Nestes tempos de Quarentena, de confinar-se, tem-se visto muitas reações de nossos contemporâneos. Temos observado nossas próprias reações.
Como viver sem sair de casa, sem encontrar outras pessoas? Chegaremos, com a Graça de Deus, a muitas conclusões frutuosas.
Mas uma primeira conclusão é que o virtual não nos satisfaz, não nos preenche, não nos basta.
Somos seres encarnados, necessitamos olhar, tocar, abraçar, amar. Precisamos nos relacionar.
Uma segunda conclusão: a vida interior está em crise. Parado, o homem não sabe o que fazer. Não sabe mais saborear o silêncio, tem medo das reflexões que podem surgir. Não sabe apreciar um livro, elevar a alma com uma boa música, escutar uma pessoa que lhe seja cara sem ficar olhando para o celular…
Santa Catarina de Sena, grande contemplativa e grande ativa, falava de seu segredo: guardava dentro de si uma cela interior, um eremitério interior aonde quer que fosse. Santa Teresa passava horas em diálogo com Deus pelas estradas da Espanha.
São Francisco, certa vez, pediu a seus irmãos que caminhassem pelos bosques e a cada Pai Nosso que rezassem, colocassem uma pedrinha em um saco.
No final do dia, eles se encontraram e compararam entre si: cada irmão tinha um saco mais pesado do que o outro.
Chegada a vez de Francisco, só havia uma pedrinha… Seus irmãos disseram: deixaste-te distrair, Pai Francisco?
– Não, ovelhinha de Deus. Quando eu disse a palavra Pai, foi algo tão doce e sublime, que passei o dia contemplando essa realidade em Deus… Deus é Pai!
A capacidade de apreciar as realidades da vida, de saborear o presente e a poesia da alma, eis o que é a vida interior.
É não parar no parado, mas mergulhar no oceano que contém cada matiz do tempo presente.
É estar presente ao presente, ao essencial da vida (Jacques Maritain).
O divertimento e o lazer não são passa-tempo, meios para degustar a alegria de estarmos juntos com aqueles que amamos, por isso o homem de vida interior não precisa de passa-tempo o dia todo.
Precisa reaprender a saborear a vida, isso sim. Precisa redescobrir o que é ser feliz em Deus e uns com os outros, para comunicar essa felicidade pelo testemunho de uma vida feliz e serena, pacificada.
Para refletir
Essa Quaresma tão diferente não seria, no final das contas, uma oportunidade única para aprender a viver no sentido pleno da palavra, de dentro para fora, do interior para o exterior, em modo de transbordamento?
Daniel Ramos | Missionário da Comunidade Católica Shalom na França