O despertador toca às 7 horas, levanto meio tonto, lavo a cara, sento-me de frente a uma estampa de Jesus crucificado… Mas onde está o barulho da queda da ponte? E o ruído das raízes fincadas no céu? Nem sei o que dizer ao Senhor nesta primeira hora da oração pessoal, então digo nada. Silêncio Ele. Silencio eu. Difícil é deixar que Ele me olhe, como difícil também foi ontem, mês passado, ano passado… Anos passados de vida consagrada e descubro que não aprendi ainda a rezar, a contemplar aos moldes de Teresa, parado com Deus, quieto, reverente diante do Mistério de Amor.
Agora pecar dói mais, pois a ferida que faz ao Coração de Deus está bem perto de mim
Os afetos, a imaginação e a memória continuam a atrapalhar e embaralhar muitas vezes; os afazeres, as preocupações, as contas, os problemas e as necessidades comunitárias e familiares, os prazos daquele artigo científico para entregar… Entrego-os de novo a Deus… Reúnem-se a isso os amigos, as autoridades, os formandos, os padres, os políticos, pelos quais, como celibatário, intercedo… Agora pecar dói mais, pois a ferida que faz ao Coração de Deus está bem perto de mim – prometer definitivamente é receber em minhas mãos pecadoras o Coração Sagrado, puro, misericordiosamente ferido, de Cristo Jesus e ouvir dEle: – É teu para sempre! Até o fim! Até o céu!
Agora as crises são mais agudas… Mas como? Não ganhei um escudo protetor e fulminante contra o pecado e contra as crises de oração? Não! Levanto, tomo o café da manhã (pequeno-almoço nestas terras portuguesas, onde ora vivo e tenho como missão terminar os estudos, sendo Shalom num alojamento de universitários e numa faculdade) e continuo. Estudo bíblico. Letras e palavras, mudo a estampa – agora para uma do Senhor ressuscitado…
Mas o alto grau de oração de um definitivo shalomita, onde está? O ardor de Francisco em amar o Amor e torná-Lo mais conhecido e amado, como? Está no «se eu encarnar» o que disse o Esposo das nossas almas, na liturgia de hoje: «a minha carga é suave e o meu peso é leve». Entretanto, e o sono perdido, as pálpebras pesadas, a juventude já ida em vigílias, evangelizações, eventos, células, o peso das cadeiras… de levar os móveis para lá e para cá, de montar e desmontar uma lanchonete, um acampamento…
11 anos de Comunidade de Aliança, mais alguns num grupo de oração, outrora Amigos do Shalom – reunião somente às quartas-feiras… Agora todos os dias e o dia todo pertencem ao Shalom do Pai, ainda que eu me esqueça. Decerto que a vontade de fugir do compromisso e sair correndo ficou pelo caminho. Como correr, se me deixei livremente estar amarrado ao mastro da barca de Pedro, de João, de Tomé… de José, de Edith Stein, de Terezinha? Do que preciso é fechar olhos e ouvidos ao Canto das Írias e das sereias. Nunca estamos preparados para o momento que muda nossas vidas, tampouco vemos que a queda da ponte e o crescimento-esvaziamento das raízes se deram, se dão e se darão no sim de cada dia…
Ainda não é o Céu, mas já é Eternidade!
Triste ou alegre, nublado ou ensolarado, com ou sem chuva e frio, doente ou são, cansado ou disposto, jovem ou adulto e até a velhice… sempre com Deus e com os irmãos. Beijo o Tau! Seguem missa, terço, exercício físico, almoço, estudos, trabalho, universidade, apostolado, ministério… Tudo é missão! Se antes o cronos, o temporário se punha entre eu e Deus, agora não mais. Ah, foi isso que mudou então? Purificações, iluminações e união das vontades (submissão da minha à vontade divina expressa na Palavra, no Catecismo, na Doutrina e Magistério da Igreja, nos Escritos, nos Estatutos, nas autoridades) não por um período, 2 anos de postulantado; receber o sinal, viver mais 2 anos de discipulado; ser consagrado e lutar dia a dia para viver o martírio da fidelidade e vencer tentações… Mas para sempre.
Fora nada mudou. E dentro? Dentro sim, tudo! E lá é o que importa, a vida interior, a amizade definitiva com o Ressuscitado que passou pela Cruz. A mim, continua o esforço, pobre e fraco, a tentativa ora mais ora menos corajosa; ao Senhor, o impossível, o milagre, o acolher minhas migalhas de renúncias e transformá-las em Paz, em pedaços de Paz para esta humanidade deste tempo. Ser alegre discípulo e ministro da Paz e agradecer para sempre, em cada novo dia por ter sido salvo, chamado e separado para Igreja, os jovens, os homens, os pobres, as famílias, os professores… Misericordiado e misericordiar.
Só tenho hoje para tentar viver com mais e melhor amor a profundidade da busca pela santidade, da radicalidade, da Comunhão de Bens, da partilha, do obedecer, da castidade, do envio… para tentar viver a revisão de vida. Faço o sinal da Cruz: «Deixai agora vosso servo ir em paz», não apenas porque durante a noite posso morrer, mas porque morro todos os dias para com Ele ressuscitar. Sono, sonho e acordo: já são 7 horas, o despertador toca… Ainda não é o Céu, mas já é Eternidade! De novo acreditar na Paz, exercitar a Caridade, esperar com Louvor, pois na Jerusalém celeste só amaremos. «Obrigado, Senhor, por me teres escolhido».
Everaldo Bezerra de Albuquerque
Consagrado na Aliança
Missão Braga – Portugal