Decidido a encontrar a liberdade interior, o jovem partiu em direção à montanha, levando tudo o que precisaria para a longa jornada: água, alimento, cobertores, equipamento de camping, filtro solar, produtos de higiene. Sua carga era grande, mas parecia-lhe valer a pena suportar seu peso diante do grande prêmio que receberia ao final de sua viagem.
Após cinco semanas de caminhada, avistou a montanha e começou a fazer planos sobre a conversa que teria com o primeiro homem de oração. Já o imaginava: longas barbas brancas, sentado em uma esteira, em profunda oração diante de um belo e raro ícone bizantino, no fundo de uma gruta úmida, iluminada por velas artesanais.
Após horas de subida sob o peso de seu equipamento que unia-se ao sol causticante para queimar-lhe as costas, chegou a uma casa avarandada, cercada de flores multicoloridas. Um homem de calças jeans surrada varria a varanda, assoviando.
“Boa tarde, senhor! O senhor sabe onde posso encontrar por aqui o homem de oração?”
“O que você quer com ele?”
“Vim de longe. Vou escalar a montanha da liberdade interior e, segundo me orientaram, devo procurá-lo nesta região. Ele orientará minha viagem.”
“Ah! Você deve ser o Fares! Venha, entre, entre!”, disse, retirando o boné e recolocando-o, em uma tentativa vã de alinhas os cabelos suados. “Estava mesmo esperando por você!” e, estendendo-lhe a mão: “Sou o Zeca, o segundo homem de oração que você encontrará em sua jornada! Prazer!”
“Segundo?!?”, perguntou o jovem estendendo-lhe a mão, visivelmente surpreso por encontrar um homem de oração com ar jovial, barba feita, a fazer algo tão banal quanto varrer uma varanda.
“Claro! O primeiro é você mesmo! … Ou não é?”
“Sim, claro!” respondeu Fares esforçando-se para acompanhar a gargalhada com que o homem de oração finalizara sua frase, batendo-lhe levemente nas costas.
“Vamos lá, sente-se, sente-se! Vou pegar um café para nós e volto já.”
Enquanto digeria a surpresa misturada com uma certa decepção com o jeito de ser do homem de oração, o jovem esforçava-se de todo o jeito para tirar seu equipamento das costas antes que o anfitrião voltasse. Foi em vão. Deus sabe por que razão, as alças que se lhe prendiam aos ombros, à cintura e às pernas recusavam-se a soltarem-se das presilhas.
“Então, ainda em pé? Sente-se!”
“É que estou preso ao equipamento. Será que o senhor me pode ajudar?”
“Bem que eu gostaria, mas isso cabe a você. O que tem aí?”, perguntou, sorvendo o café e apontando com a cabeça para o equipamento.
“Água, enlatados, pão, queijo, mortadela, repelente insetos, filtro solar, lanterna, fogareiro, roupas, coberta, capa para chuva, óculos de sol, tenda, colchonete, faca de ponta, talheres… ahn, o que mais… deixa eu ver, copo…”
“Coração”, interrompeu o homem de oração.
“Como assim, “coração”?”
“O que faria se, hoje à noite, enquanto dorme, todas estas coisas lhe forem tiradas?”
“Ficaria muito frustrado. Teria estragado toda a minha viagem.”
O homem de oração sentou-se e, sorvendo o café, ficou olhando ao longe. Fares tentou por várias vezes quebrar o silêncio incômodo. Em vão. Fez-lhe perguntas, contou-lhe sua vida, suas motivações para a viagem. Nada. Perguntou-lhe sobre sua família, elogiou a paisagem. Silêncio por resposta. Nada parecia retirar o homem de oração daquele estado. Seus olhos continuavam grudados no vale que se deitava, como um cão fiel, aos seus pés.
O silêncio fazia os pés de Fares arderem em suas botinas. Seu relógio equipado com altímetro, bússola e horário de vários países só conseguia passar-lhe uma informação trivial: estava ali, de pé, sob o peso do equipamento, há duas horas e meia. Tentava sentar-se. Impossível. Talvez encostar-se à parede? Só piorava a situação. Sentar-se no chão? Queda certa! Era o jeito esperar. O pior é que ninguém dizia nada. Não agüentava mais! Pensou em ir embora, mas isso seria abandonar todos os seus planos e sonhos. Já escurecia quando Fares, exausto, pediu, quase chorando, ao homem de oração:
“Senhor, por favor, me ajude! Faça o que quiser, mas me ajude!”
“E o que você quer que eu lhe faça?” Perguntou o homem, para espanto de Fares: era óbvio que ele queria ajuda! No entanto, a resposta que saiu de sua boca foi uma frase estranha:
“Quero que me liberte”, disse, envergonhado por estar soluçando como uma criança apavorada.
O homem de oração saiu sem pressa e voltou com uma grande tesoura, que entregou a Fares. Em seguida, sentou-se e voltou a olhar Deus sabe para o quê. Fares compreendeu. Tomou a tesoura e cortou as tiras que lhe prendiam as pernas, a cintura, os ombros. O equipamento caiu com um barulho surdo. O homem de oração disse, simplesmente:
“Primeiro passo: liberte-se de tudo o que o distrai, de tudo o que ocupa seu coração. Fique atento ao seu interior, onde você leva somente a Deus e a você mesmo.”
Neste momento, uma menina, com riso límpido, cabelo solto ao ar, passou, dançando, pelo jardim, vinda de nenhum lugar, indo para lugar algum.
Maria Emmir O. Nogueira