Certa vez, um senhor muito rico, após a oração por sua jovem filha doente, perguntou aos que tinham ido orar por ela: “Quanto é? Quanto vocês querem para curar minha filha? Quanto preciso pagar para que ela fique boa? Estou disposto a pagar qualquer coisa!” Você pode imaginar nosso constrangimento e, espero, nossa resposta: “A graça de Deus, como o nome está dizendo é ‘de graça’”.
Mas como? Então, quer dizer que não preciso pagar nada pela graça de Deus? Ele dá sua graça assim, de graça? Então não preciso ser como aquelas pessoas santas que não pecam, confessam- se sempre, vão à missa todo dia? Então não preciso pagar promessas com penitências bem fortes? Então não preciso chamar alguém com “reza forte?” Não preciso dar esmolas polpudas para os pobres, para a evangelização, para um asilo, uma creche, nada? Não! Como dizia minha filha, “nadinha, nadinha”. E o jornaleiro da banca: “de grátis!”.
A morte e a ressurreição de Jesus Cristo alcançaram para nós a “graça de graça”. Na verdade, nem todas as riquezas do mundo poderiam pagar a graça de Deus. Seu preço foi a vida do Filho, entregue por amor ao Pai e a nós. Por amor! Como nos custa crer e acolher o fato de que a graça nos foi dada por Cristo e que, por Ele, temos acesso a toda a riqueza do Pai, como nos ensina São Paulo e como o próprio Jesus ilustrou na parábola do Filho Pródigo. O amor até a entrega de vida é a moeda e a linguagem do céu. Lá, todas as moedas do mundo não dizem nada e nada valem. A graça, portanto, toda graça, é um presente de amor, uma prova de amor do Pai por nós, em Jesus Cristo, pelo poder do Espírito e intercessão de Maria.
São Paulo nos explica que se ainda confiarmos em nós mesmos e nas nossas regras de troca, retribuição e pagamento, estaremos mortos, perdidos para a graça. Entretanto, se confiarmos na graça de Deus, se entendermos que precisamos dela, que ela é gratuita, prova irrefutável de amor e socorro aos nossos limites, fraquezas e enfermidades, então, teremos vida, alegria, felicidade, tranquilidade, paz, liberdade interior.
Nossa dificuldade em acreditar nessa gratuidade, de simplesmente pedir e confiar como uma criança que pede aos pais e sabe que vai ser socorrida por eles, vem de quatro fontes terrivelmente nefastas: autossuficiência, orgulho, vaidade e desconfiança. Essas fontes de pecado e de infelicidade nos afastam de Deus, de sua misericórdia, de sua graça. Poderiam, na verdade, ser agrupadas de várias maneiras, pois tendem a andar sempre juntas. Sugiro uma das diversas combinações: autossuficiência + orgulho; autossuficiência + vaidade; autossuficiência + desconfiança (dos outros, de Deus e de sua graça). Não é preciso dizer as consequências dessa situação: medo, insegurança, ansiedade, desespero, solidão, desesperança, incredulidade.
Mas não seria estranho ou exagerado colocar a autossuficiência em todos esses grupos de afastamento de Deus? Veja bem: por definição a autossuficiência é a confiança exagerada em si mesmo. A confiança em si e em seus recursos financeiros, sociais, humanos, científicos, culturais, dentre outros, mais do que em Deus que, por definição, é onipotente, onipresente e onisciente. É o caso do pobre pai do começo do nosso artigo. Era um homem rico, culto, da mais alta classe social, poderoso o suficiente para contratar e pagar qualquer hospital, médico, medicação ou procedimentos médico-hospitalares em qualquer país do mundo. Sua filha, entretanto, veio a falecer. A confiança do pobre homem estava em si mesmo, em seu poder, seu dinheiro, seu status, seu conhecimento, não em Deus.
Como é fácil deduzir, autossuficiência e orgulho são praticamente sinônimos. Na verdade, a autossuficiência é uma das consequências – e das piores! – do orgulho. Autossuficiência e vaidade também estão, obviamente, ligados. O autossuficiente é vaidoso com relação a si mesmo, suas posses, seu cônjuge, seus filhos, seu saber. Nada, ninguém é mais belo, capaz e poderoso do que ele, sua família e bens.
A terceira combinação decorre das duas primeiras. O autossuficiente, que confia mais em si mesmo do que em Deus, mergulhado na cegueira do orgulho e na empáfia da vaidade desconfia da gratuidade, do amor, que, por definição, é gratuito ao dar-se e ao receber. Sua desconfiança engloba amigos, conhecidos, familiares e funcionários. Para não ferir a própria imagem, dá-se bem com todos, mas sua mentalidade ainda hesita em aceitar a gratuidade do céu, presa que está à mentalidade da terra. A desconfiança dos outros e de Deus é a consequência óbvia. A prática da bondade gratuita e feliz é renegada por ele com relação aos outros, exceto se contribuir para seu bom nome e seu poder. Uma vez que ele mesmo não se alegra em praticar a caridade, a bondade, a generosidade e a paciência gratuitamente, também não espera dos outros com relação a ele essa gratuidade que desconhece e o ameaça porque vem da humildade do amor que tudo dá e tudo acolhe sem nada esperar. Resultado: falta de confiança – ou desconfiança – de Deus e das pessoas. Jesus mesmo declarou que nenhum pecado o fere tanto quanto a desconfiança do seu amor. Pobre autossuficiente que assim despreza a amizade mais profunda, verdadeira e duradoura que existe.
Aproveito o restinho do meu espaço para lembrar a bela passagem de Jairo e sua filha. Jairo era um dos homens mais importantes de toda a Galileia. Era o chefe da sinagoga. Dispunha de prestígio junto a judeus e romanos. Tinha cultura superior, poder e bens. Sua filha, entretanto, morreu. Sem importar- se com sua imagem, reconhecendo que todo o seu prestígio, cultura e dinheiro de nada adiantavam diante da vida, correu e prostrou-se (prostrou-se!!!) aos pés de Jesus: “Senhor, minha filha acaba de morrer: mas vem, impõe-lhe as mãos e viverá”. Jesus levantou-se, seguiu-o e ressuscitou sua filha (Mt 9, 18- 26). Simples assim, pois a graça, que é prova do amor de Deus por nós, graças a Jesus, é gratuita. Se você preferir, humildemente, gratuitamente, “de grátis”.
(Junho 2013)
Muito bom! FORTE! 😀