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Carmadélio reflete sobre a Paixão como mistério atual

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Carmadélio

Durante Retiro de Semana Santa em Fortaleza, Carmadélio Souza, membro da Comunidade de Aliança, responsável pelo sistema Shalom de Comunicação, falou sobre  a Paixão como mistério atual. Eis o texto na íntegra:

Bom dia! Enquanto eu estava de joelhos agora, recebendo a oração de vocês, eu estava exatamente meditando de que não existe forma melhor de nós nos colocarmos no dia de hoje do que estarmos de joelhos. A posição de nos colocarmos de joelhos é a posição de quem reconhece o mistério que nos ultrapassa, que é maior do que nós. Esse ajoelhamento que não é apenas físico, mas que deve ser também um ajoelhamento espiritual, onde nós nos colocamos assim diante desse mistério que nos ultrapassa, que é o mistério da vida, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

Sabemos que hoje é um dia único na história da Igreja, na história da humanidade. Também é um dia único na nossa própria história. Caso não houvesse acontecido esse dia, historicamente falando, há 2.000 anos atrás, nós nem estaríamos aqui. Nada do que vocês estão vendo aqui estaria acontecendo caso não houvesse, há 2.000 anos atrás, acontecido o que vamos refletir nessa manhã e que a Igreja toda nos chama a refletir. Na verdade, dois milhões de pessoas, de católicos em todo o mundo são convocados pela Igreja a esta parada memorial no sacrifício amoroso e expiatório de Jesus por cada um de nós.

Nós não estamos sós. Somos muito mais do que os milhares que estão presentes aqui no Ginásio. Estamos unidos de forma misteriosa aos católicos, aos homens de boa vontade no mundo inteiro, que são também tocados por esta graça e por esse mistério desses dias santificados. Mesmo nas sociedades atingidas pelo secularismo, aonde os mistérios da Semana Santa vão ficando cada vez mais colocados de lado, nós nos recordamos que antigamente nesse período praticamente não havia nada na cidade, onde tudo parava. Infelizmente fomos vendo com o avanço do secularismo que cada vez mais o mundo tende a ver esses dias como dias normais, iguais aos outros, e há até aqueles que veem apenas como tempo de descanso, um tempo de descanso merecido, como dizem. E há o perigo de nós mesmos cristãos irmos pouco a pouco perdendo o sentido daquilo que estamos vivendo. Esse é um perigo que sempre nos acompanha. Por isso momentos como estes, um retiro como este, tem também por objetivo ressignificar a obra salvífica de Cristo, fazer com que entendamos, lembremos e, mais ainda, fazer com que vivamos esse mistério. Nós não estamos sós. Estão conosco todos os católicos do mundo inteiro que também nesta hora estão a refletir, a meditar nesse mistério.

Nesse período do ano, nesse tempo litúrgico, existe uma palavra que a Igreja frequentemente usa para tentar traduzir o que nós vivemos. O próprio Moysés a pouco na apresentação usou essa palavra, onde ele dizia que celebrávamos o mistério central da nossa fé. E qual é a palavra que durante esse período ouvimos com muita frequência? É a palavra mistério. É uma palavra frequentemente repetida dentro dos atos litúrgicos, dentro da liturgia, dentro das palavras que são proferidas, porque é uma palavra que talvez consiga tocar aquilo que de fato queremos expressar.

Não sei se você entende exatamente o que significa a palavra mistério, mas o que você acha que significa? Qual a definição que você dá de mistério?

No sentido secular, não teológico, não religioso, a palavra mistério diz respeito àquilo que está escondido. Às vezes dizemos: “Ah, ‘fulano de tal’ é uma pessoa misteriosa. Nunca sabemos o que está pensando, o que acha das coisas”. Ou então dizemos: “Essa frase é misteriosa, tem se de pesquisar para entender o que a frase na verdade quer transmitir”. Mas no sentido teológico, que é o que estamos falando aqui, a palavra mistério diz respeito àquilo que é real, verdadeiro, não escondido, mas que é portador de um significado que nos ultrapassa pela sua grandeza e pela sua beleza. É não escondido, diferentemente do conceito que o mundo simplesmente tem da palavra mistério. Por isso que diante de hoje, Sexta-Feira da Paixão, normalmente ficamos sem palavras, porque é algo que nos ultrapassa, é algo maior do que nós.

Às vezes as pessoas dizem: “Eu queria viver melhor o mistério da Semana Santa”. Há até aqueles que dizem: “Ah Carmadélio, a impressão que tenho é que não consigo mergulhar nesse mistério. Vou para o retiro, mas parece que nada acontece. Escuto as palestras, participo, até chego mais cedo para não perder nada, mas parece que não consigo mergulhar. Tem coisa que não entendo”. Ouvimos com frequência pessoas que comentam isso. Na realidade o que celebramos hoje não é apenas a representação de uma realidade passada. Nós não estamos aqui apenas lembrando algo acontecido no passado, mas trata-se de trazer esta realidade acontecida há 2.000 anos atrás para os dias de hoje. O que estamos fazendo aqui não é apenas fazendo memória, nos lembrando do que aconteceu, não! A Igreja nos chama a mais do que representar esta realidade passada, mas atualizar esta realidade pela graça do momento que vivemos na Igreja.

Diferentemente de slogans ou de frases ditas no mundo, as palavras que a Igreja profere ou os tempos litúrgicos que a Igreja nos convida a viver, são tempos portadores de uma graça especial, correspondente àquele tempo. Vou dar um exemplo simples para entendermos. O dia do nosso aniversário não é um dia igual aos outros, é um dia diferente. Vivemos todo aquele dia iluminados por essa expectativa, onde os amigos telefonam ou não, as pessoas se lembram ou não, alguns cantam parabéns. Normalmente ficamos na atitude de não dizer para ninguém, mas sempre tem alguém que sabe e faz festa. É um dia especial e de certa maneira o nosso aniversário começa na hora em que acordamos e termina na hora em que vamos dormir, mesmo que o dia continue. É um tempo especial que nós vivemos. Trazendo esse simples exemplo para o tempo litúrgico, é mais ou menos isso que a Igreja nos proporciona.

paixao atualUm tempo litúrgico especialíssimo como é esse, e que a Igreja no mundo todo celebra esse mistério, nós não apenas somos convidados a como um torcedor de um jogo de futebol, acompanhar o que está acontecendo no campo. Vocês sabem que um torcedor é aquele que se coloca torcendo por um time. A nossa atitude e o que a Igreja pede de nós não é uma atitude de torcedor, de alguém que chega à arquibancada, se senta, traz a sua água, tem as suas anotações, e fica acompanhando lá embaixo o jogo acontecer. Não é essa a postura que a Igreja espera de nós, nem é essa a proposta do nosso retiro.

Para que entendamos, nós não somos chamados apenas a torcer para que o nosso time ganhe. Nós somos chamados a entrar no campo e a jogar. Atualizar a graça significa isso: entrarmos no campo e jogarmos. Não apenas contemplar no sentido distante, de dizer: “Nossa, isso é belo, que lindo! Oh Jesus!”, é muito mais do que isso! Significa eu entrar no campo, me envolver, participar, porque somente assim poderei receber a graça correspondente ao tempo que estou vivendo. É por isso que há pessoas que vem para momentos como esse, que voltam e dizem: “Louvado seja Deus! O retiro foi fantástico!”, e há outras que voltam e dizem: “é, foi bom.”. Qual é a diferença? O que faz a diferença? É o nosso acolhimento pela fé do mistério que estamos vivendo. Não basta apenas contemplarmos o mistério da fé. A Igreja nos convida a acolhermos em nossa própria vida esse mistério da fé.

Vou dar outro exemplo para podermos entender. Se eu pegar um rádio portátil e liga-lo aqui dentro do ginásio, colocar na rádio Shalom, vou me ouvir, pois o que estamos falando aqui está sendo transmitido aos nossos ouvintes da Rádio e também pela internet, mas você não está vendo nada aqui, mas esse ambiente está repleto de ondas de rádio. Eu preciso de um receptor, de um aparelho de rádio para captar o que está aqui, mas não estou vendo. Trago um radinho, ligo na Rádio Shalom 690 e a escuto. É um exemplo simples para nos ajudar a entender. A graça é como se fosse essa onda que está aqui presente. Há uma graça especifica para nós neste dia, mas precisamos ligar o nosso receptor para acolher. Precisamos ligar o rádio para acolher, e o que faz o rádio ser ligado? É a nossa atitude de fé, de não sermos apenas contemplativos do mistério, mas participantes de mistério. De não sermos apenas torcedores de arquibancada, mas entrarmos no campo para jogar, e o que vai acontecer? Esse mistério vai atingir a nossa vida hoje e agora, deixará de ser um mistério que eu não entendo e diante do qual eu contemplo e que espero que alguém explique para ver se vou entender. Vai se tornar algo que entro dentro e começo a desfrutar desta graça, porque eu não preciso tanto da compreensão intelectual para viver o mistério. Aliás, se eu quiser viver o mistério fixado apenas na compreensão intelectual, corro o risco de limitar o mistério à minha compressão intelectual, e aí tendo a limitar o mistério apenas àquilo que eu sou capaz de alcançar. É exatamente a proposta do mistério, é ultrapassar esse limite. Por isso que quando você tenta entender os mistérios da Semana Santa apenas de forma intelectual e racional, você perde a grande riqueza desse tempo litúrgico, que, além, da reflexão intelectual, e por isso lemos, há palavras proclamadas, pregações, há aquilo que só Deus é capaz de fazer no coração de cada fiel. O fiel que está aqui no Ginásio Paulo Sarasate, mas o fiel que está ouvindo a transmissão pela Rádio, e aos fiéis do mundo inteiro que acompanham esse retiro pela internet. O belo é isso!

O mistério não é limitado pelo tempo nem pela geografia. Não é limitado nem mesmo pela história, porque o mistério ultrapassa a história! O mistério ultrapassa o tempo, ultrapassa os limites! Os limites intelectuais, racionais. Lembram-se do inicio em que falei que o mistério é algo que nos ultrapassa pela sua beleza e grandeza? E o que a Igreja pede de nós neste dia? Uma atitude de fé para acolher o mistério. E de repente queridos, nós não estamos mais apenas no Ginásio Paulo Sarasate, mas estamos agora no Calvário. De maneira tal que talvez no final do dia alguém nos pergunte: “Fulano, você foi para onde nesta Sexta-Feira Santa?”, e se nós tivermos vivido bem o mistério que a Igreja nos convida a viver, provavelmente responderemos: “Eu estive nessa Sexta-Feira Santa no Calvário”. Como está a sua vivência desse mistério?

Vamos iluminar este mistério. Abra sua bíblia em Isaías 53. Vamos tentar mergulhar no mistério. Vamos ler agora o capítulo de uma profecia messiânica de um profeta. Ela foi escrita 800 anos antes do que vai narrar. Quando lemos Isaías 53 dizemos assim: “Meu Deus, o que lemos aqui é o que aconteceu com Jesus!”. Mas quando o autor sagrado, inspirado por Deus, escreveu essa profecia, ele não falava do que havia acontecido, como nós hoje olhamos. Hoje olhamos para Isaías 53 do presente para o passado, mas o profeta quando inspirado por Deus o escreveu, ele falava do futuro e de um futuro que ele não alcançava, que ele intuía, mas não sabia definir. Quando lemos Isaías 53 vemos de maneira muito bela e forte o cumprimento das promessas messiânicas em Jesus Cristo.

 

“Quem creu naquilo que ouvimos, e a quem se revelou o braço de Iahweh? Ele cresceu diante dele como um renovo, como raiz que brota de uma terra seca; não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens, um homem sujeito à dor, familiarizado com a enfermidade, como uma pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos caso nenhum dele. E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava. Mas nós o tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e humilhado. Mas ele foi trespassado por causa das nossas transgressões, esmagado em virtude das nossas iniquidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz, caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados. Todos nós como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada um o seu próprio caminho, mas Iahweh fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro conduzido ao matadouro; como uma ovelha que permanece muda na presença dos seus tosquiadores ele não abriu a boca. Após detenção e julgamento, foi preso. Dentre os seus contemporâneos, quem se preocupou com o fato de ter ele sido cortado da terra dos vivos, de ter sido ferido pela transgressão do seu povo? Deram-lhe sepultura com os ímpios, o seu túmulo está com os ricos, se bem que não tivesse praticado violência nem tivesse havido engano em sua boca. Mas Iahweh quis feri-lo, submetê-lo à enfermidade. Mas, se ele oferece a sua vida como sacrifício pelo pecado, certamente verá uma descendência, prolongará os seus dias, e por meio dele o desígnio de Deus há de triunfar. Após o trabalho fatigante da sua alma ele verá a luz e se fartará. Pelo seu conhecimento, o justo, meu Servo, justificará a muitos e levará sobre si as suas transgressões”.

 Carmadélio Souza/ Decupagem: Irlanda


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