Partilho com você um pensamento belíssimo de Antonio Maria Sicari em seu livro Ci ha Chiamati Amici – Laici e consigli evangelici[1]:
No momento em que Deus se avizinha do mundo, a feminilidade é chamada a representar toda a humanidade, toda a criação. A feminilidade é o lugar no qual a criação inteira se faz acolhida para Deus.
Sicari fala, evidentemente, de Maria. Maria é a Mulher, a Feminilidade acolhedora. Nela, a criação inteira acolhe a Deus.
Nossa visão reducionista restringe-se, muitas vezes, a olhar para Maria como Mãe de Jesus – e só dele; esposa de José – e só dele; Mulher da Galileia – e só dali. Esquecemos que tudo o que Deus faz em nós e através de nós atinge a humanidade inteira, a terra inteira, o universo inteiro, em todas as épocas passadas e futuras. Tudo o que Deus faz, na verdade, é absolutamente abrangente e absolutamente consequente. Nada é restrito a uma só pessoa, a um só lugar, a um só momento. Nada!
Feminilidade sinônimo de acolhida
Maria é mulher. É A Mulher. Nela, a feminilidade passa a ser sinônimo de acolhida. Ela, que foi sumamente amada por Deus, vive para amar. Ela, que não conhece o “não” do egoísmo, do pecado, é toda “sim”, toda “fiat”, toda serviço a Deus e ao homem. Maria acolhe. Acolhe sempre, tanto a Deus como ao homem, irrestritamente. É a porta que o mundo abre a Deus.
Esta característica da feminilidade – a acolhida irrestrita – existirá ela ainda sobre a terra? Nós, mulheres de hoje, a quem nos esforçamos para nos assemelhar: à Eva do “não” restritivo a Deus e aos homens, ou à Nova Eva, a Maria do “sim” irrestrito a Deus e aos homens?
Em meio ao trânsito desumano, apertadas em ônibus lotados, estressadas pelo sai-e-para dos metrôs apressados, carregada pelo peso do horário, do salário, da responsabilidade, ainda dispomos de tempo e espaço para abrir os braços e corações para acolher alguém? Sempre ocupadas, apressadas, sobrecarregadas na mente e no corpo, disponibilizamos, ainda, espaço interior a ser ocupado por qualquer pessoa, qualquer uma?
Missão de humanizar
Maria, em sua feminilidade, faz-se acolhida total a Deus em nome de todos os homens, de toda a criação. Tal missão, não é a de Maria de Nazaré, somente, mas de toda mulher, de todo o feminino. Não é à toa que João Paulo II e o então Cardeal Ratzinger declaram, com a força de documentos da Igreja, que à mulher Deus entregou o homem. A ela cabe humanizar a humanidade. Ela é o ezèr, o socorro de Deus para o homem, para cada homem, para todo homem. Isso, por causa de Maria, por causa do feminino de que Maria é o ápice.
A mulher foi criada para ser ezèr. Está lá bem claro em Gen 2, 18ss. Ela é o socorro de Deus que, em tradução infeliz, transformou-se em auxílio eficaz. Também Maria foi criada para ser Ezèr. Como nenhuma outra mulher em nenhum outro tempo, ela foi e é o socorro de Deus para a humanidade. Condenados, prisioneiros, os homens necessitavam ser libertados, retornar à felicidade para a qual Deus os havia criado. Para salvá-los, para fazer-se homem igual a todo homem, embora sem deixar de ser Deus, o Verbo quis precisar de uma ezèr para fazer-se zigoto, embrião, feto, bebê, menino, adolescente, adulto, cadáver, ressuscitado. Criou, para isso, uma Ezèr, um socorro de Deus para si mesmo, uma porta do mundo para Deus. As mães, não são elas ezèr para que os filhos percorram este mesmo caminho do Verbo?
O Verbo se fez carne. Era Luz. As trevas o rejeitaram. Não o acolheram. Ela, porém, a Mulher, o acolheu, fez-se acolhida em nome de toda a humanidade, em nome de toda a criação visível e invisível, em nome de todos os tempos, de toda a eternidade. O fazer-se acolhida do Homem elevou Maria e, com ela, todos nós, acima do tempo, das contingências, dos limites humanos! Admirável poder este do “sim” que ecoa desde sempre e para sempre o único e eterno “Sim” do Filho! Admirável poder este do “sim” que abre a Deus as portas da terra!
Sim ao Verbo
Como mulher, fico a pensar que, pela vivência consciente de minha feminilidade, trago em mim a imensa responsabilidade deste “Sim” do Verbo, deste “sim” ao Verbo! Através de minha acolhida, hoje, o Verbo se faz carne! Minha acolhida ao homem, a todo homem, faz-se mais mulher e faz o homem mais homem. O simples fato de viver a acolhida inerente à minha feminilidade já me faz cumprir minha missão de humanizar o homem.
Imaginem um diálogo absurdo:
– Shalom, Maria, cheia de graça! O Senhor é contigo!
– Muito obrigada, mas agora não tenho tempo para ouvi-lo. Poderia chamar depois?
– Não temas, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus.
– Olha… até que gostaria, mas o José e eu precisamos primeiro fazer nosso pé de meia. Precisamos fazer o Mestrado e o PHD, fazer render o dinheiro na Bolsa, comprar um apartamento grande, para darmos a nosso filho o melhor, o que ele necessita para ser bem educado, bem esclarecido e rico. Queremos dar a ele mais do que tivemos, entende?
– Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono do seu pai Davi.
– Iiiiiihhhh! Esse menino vai dar muito trabalho! Criança em si só já dá trabalho. Um que vai ser grande, então, nem pensar! Não dá para ter trabalho, entende? Nem tenho tempo para isso, nem quero me acabar e deixar de curtir a vida. Se você ainda estivesse me oferecendo um bonzinho, quietinho, obediente, que não solicita muita atenção, poderia até pensar, mas esse tipo aí, especial, sinto muito, agora não dá.
Tão absurdo que até choca? Ou, pelo contrário, tão verdadeiro que até choca? A Anunciação não terminou. Perdura por todos os tempos e para todos os homens e mulheres.
Feminilidade e disponibilidade
Pois é. Feminilidade e disponibilidade, feminilidade e acolhida se supõem. A mulher é feminina, é aquilo que foi criada para ser, na medida em que acolhe sem restrições, na medida em que se dá. Nesta mesma medida, a sexualidade humana exprime o milagre de uma matéria espiritual, invisível, porém real. Mais real que a sexualidade aprisionada no cárcere da matéria, pois esta se extingue e aquela permanece para sempre. Esta, desfigura a mulher – e, consequentemente o homem – na proporção em que pensa que feminilidade é charme, sensualidade e eficiência profissional.
Maria, a Mulher, a Ezèr, a Feminina, acolheu e fez-se mãe. De Deus! Acolheu e foi feita esposa. Do Espírito. Acolheu e foi feita mãe. Dos Homens. Acolheu e foi feita esposa. De José. Fez-se “sim” e acolhida em seu nome e no meu. Em nome da estrela mais longínqua e do átomo incandescente no ponto mais central da terra. Feminilidade e acolhida sem pecado, isto é, sem restrições, a elevam, e, nela, nos elevam.
Maria, a Mulher, a Ezèr, a Feminina, fez a terra acolher o céu e o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Maria, a Mulher, a Ezèr, a Feminina, faz o céu acolher a terra e o Homem, em quem foi criada Mulher, acolher em si todo homem. Nela, cada mulher será mais feliz e realizada quanto mais for feminina, for ezèr, porta da terra para acolher o céu, porta do céu para acolher a terra. Haverá missão mais sublime?
[1] Em português: “Chamou-nos amigos – leigos e conselhos evangélicos”.