Tempo de conversão
Deus nos chama ao deserto, ao silêncio para que nós escutemos a sua voz de amor, que nos convida à conversão. A Bíblia nos repete que nas muitas palavras não faltará o pecado, e, mesmo nas nossas orações, não devemos pensar que somos escutados à medida que sufocamos Deus com pedidos e súplicas, pois “os defeitos de um homem aparecem no seu falar.”
Vivemos num mundo feito de muitas palavras e de poucas ações que sejam críveis e verdadeiras – já o grande poeta Dante Alighieri dizia que o inferno é pavimentado de bons propósitos. Estamos perto da Quaresma e temos necessidade de uma conversão que toque a profundidade do nosso ser. Em outro momento, falei dos três níveis de conversão, vale a pena relembrá-los
1. A conversão de nossa mentalidade – saber assumir a Palavra de Deus como projeto de vida que vai orientar todas as nossas ações. O mundo está mudando. Deus não muda, mas a maneira de sentir a presença de Deus na nossa vida muda continuamente, uma palavra que se faz carne na história que nos é dada para viver agora e aqui no nosso trabalho, na comunidade e na igreja. Neste sentido, devemos nos colocar à escuta da palavra da Igreja, do Papa Francisco, que com seu profetismo nos faz aterrissar na nossa vida neste momento particular. A conversão não é um fantasma que deve nos fazer medo, mas sim uma necessidade que deve abrir novos espaços e caminhos diante de nós;
2. A conversão do coração – sabemos que fomos criados por amor, e para amar se pode viver sem tantas coisas inúteis que preenchem a nossa casa, nossos armários e nossa geladeira; não precisamos de dez pares de sapatos nem de quinze camisas, mas precisamos de amor. Sem amor nós mesmos morremos e matamos também os outros. Há um provérbio chinês que de vez em quando medito, que diz “a amizade é um cobertor que repara o frio de três invernos.”
O nosso coração corre o risco de infarto, de falta do sangue, que regue a nossa vida. Falta-nos o sangue da ternura, da bondade, da misericórdia. Muitas vezes o nosso coração, o meu coração fica endurecido e insensível diante dos sofrimentos de tantos irmãos e irmãs;
3. A conversão das ações – Perto da Quaresma, depois das folias ou sem folias ou diversões do carnaval, ou mesmo dos retiros de carnavais, precisamos voltar à realidade da vida concreta, na qual onde somos chamados a agir conforme a Palavra de Deus. Deus nos chama a viver a caridade, o amor que se faz gestos e ações em favor dos últimos dos que vivem à margem da vida. Apenas palavras não servem, servem ações, vida concreta. Aliás, estamos cansados das palavras sobre a paz, a misericórdia e a palavra justiça; queremos sim estas palavras vivas, encarnadas, que nos façam sair do nosso egoísmo e nos lancem nas estradas do mundo com mangas arregaçadas que ajudam a levantar os que estão à beira da estrada caídos e sem coragem.
Quer conhecer uma pessoa? Fique em silêncio
O livro do Eclesiástico pertence àqueles livros chamados sapienciais, quer dizer, poço de sabedoria prática. Às vezes soa até como uma série de provérbios populares que manifestam a sabedoria e experiência dos povos que passa de geração em geração. Muitas vezes eu leio e medito esses livros, especialmente o Eclesiástico e o livro dos Provérbios. Hoje este pequeno texto do Eclesiástico nos oferece um caminho seguro para conhecer quem são as pessoas antes de confiar nelas. Se você quiser conhecer uma pessoa, o seu coração, e daí também as suas ações e sua religião, passe um dia inteiro com a pessoa sem falar, só escutando o que ela diz, como diz e como fala.
Pelas suas palavras, você chega a descobrir a sua religião, a sua política, a sua moral, os seus desejos, e aí poderá confiar ou não nela – como o forno prova o ouro, assim o homem é provado pela sua conversa. No mundo das palavras em que vivemos, é muito importante não parar nas aparências. Os discursos bonitos não convencem, as palavras teológicas perderam o seu valor, os pregadores do Evangelho não são propagandistas e vendedores de produtos, mas testemunhas da verdade, da paz e do amor.
Firmes e inabaláveis no Senhor
Paulo ama a comunidade de Corinto. Mesmo com suas dificuldades e seus pecados, sente que é necessário que os cristãos não se deixem guiar pelos sentimentos passageiros e tampouco pelas ideias volúveis que não dizem nada; a nossa fé não depende das mudanças climáticas e do tempo, nem da tecnologia; a nossa fé é firme sobre um único alicerce: Cristo Jesus.
É nele que vivemos e somos. Paulo convida a cada um de nós a sair dos palavreados e nos empenhar nas obras do Senhor. Quais são as obras do Senhor? A caridade, o amor, a misericórdia e, especialmente, crer na ressurreição de Jesus. Ele veio para trazer a salvação
integral da pessoa. Não somente do corpo e nem somente da alma, mas do homem todo. O cristão hoje pode gritar contra a morte “ó morte onde está a tua vitória?”
A morte foi derrotada para sempre, a força do pecado é a lei, mas a lei do amor nos liberta da escravidão do pecado. Deus nos dá vitória, não pelas nossas obras, mas pela Sua graça, e nós devemos cooperar com a graça do Senhor com o nosso sim total.
Parábolas em uma só
Fico sempre maravilhado com a capacidade de síntese dos evangelistas, especialmente de Lucas que, sem diminuir a força da Palavra de Deus, em poucas palavras nos transmite toda uma mensagem de vida. Leia com atenção este pequeno texto; em poucas linhas Jesus nos fala de seis coisas diferentes e ao mesmo tempo todas coligadas uma a outra.
1. Um cego não pode conduzir o outro cego;
2. O servo não é maior que o seu Senhor;
3. Antes de tirar o cisco do olho do seu irmão, tira a trave que você tem no seu olho;
4. Não existe árvore boa que dê frutos ruins;
5. O homem bom tira do seu baú coisas boas e o homem ruim, coisas ruins;
6. A boca fala do que o coração está cheio.
Tudo isso para provar que não é possível ser uma pessoa boa só com palavras. As palavras sem ações são árvores cheias de folhas e sem frutos, e nós somos árvores só com folhas ou com frutos?
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