Estimável Amigo,
Começo essa carta, com estas palavras lidas em um romance epistolar: “Não é confortável confiar a intimidade a alguém a quem pouco, ou quase nada, conhecemos.” Fico questionada com essa afirmação ao olhar para a nossa amizade, pois tu me pareces tão confortável ao confiar a mim a tua intimidade, os teus segredos, quiçá os teus mistérios, digo isso por perceber que eu pouco, ou quase nada sei ao teu respeito, és tão grande, tão profundo.
Mas, também passo a compreender que a ti amigo, eu já estou revelada, e isso lhe basta. E isso lhe é o suficiente, para que sentado à mesa comigo, de maneira confortável, abra-me a ver a tua intimidade, sem nada desejar reter. É interessante fazer esses questionamentos, pois observo que a partir deles tu me fazes perceber as minhas mudanças interiores, me faz ver o quanto de ti já está em mim, o quanto em nossas conversas, no dia-a-dia, nas partilhas paradas ou corriqueiras, tudo vai revelando mais de mim em ti, quero dizer vou me vendo, me reconhecendo a partir do teu olhar, da tua história, das tuas nuances. É belo esta troca de olhar, em ti contemplo a mim mesma, mesmo com as minhas inadequações e deformações.
Tu ficas tão confortável, que para além de confiar tua intimidade a mim, confias a tua beleza, a tua perfeição. E ali por um momento, às vezes por segundos, unida a ti, comungo desta perfeição. Como não se enamorar, se encantar deste amor, que sabe chegar aos poucos, por reconhecer que a minha imperfeição não suportaria toda a revelação, as trevas que há em mim não absorveria de uma só vez, a imensidão de tua luz. Tu sabes adentrar a minha casa, minh’alma, tu sabes chegar.
Tens um dom particular de perscrutar os territórios do meu coração, de ouvir o que nem chegou à minha boca, e com sabedoria, com simplicidade, revelas aquilo que ainda permanece no mistério de minh’alma. E aí estabelece os teus segredos comigo, e a minh’alma se cala, silencia.
Tenho descoberto por ti, que o amor é isso, é conhecer todas as inadequações, as imperfeições, e ainda assim dizer: Me basta! Que o amor faz do futuro um pequeno detalhe, onde o presente ganha presença, o hoje basta. Pois, ele tende a preencher as lacunas, que vislumbramos preencher com as projeções futuras, com vãs obsessões.
O amor tende a dar beleza ao que era feio, monótono, sem vida. Revela os simples detalhes, os mais belos, antes ignorados. O amor purifica o nosso olhar, nos dá intimidade com o belo, revela-o.
E tudo que é belo tende a ser simples. Obrigada, por tornar bela a nossa amizade com a tua simplicidade. Estás sempre a esperar o meu tempo, não me apressa, não
exige além do que eu possa corresponder, com um leve sorriso permanece sempre a esperar. Como não me sentir confortável, em uma amizade que sabe me esperar?
É com alegria, que finalizo essas minhas limitadas palavras, por me ver agraciada por esta simples amizade que revela minha complexidade. Obrigada por sempre estar!
Confortavelmente,
Jackeline Bastos