Evangelização: Levando a verdadeira Paz
Outro dia vi em uma revista um mapa do mundo colorido segundo o índice de segurança para o turismo após os atentados de 11 de setembro. Estranhamente, havia apenas duas cores. O vermelho, para os países onde a segurança havia sido afetada, e o amarelo, onde havia ainda segurança apesar das ameaças terroristas. Chamou-me a atenção o fato de o único país em amarelo ser exatamente o Brasil.
Rigor e isenção científicas à parte, o mapa bicolor provocou a reincidência de um questionamento que me faço desde setembro último: o que Deus espera de nós – além de oração – diante desta guerra? O que Ele deseja de nós como cristãos? O que Ele revela a nós, vocação de paz que tem por nome a saudação que evoca a verdadeira Paz, da espiritual à social? Por que a maior população católica do mundo estaria localizada exatamente no único pais amarelo do mapa? Por que, neste dito país, surgiu há vinte anos a vocação de discípulos e ministros da paz? O que Deus está querendo nos dizer, afinal?
A estas últimas informações juntam-se inúmeras outras. Por um "lado", os números impressionantes da população muçulmana no mundo; a confusão entre islamismo e terrorismo; o recrudescimento dos conflitos entre Israel e Palestina; o desfile impactante de crianças armadas e treinadas para morrer em nome de Alá; a dureza dos rostos dos jovens, mãos nos cinturões-bomba, ansiosos pelo suicídio em nome da guerra santa; a produção e consumo livre de drogas; a evidência dos estragos incalculáveis do fanatismo em meio à miséria comandada por um governo totalitário que se crê instituído em nome de Deus.
Por outro "lado", impressiona a impotência da nação mais "poderosa" do mundo diante dos ataques inesperados, ironicamente antevistos em seus filmes; o desejo imediato e "politicamente correto" de vingança; as elaboradas articulações diplomáticas; os ataques milionários e diários; a busca infrutífera do inimigo em solo afegão; a caçada ao inimigo em solo pátrio, sob as benesses do "green card", através do qual a democracia legaliza os imigrantes no país; as bactérias que ameaçam, silenciosas, vindas não se sabe de onde; a evidência dos estragos incalculáveis da auto-suficiência social e política da maior democracia do mundo.
Estes fatos, em meio a muitos outros, dão o que pensar. A auto-avaliação é inevitável. A comparação também. Por exemplo: por mais que saibamos que não se pode confundir terrorismo com islamismo e que, embora usem o nome do Islã, os terroristas envolvidos contrariam o Corão, não há como deixarmos de refletir que os islamitas não hesitam em ter dezenas de filhos, com mais de uma esposa, e se espalham pelo mundo, em fiel adoração a Alá. Enquanto isso, os católicos encontram facilmente argumentos para desobedecer à orientação da Igreja e de todo jeito limitar sua prole a dois, três filhos no máximo, sem nenhuma preocupação maciça de ensinar-lhes a verdadeira adoração ao Deus Vivo.
A fidelidade a Alá e ao Corão, imposta ou não pelos regimes teocratas, para o bem ou para o mal, tornou-se evidente para o mundo esquecido do Oriente. Já da fidelidade a Jesus Cristo, à Bíblia e ao Magistério não se pode dizer a mesma coisa.
Outra comparação inevitável: os rostos esquálidos das crianças afegãs e as faces rosadas dos pimpolhos americanos deixam evidente que a caridade e a justiça não têm sido, exatamente, as mais altas virtudes dos cristãos.
Poderíamos caminhar de comparação em comparação. No entanto, estas não convêm a não ser dentro de um restrito limite que leve à auto-avaliação. Além deste limite, põem em risco a unidade, trazem a ameaça da divisão. Passemos, portanto, à auto-avaliação.
Estamos – todos – em guerra. Seja qual for nossa cor no mapa da segurança, a guerra já nos atingiu. Para a imensa maioria de nós, porém, é uma guerra "lá longe", uma guerra "deles". No nosso coração cristão, ainda há, estranhamente, a divisão entre o "deles" e o "nosso". O resultado é que a guerra, com suas notícias evidente e justificadamente censuradas, passa a ser para alguns mero motivo de curiosidade, de assunto de conversas sociais, e – o pior – de "torcidas".
Esquecendo-nos de que somos cristãos, que somos ministros da paz, instintivamente colocamo-nos "do lado", ora de um, ora de outro "deles". Pegamo-nos "torcendo" pública ou secretamente, para que "peguem logo o Bin Laden" ou para que "eles aprendam agora o que é bom, o que é ser fraco", oscilando entre os dois "lados" como se este direito nos tivesse sido dado pela cruz de Jesus. O cristão, entretanto, só tem um "lado", só tem um "partido", o da caridade, que tem como fruto a paz – o lado do Deus que é Pai de todos, que faz chover sobre o justo e injusto, sobre o "bom" e o "mau".
Estamos todos em guerra… lá fora, lá longe. Evitamos pensar à luz do Evangelho, à luz da vontade de Deus, para não entrarmos em guerra… aqui dentro, aqui bem perto, aqui em mim mesmo. Quem tiver ouvidos, porém, procure ouvir o que o Espírito diz à Igreja, aos cristãos, aos católicos, aos ministros da Paz.
Nossa Senhora tem dito: "Rezem, rezem, rezem!" (assim mesmo, repetido por três vezes). "Ela refere-se à intercessão", diriam alguns. Mas, será mesmo só isso? Não é a oração o meio mais seguro para o autoconhecimento, para nos mantermos inflamados pelo fogo do Espírito? Que quer dizer a Mãe de Deus? Não estaria ela referindo-se ao que disse o Filho: "Eu vim trazer fogo à terra e que mais quereria a não ser que ele se espalhe?" (Lc 12,49). É a oração, a vida espiritual, em especial os sacramentos, que mantêm este fogo aceso, ansioso por espalhar-se.
Lembro-me de um outro mapa, publicado recentemente, onde se mostrava o avanço da fé islâmica. Era um verdadeiro e alastrado incêndio. Procurei no mapa a referência ao avanço da fé cristã. Não havia. Fiquei a olhar o mapa e pensar: onde estaria este fogo cristão no mundo? Aonde se teria alastrado? E, uma vez alastrado, estaria ainda aceso? Quando o Filho de Deus voltar, encontrará ainda a fé sobre a terra? (Lc 18,8)). Ou encontrará, talvez, um frio mapa que faça referência aos batizados que não vivem sua fé ou que evitam entrar no fogo para não se queimar? Quando entenderemos, afinal, que somos nós, cristãos, o combustível que espalha o fogo no mundo e, se o combustível nega-se a consumir-se, a arriscar-se, a queimar-se, o fogo se extinguirá? Impossível não nos lembrarmos, aqui, dos cristãos martirizados que ardiam em fogo sobre postes, de tal forma dispostos e tão numerosos que iluminavam a cidade de Roma! Onde andará quem anseie juntar-se a esta cepa escolhida de mártires e postar-se em tal disposição e em tal número que iluminemos o mundo?
As recordações dos começos se impõem: dia e noite, Bíblia na mão (visão tristemente rara hoje em dia), nossa meta era evangelizar. Inoportuna e oportunamente – mais inoportuna que oportunamente – nossa principal preocupação e principal atividade era… evangelizar! Isso mesmo, evangelizar, anunciar a Boa Nova do Evangelho da Paz! Não havia medo, pouco tempo, respeito humano que nos impedisse. E quando nos encontrávamos era para testemunharmos as maravilhas que o Senhor havia feito na escola, no ônibus, no supermercado, no trabalho. Como nos inícios da Igreja, Deus dava testemunho de nossa evangelização com prodígios e sinais (cf. At 2,43).
Impõem-se, também, algumas tristes constatações do presente: as Bíblias desapareceram das mãos, as prioridades foram substituídas por outras "mais sensatas", a preocupação conosco próprios nos amornou, o respeito humano nos paralisou, o mundo nos confundiu. Hoje, nossa consciência fica tranqüila quando participamos dos grandes eventos de massa onde "outros" evangelizam, quando assistimos, passivos, à evangelização dos "outros" na TV, no rádio, nos ginásios. Assistindo confortavelmente, julgamo-nos justificados e voltamos para casa para as últimas notícias da guerra, que também não é nossa.
Por que o Oriente Médio não está evangelizado? Por que as Américas – de população cristã – não estão evangelizadas? Por que o fogo não se espalhou ainda na terra? Por que Jesus teria perguntado se, ao voltar, encontraria ainda a fé sobre a terra?
Estamos muito lentos, lentíssimos, em nossa evangelização. Ela não é mais assunto nosso, nem nossa principal preocupação, nem nosso principal investimento de tempo, de capacidades, de dinheiro, de vida. O que fazer? Por que esta guerra agora? Por que Deus nos teria dado o Vaticano II e, como fruto dele os movimentos e novas comunidades, a RCC, o Shalom, por quê? Como ler, como interpretar, como responder ao que Deus nos está falando através da guerra, da miséria que contrasta com a opulência, da fraqueza que desafia a força? Como eu poderia sentir-me responsável pela paz se não me sinto responsável pela guerra?
A resposta talvez esteja em um diálogo que travei há três dias com um santo sacerdote, evidentemente destemido, evidentemente sustentado pela oração de três horas ao dia. Tendo acabado a celebração da Eucaristia, fui cumprimentá-lo e, à guisa de puxar conversa, perguntei:
– Então, padre, é muito difícil a evangelização em uma cidade como São Paulo, não é verdade?
Para minha surpresa ele respondeu, seco:
– Não!
Meio sem graça, perguntei:
– Como assim? Uma cidade enorme dessas, um povo tão empenhado em sobreviver…
Antes que eu continuasse minhas justificativas ele, graças a Deus, interrompeu-me:
– Não é que seja difícil evangelizar. Evangelizar não é difícil. Não evangelizamos porque não somos santos. Quando formos santos como Deus quer que sejamos, evangelizar não será difícil em lugar nenhum do mundo!
Enquanto o olhava sem resposta, desfilaram diante de mim João Paulo II, Madre Teresa de Calcutá, Edith Stein, e fileiras e fileiras de mártires da China, da Coréia, da Turquia, do Vietnã, do Paquistão…
– O Senhor tem razão, padre, tem razão…, consegui concordar, admirada de sua sabedoria.
Você entendeu? Estamos em guerra porque ainda temos partidos. Estamos em guerra porque não fazemos violência a nós mesmos por amor a Deus. Estamos em guerra porque queremos viver a nossa vida em paz. Estamos em guerra porque recusamos a guerra interior. Estamos em guerra porque não evangelizamos, porque não levamos, loucamente, desatinadamente, apaixonadamente, as pessoas a uma experiência com Jesus Vivo. Estamos em guerra porque amamos mais a nós mesmos que a Jesus. Estamos em guerra porque, quem sabe, assim pode ser que acordemos para o clamor daquele que diz: "Não vim trazer a paz, mas a espada!" (Mt 10,34), "a vida eterna pertence aos que se fazem violência" (cf. Mt 11,12), "quando o Filho do Homem vier, encontrará ainda a fé sobre a terra?" (Lc 18,8), "eu vim trazer fogo à terra e o que mais quereria senão que ele se espalhe?" (Lc 12,49). Estamos em guerra porque ainda queremos ganhar a vida, porque não nos importa que o fogo não se tenha espalhado, porque não temos pressa em evangelizar, porque falta-nos, ainda, sermos santos para colorirmos o mapa do mundo com a cor da Paz