O rito da elevação
Na celebração da Santa Missa há um rito profundamente solenizado, o instante em que o sacerdote apresenta, após a consagração, a hóstia e o cálice com os preciosos corpo e sangue do Senhor. Neste momento toda a assembléia é convidada a olhar, para contemplar, o grande mistério do Filho de Deus que se entrega por nós e por nossa salvação. Que este rito possa desvelar – descobrir e cobrir – o grande mistério da fé.
Os primeiros anos do século XIII marcam na celebração litúrgica do sacramento da eucaristia o surgimento de um gesto que permaneceu presente desde então: a elevação da hóstia após a consagração.
Naquela época era impressionante o fato de que a grandiosidade da celebração eucarística não tinha sua correspondência na freqüência à comunhão, sempre muito restrita. Como a celebração não era orientada para promover ou facilitar a participação do povo cristão na liturgia – os fiéis assistem, sem dúvida, mas não entendem e, portanto, não participam plenamente – eles buscam outras fontes de devoções no culto extracelebrativo, por exemplo, rezando o terço em plena celebração eucarística. O fato era que raramente a “mesa do Senhor” tinha algum “comensal”; o mais das vezes permanecia deserta[1].
A Igreja sempre ensinou a presença verdadeira, real e substancial de Cristo na eucaristia[2], nas espécies consagradas do pão e do vinho, orientando assim os fiéis para um Cristo presente, mas escondido ou contido no sacramento. Essa presença não é idêntica à do Salvador à direita do Pai, mas sacramental, “segundo um modo de existência” que só se pode reconhecer na fé. Porém, do encontro de íntima comunhão – aquele desejado por Cristo (cf. Jo 6,51-58) – passou-se a uma nova devoção: o de um encontro pela visão. Nascera então o fenômeno devocional da visão da hóstia. O rito da “elevação”, que entrou para o cânon da Missa e nele permaneceu, teve sua origem neste desejo de “ver a hóstia”. O unir-se a Cristo pela comunhão, passava então para segundo plano.
É verdade que a fé e a piedade do povo cristão para com a eucaristia nunca sofreram abalos, mas a “comunhão”, que teria sido o modo normal de exprimir esta fé e esta piedade, vinha-se tornando rara. Entre as muitas causas deste fenômeno bastante difundido podemos citar a obrigação (então nova) da confissão prévia, que levava muitos a comungar só na hora da morte, e as idéias da “purificação’, exumadas do AT, para as quais as pessoas casadas só raramente podiam ousar comungar. Muitos autores chegaram mesmo a admitir que a comunhão do sacerdote era para toda a assembléia, o que dispensaria os fiéis de ter acesso ao sacramento, um pensamento em direta contra-mão com a vontade daquele que instituiu o sacramento-alimento para a vida eterna.
O momento da “consagração”, isto é, aquele no qual Cristo dá, no pão e no vinho consagrados, seu corpo oferecido em sacrifício e seu sangue derramado para a salvação do mundo, tinha-se desviado para longe de sua finalidade, claramente expressa pela celebração. Tudo isso acontecia não para que o corpo de Cristo fosse comido e o seu sangue bebido, mas somente para que os fiéis pudessem vê-los, embora velados no sacramento. Assim, a introdução do rito da “elevação”, com o toque dos sinos para alertar os fiéis que estavam rezando o terço a olharem para o pão consagrado (a elevação do cálice é atestada somente no último quarto do século XIII), parecia realçar um momento importante da celebração, mas na prática alterava seu sentido: no lugar da comunhão do corpo de Cristo dado em alimento, bastava uma presença dele oferecida à visão.
Para corrigir tal desvio e a falta de participação dos fiéis na mesa eucarística, o Concílio de Trento interveio reconhecendo claramente a necessidade de que “os fiéis presentes comungassem não só com o afeto espiritual interior (“comunhão espiritual”), mas também recebendo sacramentalmente a eucaristia, a fim de que deste modo colhessem frutos mais abundantes deste santíssimo sacrifício” (DS 1747).
Fonte: Liturgia em Foco / escrito por Everaldo Ribeiro Franco, diácono permanente da Diocese de Uberlândia.
[1] E aqui nos lembramos do decreto do IV Concílio de Latrão de 1215, que parecia aceitar esta rara presença na mesa do pão, pois que recomendava que o fiel deveria receber o sacramento da eucaristia ao menos na Páscoa (DS 812).
[2] Este é um mistério de fé (mysterium fidei) “que ultrapassa toda a compreensão humana” (Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, do Sumo Pontífice Bento XVI).