A fortaleza nos leva a nos decidir pelo bem, a termos coragem e generosidade nos esforços necessários para cumpri-lo e a constância para continuar o esforço até o fim.
A vida cristã é um chamado de Deus a viver em si mesmo a vida de Jesus Cristo. Somos filhos no Filho, e pelo nosso Batismo existe todo um organismo espiritual que começa a se desenvolver a fim de que possamos, como nos lembra Padre Amedeo Cencini, deixar que Deus forme em nós os sentimentos do Filho. É esse o nosso chamado, a nossa vocação.
Podemos então chamar a vida cristã de vida sobrenatural, que é inserida em nossa alma pela graça santificante. Para que ela possa se desenvolver, a vida sobrenatural – ou como chamamos hoje mais comumente ‘vida no Espírito’ – precisa de faculdades de ordem sobrenatural, que chamamos na teologia espiritual de virtudes infusas e dons do Espírito Santo.
As nossas faculdades naturais precisam ser aperfeiçoadas e divinizadas por hábitos infusos que as elevam e as ajudam a agir sobrenaturalmente.
Deus ampara o homem
Deus, no seu infinito amor, não nos abandona a nós mesmos, mas nós dá duas sortes de ajuda: as virtudes e os dons. A diferença primordial entre virtudes e dons é simples: as virtudes nos deixam mais ativos, precisam da decisão do homem para caminhar numa vida virtuosa, que exige disciplina, mortificação e determinação; os dons não exigem tanto uma ação vigorosa da nossa vontade, mas um deixar-se conduzir e levar pela graça de Deus.
As virtudes são teologais e morais. As primeiras influenciam diretamente no nosso relacionamento com Deus; as segundas não têm Deus como objeto primeiro da ação, mas nos fazem viver de uma tal maneira voltados para o que é bom, justo, verdadeiro e belo, que contribuem poderosamente para vivermos em santidade e justiça na presença de Deus.
Em meio às virtudes morais, temos quatro que chamamos de cardeais, pois são como raízes de uma multidão de outras virtudes morais. Eis as quatro: prudência, justiça, fortaleza e temperança.
Hoje, vamos falar sobre a virtude cardeal da fortaleza.
Suportar o que é difícil
A virtude da justiça, ajudada pelas virtudes de religião e obediência, ordenam nosso relacionamento com os outros homens. As virtudes da fortaleza e da temperança ordenam nosso relacionamento conosco mesmo.
Segundo Adolph Tanquerey: “A virtude da fortaleza, que chamamos de fortaleza da alma, força de caráter ou virilidade cristã, é uma virtude moral sobrenatural que fortalece a alma na sua luta pelo bem difícil, sem se deixar abater pelo medo, nem mesmo o medo da morte. Seu objeto é de reprimir as impressões de medo que tendem a nos paralisar nos nossos esforços pelo bem, mas também ajuda a moderar a ousadia que poderia se transformar em temeridade. Seus atos nos levam a suportar e executar ações difíceis. A fortaleza nos leva a nos decidir pelo bem, a termos coragem e generosidade nos esforços necessários para cumpri-lo e a constância para continuar o esforço até o fim.”
A virtude da fortaleza nos leva também a suportar com paciência as provações numerosas e difíceis que Deus permite que vivamos, tais como sofrimentos, doenças, humilhações, calúnias ou quando somos atacados por tentações que duram muito tempo.
Vejamos alguns graus da virtude da fortaleza: os iniciantes na vida espiritual devem lutar contra os temores que surgem diante das exigências do cumprimento de seus deveres como cristãos; devem lutar, portanto, contra o medo de se cansarem por causa do Reino e de se tornarem pobres ao usarem seus bens na partilha com os outros irmãos ou com a Igreja.
Os iniciantes devem aprender a sacrificar seus bens temporais pelos bens eternos, reconhecendo que o único mal verdadeiro é o pecado, que precisa ser evitado, custe o que custar. Devem também suportar com paciência quando são ridicularizados ou quando perdem amigos e amor de familiares por causa da fé.
As almas mais avançadas no caminho de Deus procuram imitar a virtude da fortaleza vivida por Jesus. Elas desejam, pois, imitar a vida escondida do Senhor, tendo horror ao reconhecimento humano e mundano.
Essas almas amam fazer o bem escondidas, querem fazer e suportar os trabalhos mais duros no lugar dos irmãos mais frágeis ou doentes, e o fazem com alegria. Elas amam os serviços mais humildes e até se apresentam livremente para fazê-los.
Gostam de jejuar e de se sacrificar pela conversão dos pecadores, seguindo o exemplo do Divino Esposo. Sofrem com paciência as humilhações e as doenças dessa vida a fim de atingirem a santidade que Deus, desde toda eternidade, preparou para elas.
Tudo isso vivido por amor ao Divino Esposo contribuem para aumentar o fogo do amor esponsal em seus corações e as dispõe aos piores sofrimentos, fazendo-as desejar até o martírio por amor a Jesus, se a Divina Providência as achar dignas de tal presente.
A virtude da paciência
Uma virtude muito ligada à fortaleza é a da paciência. A alma que vive a virtude da paciência tem a certeza absoluta de que tudo o que ela sofre contribui para que atinja o grau de santidade que o Deus de amor sonhou para ela. Como nessa vida o que importa é ser santo, a alma repleta da virtude da fortaleza e da paciência não tem outro desejo a não ser o de sofrer pacientemente todas as vicissitudes que nesta vida de exílio o Senhor permite que ela viva. E tudo para a maior glória de Deus!
Para adquirirmos a virtude da fortaleza, basta desconfiarmos de nós mesmos e termos uma confiança absoluta em Deus, o único forte. Isso fará com que busquemos todos os meios que a vida espiritual nos propõe para vivermos na santa vontade de Deus: muita oração, amor e leitura da Palavra, vida sacramental, penitência – especialmente o jejum, que educa a vontade – atos de caridade pelos mais fracos e desejo sincero de caminhar na verdade de Deus e de si mesmo, sem dissimular as próprias fraquezas diante do acompanhador espiritual.
O amante de Deus sabe que “tudo pode Naquele que lhe fortalece” e por isso vai decididamente para o Senhor. Depender do amor de Deus, a primazia da graça também é arma importantíssima: “A Caridade de Cristo me constrange”.
Mas afinal, onde está o teu Deus?
Gostaria de terminar com o testemunho de Elizabeth, chamada na Rússia de “a nova mártir”, martirizada por ser cristã no início do comunismo, logo após a Revolução Russa de 1917.
Seu testemunho é a descoberta da presença de Deus em seu interior, fonte de fortaleza:
“Aqueles que creem possuem um sol interior que ilumina toda tempestade na qual estão mergulhados. Sentem a presença do Santo Espírito que ilumina seus caminhos. Assim a felicidade se torna eterna, mesmo quando nossos pobres corações humanos tão limitados atravessam momentos que parecem terríveis. Rezemos, trabalhemos, esperemos! E a cada dia experimentaremos a Misericórdia de Deus. Na verdade, fazemos a cada dia a experiência de um milagre constante.”
[1] TANQUEREY, Adolph, Tratado de Teologia Ascética e Mistica, pg 237
[2] Fl 4,13
[3] II Co 5,14
[4] ELISABETH NOUVELLE MARTYR, op cit em DANIEL ANGE, l’étreinte de feu, Le sarment
Daniel Ramos | Missionário da Comunidade Católica Shalom
(Texto originalmente publicado na Revista Shalom Maná)