Há poucos dias, num encontro com os seminaristas, eu lhesdizia que a crise por que passa parte do clero – e que, por bem ou por mal,veio à tona precisamente durante o Ano Sacerdotal –, está a exigir que oscandidatos à vida religiosa e presbiteral tenham ficha limpa. Pois só poderãoexigir dos fiéis – sejam eles médicos, advogados, políticos, fazendeiros,empresários, etc. – o que eles próprios se esforçam por viver. Caso contrário,incorreriam na crítica que Jesus dirigia às lideranças de seu tempo: «Amarramfardos pesados e os põem nos ombros das pessoas, enquanto eles não estãodispostos a movê-los nem sequer com um dedo» (Mt 23,4).
Pelo que parece, porém, ficha limpa é um privilégioreservado às crianças de peito, pois só elas não foram ainda contaminadas pelomal. As demais, ao chegarem ao uso da razão – como se dizia antigamente –passam a ser bombardeadas pelos sete vícios capitais. E, em pouco tempo, aficha limpa se transforma em ficha suja… Ainda bem que a misericórdia de Deusé infinita e realiza milagres que a justiça humana não percebe nem consegue.Desta forma, um criminoso pode readquirir ficha limpa em poucos instantes. É o quea Bíblia garantia muitos séculos antes de Cristo revelar a verdadeira face deDeus, que é amor: «Se o pecador se arrepende de todos os erros que fez e passaa praticar a justiça e o direito, ele viverá, não morrerá. Todo o mal que tiverfeito, não será mais lembrado. Pois eu não sinto prazer com a morte do pecador»(Ez 18,21-23).
Isso diante de Deus – o que é sempre o mais importante. Aquina terra, porém, cada um deve pagar pelos seus erros. Nesse sentido, deve-sereconhecer que a Ficha Limpa é um grande presente que a população honesta doBrasil ofereceu a quantos lutam por uma sociedade alicerçada na justiça, nasolidariedade e no bem comum. Talvez nem todos saibam que essa vitória do bemsobre o mal se deve, em grande parte, à ação da Igreja Católica, que colaboroucom 1.600.000 assinaturas para a aprovação da lei.
«A ação da Igreja Católica foi indispensável para a aprovaçãoda Lei Ficha Limpa, pois contribuímos desde as comunidades até as paróquias edioceses, o que, em números, significa 90% da contribuição, dados que nosorgulham muito».
Sobre as eleições políticas programadas para o início deoutubro, o prelado afirmou: «A Igreja espera uma corrida eleitoral justa edemocrática, com respeito ao diferente e à diversidade de nosso país. Aoeleitor, pedimos que avalie os candidatos e lembre que o processo eleitoral nãotermina ao confirmar o voto, mas continua ao longo dos mandatos».
No dia seguinte, confirmando a sintonia de intentos entre oepiscopado brasileiro, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de BeloHorizonte, afirmou que a Lei Ficha Limpa é «um instrumento de valorincalculável para garantir que as eleições sejam, de fato, uma oportunidade demudanças e de novo tempo na vida da sociedade brasileira. A conduta “fichalimpa” é indispensável para que uma eleição seja, de verdade, um grande ganhoque assegure avanços na sociedade».
E, referindo-se aos candidatos, o arcebispo acrescentou:«Todos sabem que é fácil falar e prometer. O desafio é ser capaz de cumprir.Não cumpre, ainda que tenha competência executiva ou de outra ordem, quem nãotem autoridade moral. No processo de discernimento e nas escolhas é precisoconsiderar a medida da credibilidade de cada candidato. A credibilidade moralprecisa ser acolhida como critério determinante de escolhas, colocando-a acimada filiação ou de simpatia partidárias, da sedução das promessas e,particularmente, da troca de favores, pagamentos e outras barganhas. É hora deredobrar a atenção e o interesse, e fazer, pelo voto, escolhas que possamgarantir novos rumos nesse momento de eleições e de mudança».
A prática, porém, nem sempre se ajusta à teoria; assim,sobrarão artimanhas a candidatos de ficha suja para continuarem a fazer o quesempre fizeram. Nem faltarão magistrados e eleitores que os compreendam eapoiem…