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Em tempos de pandemia, o coronavírus não é o maior problema!

“É chocante a situação de extrema-pobreza’, descreve missionário do Shalom sobre realidade de Lubango, na Angola.

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População Angolana é marcada pela extrema pobreza. Foto: arquivo Missão Shalom Lubango.

Pela primeira vez enfrento temperaturas mais amenas. Sendo eu natural do Nordeste do Brasil, acostumado a viver o calor da minha região de origem, sofro a mudança de clima. Na Angola, a Comunidade se encontra em processo de fundação, sendo assim, para todos os missionários o clima ainda é algo novo.

Durante o dia o clima é abafado, quando chega à noite a temperatura cai. O termômetro chega a marcar 8 °C para a temperatura mínima e 25 °C para a máxima, essa variação pode alcançar extremos de 1 °C até 34 °C no mesmo dia. Diante disto, decidimos comprar alguns cobertores, pois estávamos a passar frio durante a noite.

O que parecia a mim ser tão comum, como a compra de um cobertor, tornou-se um ato de reflexão, ao lembrar-me das famílias que conheci há alguns dias. Pensei, e disse para mim mesmo: “Eu tenho tudo; tudo o necessário para enfrentar o inverno. Durmo em uma cama com dois cobertores, uso pijama adequado e moro numa casa de estrutura favorável, e mesmo assim, estou a sentir frio”. Essas famílias dormem no chão, deitam sobre tecidos amontoados, e com ele agasalham-se, as roupas que possuem são insuficientes e impróprias para o clima, suas casas, feitas de barro e placas de alumínio, não favorecem proteção alguma contra os ventos gelados.

Entrega das roupas pelos Missionários do Shalom da Missão de Lubango, na Angola. Foto: Missão Shalom Lubango.

Enquanto eu uso da energia para ter água quente e realizar as necessidades básicas, como tomar banho e escovar os dentes, eles nem sequer possuem energia elétrica, ou água encanada. Diante desta dura realidade, surgiram em mim muitos questionamentos: posso comprar mais um cobertor para proteger-me do frio. E eles? Como estão suportando este período? Como passam a noite?

Volto-me para Deus e pergunto: “Senhor, onde tu estás?” Ele responde sempre da mesma maneira: “Em você!” A resposta Dele é o bastante para silenciar todas as questões que tenho e me fazer perceber que estar neste país, que tocar no sofrimento deste povo sem tratá-los com indiferença; e mesmo sem poder fazer muito, desejar ardentemente ajudá-los já é manifestação do amor de Deus por eles.

Deus quer agir através de mim; quer agir através de você. Em seu projeto de Amor, Deus conta conosco. Neste cenário de extrema pobreza, a falta de dignidade humana é chocante. Em meio a tanta carência, a que me marca de maneira profunda é necessidade de ser notado. O desprezo é a  maneira com que muitos agem, para que o pobre não os incomode. Percebo que ao serem olhados sentem-se totalmente constrangidos. O desprezo é tão presente que ser visto gera neles certo desconforto. Confesso que os pobres também provocam em mim um incômodo, porém mesmo com esse incômodo, eu não posso rejeitá-los. 

Eles precisam ser olhados, acolhidos e amados. Deus olha, acolhe, ama cada um deles de modo pessoal e único. Eles precisam saber disto. Esta é a nossa missão aqui! Hoje, materialmente falando, pouco podemos fazer com relação ao frio que eles passam, mas tenho certeza que, seja pela esperança motivada através de nossas simples palavras ou por meio de nossas orações, o amor de Deus lhes é apresentado, e os seus corações são aquecidos.

O número de contaminados pela Covid-19 no país não para de crescer. Em Lubango, na cidade onde vivemos ainda não há nenhum caso da doença; acreditamos que não tardará a chegar. Mas, quando perguntamos às pessoas se  a pandemia os preocupa. Muitos respondem: “Sabemos que o Coronavírus trará mais sofrimento, por enquanto, nos preocupa mais as dificuldades que enfrentamos dia a dia”. Em tempos de pandemia as preocupações são outras. Pois, o coronavírus é algo ainda muito distante a eles; o frio, a fome e as várias doenças encontradas no país. É causa de maior preocupação e sofrimento.

Enfim, cada dia se torna para mim uma nova oportunidade de colocar em prática a fé, a esperança e a caridade. Assumindo assim, a missão que me foi confiada de abraçá-los em suas dores e alegrias, e o chamado de Deus a me unir a Ele, unindo-me a este povo.

Hugo Oliveira Jordão  

Lubango – Angola, 25 de julho de 2020


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