aqueles bens de que tiveram fome e sede. Onde? Naressurreição dos mortos, porque Eu os ressuscitarei no último dia”.
Sem dúvida, a volúpia de que fala S. Agostinho é maisvaliosa do que o vazio apregoado pelo ateísmo.
“Todo homem tem dentro de si um vazio do tamanho de Deus”.(Dostoievski)