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Sobre o tema
Na Literatura javista posta em Gen. 2, Deus cria o homem com a elevada missão de cultivar e guardar a terra, ladeada da responsabilidade de permanecer amigo de Deus, de não pecar.
A necessidade de amar
Na grandeza desse amor que cria promovendo missão e responsabilidade, Deus reconhece que o homem precisa de uma “correspondência exata” para bem viver o chamado [1].
Apresentado aos animais do campo e às aves do céu para dominá-los, a pessoa humana toma consciência da superioridade, ou seja, “de não poder colocar-se em igualdade com nenhuma outra espécie de seres vivos sobre a terra” [2].
A solidão
Diante do impacto do diferente, o ser humano, inserto no processo de auto revelação, conhece e se reconhece subjetivamente distinto e sente solidão.
A partir desse contato com os animais criados, o homem vive a experiência de não se identificar, de não ser, de não se reconhecer igual, já que, tendo nominado cada um deles, “para si mesmo, não encontrou a auxiliar que lhe correspondesse [3].”
A solidão do primeiro homem revela o traço essencial da imagem do Deus-Trindade no ser humano, pois Aquele (Deus) é uma Pessoa em três e vive em relação, em comunhão, em amor, e esse (homem), sofre a solidão de não ser, por ser só.
A falta do semelhante é sentida pela dupla [4] solidão humana, naquele estado de torpor de Adão, o tardemah [5], uma tristeza imersa por essa carência, “o pavor de não ser”.
A mulher: Um grande dom
Deus, então, o faz cair em sono profundo, tirando dele mesmo o extraordinário acontecimento da mulher, feita para o homem e do homem, feito para a mulher; o exclusivo dom da complementaridade.
Conceber o dom da masculinidade e da feminilidade sob o pressuposto da solidão humana traz ao centro a profunda necessidade do homem de encontro com alguém que lhe corresponda.
Não se fala aqui de um ser incompleto, a quem falta um pedaço, mas antes, se fala de amor e de existência. De verdade, sem a mulher, a criação ficaria incompleta. Sobre o tema, arremata o Santo Padre o Papa Francisco, “O Deus Trindade é comunhão de amor; e a família, seu reflexo vivente (…) Desse encontro que cura a solidão, surge a geração e a família [6].”
Sendo o homem e a mulher os únicos seres criados à imagem e semelhança de Deus, na busca de encontrar o próprio Deus, evidencia-se uma mútua dependência latente entre ambos, em procura de plenitude.
A comunhão perfeita
Nessa ordem de ideias, “compreende-se que o homem esteja sempre em busca da mulher, como se ele procurasse aquela parte de si mesmo que lhe foi tirada na Criação; e que a mulher aspire ser reunida àquele do qual foi tirada (…) No jardim do Éden, o homem e a mulher viviam uma comunhão permanente com Deus.
Recebiam uma plenitude de amor que era o princípio mesmo de sua unidade e os preenchia perfeitamente. Conheciam-se através do olhar de Deus [7] (…)” Nesse contexto, homem e mulher eram transparentes um para o outro e na relação com o Criador.
De fato, na visão beatífica, a complementaridade ordenava a distinção dos sexos, motivo pelo qual havia o equilíbrio perfeito.
Uma harmonia a ser reconquistada
Após a queda, contudo, alterou-se o estado de perfeição, resultando uma espécie de confronto entre eles, a ponto de que a harmonia entre o homem e a mulher precisa ser constantemente conquistada [8].
E essa conquista certamente só pode acontecer no exercício verdadeiro do amor-comunhão que nos foi implantado por Cristo Jesus.
Com efeito, ensina São Paulo, “onde avultou o pecado, a graça superabundou [9]”. Após a queda, pela graça e na força da ressurreição de Cristo, fez-se possível a transcendência do homem para o Criador e para o criado, especialmente, essa nova ordem impera entre os sexos, entre homem e mulher, dando-lhes a possibilidade de reconquistar no sangue do Cordeiro a transparência e a harmonia perdida.
Marcas de esperança
Sobre essa afável esperança, discorre Elton Alves: “Na exata cena em que o pecado é cometido, vemos as marcas da esperança fixadas pelo Senhor (…) Deus não amaldiçoou o homem. Ele os abençoou – o homem e a mulher – e não volta atrás quanto aos seus dons. Por isso, a mulher não só não perde a própria identidade após o pecado, como, aliás, é confirmada em sua missão: Eva significa mãe dos viventes [10].”
Sendo o matrimônio o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo [11], sua missão irrenunciável é a doação voluntária de amor entre os cônjuges, amor esse que seja capaz de transbordar para os filhos e para todo o criado, reordenando o homem dentro de si mesmo.
Tendo encontrado a ajuda de que necessita [12], Deus empresta-o o seu modo de amar, ou seja, ensinando-o a caridade, torna-Se a medida do amor humano.
Complementares
O esforço do homem e da mulher agora se volta para a graça de Deus, que os precede, em vista de reconhecer no outro, através da caridade, o olhar e o amor de Deus, que os criou complementares.
Por certo, a caridade é o mais alto degrau do amor, pois como escreveu Santo Agostinho, “Se vês a caridade, vês a Trindade [13]”.
Redimidos, com a missão de amar
Consciente da sua missão e responsabilidade, o homem e a mulher redimidos após a primeira queda, tendo formado uma família humana ancorada na graça de Deus, posicionam-se no ambiente favorável de luta pela santidade, de reencontro com a Trindade, seja por meio da harmonia a ser reconquistada entre os sexos pela via extrema da verdadeira caridade; na educação dos filhos e também no incansável serviço de amor à humanidade.
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[1] Alves, Elton e outros. Curso online de Sagradas Escrituras. Instituto Parresia. 2019.
[2] São Joao Paulo II. Teologia do Corpo. O amor humano no plano divino. Ecclesiae. 2014. pg. 37.
[3] Gn2,20.
[4] Pelo homem e pela mulher.
[5] Sobre o tardemah explica São João Paulo II – “O torpor de Adão (em hebraico tardemah) é um sono profundo em que o homem cai sem conhecimento ou sonhos. Na teologia do autor javista, o torpor, em que Deus fez cair o primeiro homem, sublinha a exclusividade da ação de Deus na obra da criação da mulher; o homem não teve nela nenhuma participação consciente. In: São Joao Paulo II. Teologia do Corpo. O amor humano no plano divino. Ecclesiae. 2014. pg. 49 (rodapé).
[6] Papa Francisco. Amoris Laetitia, pg. 13-14. Paulus Ed.
[7] Croissant, Jo. A mulher sacerdotal. Pgs. 50-51.
[8] Simone de Beauvoir já afirmou: “Entre dois indivíduos, a harmonia nunca é doada, deve ser indefinidamente conquistada.”
[9] Rm5,20.
[10] Alves, Elton da Silva. Um percurso antropológico-bíblico para delinear traços da antropologia Shalom. Revista Parresia. Edicões Shalom. 2019. Vol. I. n.1. pg. 19.
[11] Papa Bento XVI, Deus caritas est.
[12] Papa Bento XVI, Deus caritas est.
[13] De Trinitate, VIII, 8, 12: CCL50, 287.
Por Regma Janebro
Graduada em Direito e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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