A propósito da ética do “Já Que”, havia eu prometido voltar ao assunto com o objetivo de refletir um pouco sobre a “educação para virtude”. A ética do “Já que” consagra costumes que não promovem os valores da dignidade humana. Exemplificando: “já que os adolescentes muito cedo iniciam sua vida sexual, vamos distribuir ‘camisinhas’ que os protejam das doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez precoce”. Esta forma de pensar é despejada cotidianamente na mente de nossas crianças através da propaganda pelo uso de preservativos. Já houve quem acusasse a Igreja de irresponsabilidade por se opor a essa forma de combater a AIDS e de prevenir a gravidez precoce. Ora, a posição da Igreja reflete a proposta de vida que desde sempre ela ofereceu e continua a oferecer à juventude. Essa proposta concorda plenamente com a dignidade da pessoa humana e se assenta em uma antropologia que entende a realização da pessoa humana – sua felicidade – como um processo de integração de todos os seus dinamismos no horizonte do bem, vale dizer do amor. A pessoa cresce e se torna adulta na medida em que entra na posse de si, desenvolvendo de forma harmoniosa todos os seus talentos e na medida em que se torna capaz de uma inserção construtiva e prazerosa na comunidade humana. Esse caminho supõe um processo pedagógico que ofereça, desde os primeiros anos, meios que favoreçam o desenvolvimento da pessoa e que seja cientificamente fundamentado e cimentado por um amor sincero e maduro. Tendo o processo de crescimento da pessoa como autor o próprio sujeito, é necessário que o educador e a atmosfera educativa proponham para o educando um ideal de vida, que de fato corresponda à dignidade da pessoa e aos anseios que brotam de suas estruturas profundas. Posse de si , relação ativa com o mundo e com os outros, experiência da própria identidade e de pertença à comunidade, só são possíveis mediante um continuado empenho em harmonizar as várias dimensões do próprio ser em uma unidade presidida pelo bem verdadeiro, o bem pessoal e o bem da comunidade humana. Explicitando essa harmonização, o filósofo pagão, Aristóteles, elaborou sua ética. Ele entendeu que a felicidade – objetivo de toda ação humana – está na realização do bem, do que é de verdade o bem da pessoa e da comunidade. É nesse contexto que emergem as considerações sobre as virtudes. O ser humano se realiza quando se conforma ao bem, o bem propriamente humano. Fora da prática das virtudes não há felicidade verdadeira nem para a pessoa nem para a sociedade. A tradição filosófica greco-cristã viu nas quatro virtudes: Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza, as bases da vida moral e o caminho certo para a realização do ser humano. Educar para a virtude exige que os educadores sejam modelos de vida e que a atmosfera cultural em que crescem as novas gerações veicule os verdadeiros valores. Decididamente adotar a prática do “Já que” na condução dos destinos da sociedade é desistir da missão de educar. Mas, é isso que estamos vendo acontecer em nossos dias. Curioso como defensores da justiça social, desprezam, na prática, a formação das pessoas para a virtude, como se fosse possível uma sociedade justa sem pessoas virtuosas. O Santo Padre se referiu a essa contradição quando afirmou: “Tanto o capitalismo como o marxismo prometeram encontrar o caminho para a criação de estruturas justas e afirmaram que estas, uma vez estabelecidas, funcionariam por si mesmas; afirmaram que, não só não necessitariam de uma precedente moralidade individual, mas haveriam de fomentar a moralidade comum. Esta promessa ideológica se demonstrou falsa. Os fatos o mostram. O sistema marxista, onde se implantou, não só deixou uma triste herança de destruições econômicas e ecológicas, como também uma dolorosa opressão das almas. O mesmo vemos também no ocidente, onde cresce constantemente a distância entre pobres e ricos e se produz uma inquietante degradação da dignidade pessoal com a droga, o álcool e os sutis simulacros de felicidade”. Ainda: “As estruturas justas são, como o disse, uma condição indispensável para uma sociedade justa, porém não nascem nem funcionam sem um consenso moral da sociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver esses valores com as necessárias renúncias, inclusive contra o interesse pessoal”. Este consenso é fruto da educação, como ensino e como empenho em viver, moldando o próprio caráter, segundo esses valores. Entretanto, afirma o Santo Padre, “uma sociedade em que Deus está ausente não encontra o consenso necessário sobre os valores morais e a força necessária para viver segundo esses valores, mesmo contra seus próprios interesses”. Aqui se inscreve a missão precípua da Igreja: ser sinal de Deus no mundo. Voltaremos ao assunto.
Dom Eduardo Benes*
Arcebispo de Sorocaba (SP)