Era meio dia e não tinha ninguém naquele poço histórico, onde gerações e gerações do povo hebreu, haviam matado sua sede e lembrado da fidelidade de Iahweh para com eles.
Mais cedo, as moças de família, as jovens, já tinham ido pegar a água necessária para as necessidades daquele dia, ou pelo menos, para o almoço das famílias, que costumavam ser bem numerosas. Também pastores e seus rebanhos já tinham se refrescado naquele lugar. Bem, era então o momento oportuno para aquela mulher, que não era bem vista pela sociedade da época, se aproximar e encher seu cântaro naquele poço que também era um manancial, afinal grande era a sua sede. Sua e de seu povo: além da água, sede de Amor e de misericórdia.
Não sabemos o nome dela, mas era samaritana. Os samaritanos pertenciam ao povo de Deus, mas desde a divisão do reino de Israel em dois, o povo do reino da Samaria começou a se unir com povos pagãos e a cultuar outros deuses, o que era proibido pela lei de Moisés. Então o Reino de Judá começou a desprezá-los e não considerá-los mais como parte do povo judeu, pois eram idólatras.
Quão grande deve ter sido a surpresa daquela mulher, quando chegando ao poço encontrou um homem sentado que lhe disse de pronto: “-Dá-me de beber”. “-Como? Tu te diriges a mim, uma samaritana desprezível?”… Se Ele soubesse a vida que levo nem olharia na minha direção, ela deve ter pensado. Como “um abismo chama outro abismo” (sl 42,7) o abismo do Amor chamou o abismo da necessidade de Amor. Ele a atraiu, precedeu e esperou. Na verdade, “era preciso passar pela Samaria”… (jo 4,4)
Por que então Ele não lhe ofereceu água ao invés de lho pedir? Aqui, Jesus pede o coração da samaritana para saciá-lo, para amá-lo. O poço era o lugar onde muitas vezes os jovens se conheciam e se apaixonavam. Era um lugar de encontro, Isaac e Rebeca são exemplos disso. E uma curiosidade: em hebraico, “dá-me de beber” tem sonoridade semelhante a “dá-me um beijo”. Jesus não falava hebraico, mas aramaico, porém, não é à toa que exite tal semelhança. Ainda no Cântico dos Cânticos o beijo é o próprio Espírito de Deus que é Fonte de Água viva. Aqui a sede e o amor de Deus pelo homem se tornam claros, especialmente quando este está sofrido, excluído, como a nossa amiga. Aqui a Fonte revela sua sede e seu amor pelo homem. Talvez também por isso ela se surpreendera: Ele quer meu coração! Nela, o povo samaritano abraçava a oportunidade de se reconciliar com Deus, deixando para trás falsos deuses. Na sua história, eles estão representados pelos 6 maridos que até então ela tivera 6. No entanto, agora ela estava diante do Esposo perfeito, este que seria o sétimo e último. O número 7 nas sagradas escrituras tem uma conotação de plenitude, perfeição.
Aos poucos naquela oração, ops, naquele diálogo, Jesus foi se dando a conhecer e despertando a sede da samaritana para uma fonte lhe saciaria plenamente. Nesse diálogo, ela se rende, confia e pede, sem ainda entender bem: “Senhor, dá-me dessa água”… vemos que pra fazermos a nossa oração só precisamos estar diante de Deus com sinceridade, o resto Ele faz com muita paciência e misericórdia. Ela que começa chamando Jesus de tu; depois Senhor, questionando quem Ele é; adiante quando Ele fala que ela não tem marido e que o atual não é seu, ela o chama de profeta e finalmente arranca de Jesus o que ela queria escutar: Ele é o Messias, o anseio e a esperança de sua alma!!! A vida de oração me revela a face Deus, me faz ver minha dignidade e minha missão: ela sai correndo. Pra anunciar… Acho que já escutamos (e vivemos) isso muitas vezes…
Um encontro de amor, onde Deus nos espera na hora certa, onde Ele, manancial profundo, rega a terra árida do nosso coração. Encontramos nosso Esposo, nos encontramos com quem somos. Esse encontro é a nossa oração, como diz o Papa Francisco, é o lugar onde Jesus nos sacia, perdoa, ilumina nossa história.
E o cântaro? Ela largou por lá mesmo, não precisava mais de suas seguranças, já tinha uma fonte de águas vivas jorrando dentro de si…