Quandoo Evangelho proclamado e meditado no 3º Domingo da Quaresma (Jo2,13-25) ressoou no coração, foi uma experiência muito forte em que noscoube uma salutar reflexão sobre o mistério da identidade mais profundado homem. O zelo que tem Jesus pela Casa do Pai também diz respeito aotemplo interior, que é o coração do homem, espaço de intimidade, moradade Deus e lugar da graça, das virtudes, da força para praticar sempre obem. Coração, lugar do amor. Nesse sentido é compreensível a indignaçãoque sente Jesus quando o “Templo de Deus” é profanado, transformado emcomércio e corrupções. Deus é misericórdia e é justiça. Sua Salvaçãopede sempre de nós a acolhida livre do coração e as disposições paraviver a fé.
Nofinal do texto algo muito importante também nos chama a atenção e nosremete para uma reflexão atualíssima no que diz respeito aoconhecimento sobre o homem nos tempos modernos. Diz a narração: “Jesusestava em Jerusalém durante a festa da Páscoa. Vendo os sinais querealizava, muitos creram no seu nome. Mas Jesus não lhes dava crédito,pois conhecia a todos; e não precisava do testemunho de ninguém acercado ser humano, porque ele conhecia o homem por dentro” (Jo 2, 23-25). Éclaro que isso não quer dizer que Jesus fosse contrário ao saber humanosobre a compreensão da pessoa, mas não compactuava com quem usava esseconhecimento para manipular os outros e para banalizar os valores noque dizem respeito à Vida, à religião, às relações e ao Sagrado.
Quandoavaliamos a atuação das “Ciências da Vida”, ou as Ciências Humanas eSociais, sempre amparadas pela “Técnica Moderna”, não podemos negar queconstituem assim grandes dons que a humanidade já conheceu. O que seriade nós sem as maravilhosas descobertas científicas, tais como ainvenção dos óculos, as vacinas, as cirurgias, os remédios, osantibióticos, os exames mais diversos, de forma especial o pré-natal,os transplantes de órgãos, a doação de sangue, o acompanhamentopsicológico e psiquiátrico, etc. É indiscutível o benefício e acolaboração das Ciências para toda a humanidade e, principalmente, paraa melhoria das condições de vida dos que estão marcados pelaenfermidade.
Noentanto, também a Ciência precisa considerar seus princípios e valores,missão e objetivos, marcados por um limite ético nas suas ações. Issose faz necessário porque “o homem jamais veio a se tornar uma paixãoinútil”, como afirmou o filósofo Sartre. Acima de tudo, o objeto damissão da Ciência é a promoção da Dignidade humana em toda e qualquercircunstância. Toda pessoa quer ser feliz, mas essa felicidade não podeser alcançada arbitrariamente. Há sempre que levar em consideração oâmago de cada pessoa, a inviolabilidade e sacralidade da sua vida. Cadapessoa tem o supremo dom da liberdade que deve fazer o bem, como deveser objeto do bem dos outros. Junto à sua consciência, essa liberdadedeve ser iluminada pela reta razão. Não uma razão doentia, que seauto-proclama “assassina de Deus”. “Se Deus morre”, também morre ohomem. “Quem exclui Deus de seu horizonte falsifica o conceito derealidade” (Bento XVI, Aparecida, DI).
Avida humana nunca poderá ser valorizada quando encaixada numa lógicairracional e puramente utilitarista. Uma pessoa é, inconfundivelmente,- em qualquer situação ou circunstância – sempre uma pessoa. Nunca sedeve escolher uma vida em detrimento de outra. O princípio ético,filosófico e teológico: “o fim não justifica os meios”, permanecevital. As “ciências” se comportam hoje com a pretensão de conheceremmais o homem do que o próprio Deus. As reações observadas são dedesconsiderações a toda e qualquer defesa à dignidade do homem porparte de quem o acompanha a dois mil anos, no caso, a Igreja. Ela é –como diz Paulo VI – “perita em humanidade”. Esta expressão não é“chavão”, mas realidade que deve ser levada em consideração. A Igrejanão segue um personagem da história passada, mas a Cristo. “As dores eas alegrias, as angústias e as esperanças do homem são as da Igreja”.Ela está no “Caminho do Cordeiro” (cf. Ap 14,4), segue-oinconfundivelmente. Marcada pela finitude porque também é constituídapor homens mortais, não está a Igreja fora da infinitude porque ela é oCorpo de Cristo, Sacramento Universal da Salvação. “Somente Cristorevela ao homem verdadeiramente quem ele é” (cf. C. Vaticano II, GS22). Jesus conhece o homem por dentro. Cristo é o vivente que caminhaao nosso lado. Assumiu as dores as chagas do homem. Amou-o quando aindaera pecador e rebelde. Portanto, podemos nos afligir com as dramáticasquestões do homem moderno, mas jamais estaremos desorientados econfusos. Jamais voltaremos atrás na sua defesa e promoção dadignidade, felicidade e salvação.
Jesusconhece o homem por dentro. Ele é a referência e não nós, muito menos apretensa cultura que banaliza o seu próprio fim. As genialidades dohomem não podem continuar a se voltarem contra ele mesmo. A Ciênciaprecisa ter a “consciência do indivíduo” no seu valor único einsubstituível, como fala santo Tomás de Aquino. É preciso que noslivremos da escravidão de um individualismo cruel, do agir e julgarsempre na condição do “para mim, ou do que eu acho…” E perguntamos:Será mesmo que somos a referência? O que significam os Mandamentos deDeus inscritos no coração do homem? Jesus não destruiu os mandamentos,mas condenou o legalismo. Como é necessário esclarecer as consciênciasdas pessoas para que suas decisões sejam na luz de uma reta razão edaquela verdade natural fundamental: “faze o bem e evita o mal”. Quantaconfusão nos nossos tempos porque existem pessoas manipulando asconsciências dos outros e induzindo-as ao mal, ao assassinato dodireito de exercerem o princípio inalienável da defesa da vida. Tão bemexpressou Chiara Lubich, na sua recente “Palavra de Vida” (março /2009): “A coisa mais absurda que você pode observar neste mundo é, deum lado, a presença de homens desorientados, sempre em busca de algumacoisa, os quais, nas inevitáveis provações da vida, sentem a angústiadas privações, a necessidade de ajuda e a sensação de orfandade”.
Jesusconhecia o homem por dentro (Jo 2,25). Esta verdade parece mesmo chocara atitude presunçosa de quem se ver no direito de matar e destruir avida humana em nome da evolução e da modernidade. Razão evoluída eações irracionais são o que vemos. No entanto, parece que falta em boaparte dos cristãos a autenticidade da fé, a coragem e o zelo pela vida,templo de Deus que não deve ser profanado em circunstância alguma.Conceda-nos, Senhor, a coragem de caminhar para o “Cristianismo dosGuetos”, se assim for tua permissão, mas que a coragem do profetismotome o lugar da omissão e da cumplicidade com a barbárie vista eaplaudida pelos que se dizem teus seguidores, e que ainda recebe o nomede colaboradores do progresso. Conceda-nos, Senhor, a têmpera dosmártires para que a primeira corrupção a ser banida seja a da nossaconsciência e do templo do nossos corações, lugar que escolheste parahabitar.